CAPÍTULO 17

A vista do edifício era verdadeiramente privilegiada, com o barulho da cidade se tornando quase inaudível diante da grandiosidade do cenário. Daquela altura, parecia que todas as preocupações com escassez e fome simplesmente desapareciam.

O apartamento, adornado por uma grande janela, oferecia uma visão imponente dos altos edifícios comerciais que se estendiam até onde os olhos podiam alcançar. Cada detalhe da mobília era meticulosamente selecionado, refletindo opulência e bom gosto, enquanto as paredes eram adornadas com as mais deslumbrantes pinturas, emanando uma aura de elegância e sofisticação.

Eu me sentia diminuída ali, como se todos os meus problemas fossem apenas pequenos pontos diante da imensidão daquele luxo. Enquanto admirava a decoração suntuosa, não pude deixar de questionar por que não podia ter acesso àquelas coisas. Afinal, eu trabalhava mais do que qualquer pessoa que conhecia e ainda assim não possuía nem metade das coisas que eles tinham.

A sensação de que, mesmo se trabalhasse incansavelmente todos os dias da minha vida, jamais chegaria perto daquela riqueza, era esmagadora. Olhando ao redor, os detalhes extravagantes do apartamento pareciam saltar aos olhos: os móveis de design requintado, os quadros de artistas renomados adornando as paredes, a vista deslumbrante pela janela que parecia se estender até o infinito.

Por que a vida tinha que ser tão injusta?

— Olá. — A voz de Elias quebrou meus devaneios quando ele abriu a porta e se aproximou. Seus passos ecoaram no piso de mármore, ressoando o requinte do ambiente. — Que surpresa! Fico feliz que tenha vindo me ver!

Olhei para Elias, impecavelmente vestido em seus trajes elegantes. Enquanto eu usava uma camisa surrada com estampa de um personagem de videogame, ele estava impecável em sua camisa social branca, com um relógio de pulso reluzente adornando seu pulso. Sua expressão de genuína surpresa contrastava com minha própria sensação de inadequação.

— Há algum problema, Serena? — Sua preocupação era palpável, destacando ainda mais a discrepância entre nós.

— Sim, Elias. Existem muitos problemas. Mas vim pedir ajuda com um, em especial.

— O que posso fazer por você? — Elias inclinou a cabeça, sua expressão séria indicando prontidão para ajudar.

— Hm, como posso explicar.

Então, desabafei com ele toda a situação envolvendo meu tio. Além do que ele tinha testemunhado na cafeteria, adicionei os detalhes das horas extras não remuneradas, das humilhações exorbitantes e até da ameaça de violência física que ele havia proferido. Também compartilhei o episódio do atestado médico, o qual foi a gota final.

Ele ouviu em silêncio, sem me julgar, enquanto balançava a cabeça em compreensão.

— Bom, parece que este é um caso jurídico forte em que você tem muita chance de ganhar. — Ele colocou a mão no queixo, pensativo. — Agora só resta saber se você está interessada em prosseguir, porque, pelo que parece, você está acanhada pelo fato dele ser seu tio. Mas eu considero importante adicionar um detalhe: se ele realmente tivesse alguma consideração por você, não agiria dessa forma.

Eu fiquei pensativa. Novamente, me lembrei da minha promessa. Eu deveria lutar por mim, e ser forte até o fim.

— Lembrando novamente que essa não é a única opção de trabalho, Serena. Existem muitos outros lugares melhores, é só uma questão de busca.

Olhei ao redor, para aquele local grandioso, onde o luxo contrastava com minha própria situação. Enquanto as palavras de Elias eram convincentes, um sentimento de raiva começou a se formar dentro de mim. Era evidente que Elias vivia em uma realidade diferente da minha, uma realidade onde o acesso ao sucesso parecia mais fácil, onde as oportunidades se apresentavam de forma mais generosa.

Eu me perguntava se ele compreendia verdadeiramente as lutas diárias que enfrentava, se entendia o peso das minhas responsabilidades e das barreiras que eu enfrentava por ser quem eu era. Enquanto ele falava sobre opções melhores e lugares diferentes, eu me perguntava se ele tinha noção da falta de recursos, do preconceito e das limitações que enfrentava todos os dias.

— As minhas opções são meio limitadas, Elias. Órfã, pobre e sem conhecer quase ninguém nessa cidade grande. Enquanto isso, pessoas como você têm o melhor da vida. Quer dizer... Camilla tem razão. Sou uma coitada. — Minha voz tremia, e as lágrimas começaram a rolar pelo meu rosto.

— Desculpe, sei que vim aqui pedir ajuda. Mas não dá para não sentir a diferença, Elias. O síndico achou que eu vim pedir esmola, você tem noção disso?!

Comecei a rir, ao mesmo tempo que chorava.

— Seria engraçado, se não fosse trágico. Quem dera tivesse sido herdeira. Teria tanta classe quanto Camilla! Mas preciso me contentar andar por aí com minhas roupas de brechó.

Elias permaneceu em silêncio por um momento, absorvendo minhas palavras carregadas de emoção. Então, com uma expressão de compaixão, ele se aproximou e gentilmente enxugou minhas lágrimas.

— Serena, eu entendo que as coisas parecem impossíveis agora, mas você não é uma coitada. Você é forte, corajosa e tem mais potencial do que imagina. Sei que pode parecer difícil enxergar isso quando confrontada com tantos desafios, mas a verdade é que você tem uma resiliência incrível.

Sua voz era suave e reconfortante, e suas palavras começaram a penetrar na minha angústia.

— E quanto ao síndico, ele não tem ideia do que você é capaz. Ele só vê a superfície, mas eu vejo alguém que luta todos os dias para superar as adversidades. E quanto a ser uma herdeira, você não precisa de uma fortuna para ser alguém. Você já é alguém, Serena, e eu estarei aqui para ajudá-la a mostrar isso ao mundo. E por favor, não se compare com Camilla. Você é muito mais agradável de estar perto, é engraçada, meiga, inteligente…

No meio da intensa troca de emoções, meu celular vibrou, interrompendo o momento. Instintivamente, peguei o telefone, enquanto Elias parecia ficar sem graça, embora eu não tivesse notado sua reação devido ao calor do momento.

Olhei para a tela e vi uma mensagem de texto conhecida.

Nova mensagem recebida:

"Cara Serena,

Fico chateada por saber que minha tentativa de me aproximar foi interpretada como uma rejeição. Eu realmente gostaria de conhecê-la melhor e ainda estou disposto a tentar.

Podemos marcar um encontro em um local público, se isso te deixar mais confortável.

Seu admirador secreto”

Aceitar mensagem? [Sim] [Não]

Olhei incrédula para aquela mensagem, quebrando toda a expectativa do momento. Sentimentos de irritação e invasão de privacidade tomaram conta de mim. Por que não podiam apenas aceitar a rejeição em vez de enviar mensagens inconvenientes?

Com um gesto de raiva, apertei o botão "não".

— O que houve? — Elias perguntou, notando minha mudança repentina de humor.

— Nada. — Respondi com irritação, voltando minha atenção ao momento, mas a sensação de desconforto persistia dentro de mim.

— Tem certeza? — A preocupação na voz de Elias era evidente, e eu sabia que não podia deixar minha frustração interferir no momento que compartilhávamos.

Respirei fundo, tentando afastar a irritação que ainda pulsava dentro de mim.

— Eu disse que não é nada. É só parte das coisas que preciso resolver.

Elias assentiu compreensivamente, mas pude ver uma leve expressão de curiosidade em seu rosto. No entanto, ele optou por não pressionar mais o assunto, e por isso eu estava grata.

Retornamos à nossa conversa, e aos poucos, a sensação de desconforto causada pela mensagem invasiva começou a se dissipar, na medida que conversava sobre as futuras medidas com Elias.

Então, alguém bate na porta. Sem resposta, ela se abre com rapidez.

— Elias, eu... – Camilla começou a falar, seu sorriso se desfez quando me viu – Pelo amor de Deus, será que vou encontrar você sozinho pelo menos uma vez nessa semana?

A chegada repentina de Camilla me pegou de surpresa, deixando-me momentaneamente calada. Elias, por sua vez, pareceu irritado com a interrupção.

— Camilla, eu... — Comecei a falar, mas Elias me interrompeu pegando em meu braço.

O sorriso de Camilla desvaneceu quando me viu ali, e eu me senti um pouco desconfortável com a tensão no ar.

Elias lançou-me um olhar frustrado antes de se dirigir a Camilla de forma abrupta.

— Você e essa velha mania de entrar sem ser convidada. Espere do lado de fora, vou conversar com você depois. Agora, por favor, me dê alguns minutos. Estamos resolvendo algo muito complicado. — Sua voz era áspera, e sua expressão deixava claro que ele estava incomodado com a situação.

Camilla franziu o cenho, visivelmente irritada com a resposta de Elias. Seus olhos faiscaram com raiva enquanto ela respondia com voz cortante:

— Desculpe por tentar ser uma amiga preocupada, Elias. Eu não sabia que meu apoio era tão indesejado. Se precisar de mim, estarei por aí. Mas não espere que eu esteja disponível quando você finalmente resolver fazer uma pausa do seu mundinho egoísta.

Com isso, ela virou-se e saiu da sala, batendo a porta com força atrás de si.

Não conseguia deixar de pensar em Camilla como uma figura possessiva e um tanto desequilibrada. Seu comportamento era completamente fora do padrão do que eu já havia testemunhado. Tinha tudo o que podia desejar e mais, mas parecia incapaz de usar essas vantagens a seu favor.

Elias parecia detestá-la mais do que nunca, seu desprezo se tornando cada vez mais palpável.

Finalmente ele se recompôs, e se virou para mim com um breve sorriso.

— Desculpe, Serena. Não se incomode com isso, depois eu me resolvo com ela. O que estávamos falando mesmo?

Elias se recompôs, deixando transparecer um breve sorriso enquanto se virava para mim.

— Desculpe, Serena. Não se incomode com isso, depois eu me resolvo com ela. O que estávamos falando mesmo? — Sua voz soava mais calma agora, como se ele estivesse tentando deixar para trás o incidente anterior.

Eu assenti, deixando de lado a tensão do momento anterior.

— Estávamos discutindo sobre algumas opções que tenho considerado para o futuro. Acho que é hora de tomar algumas decisões importantes. — Respondi, tentando retomar a conversa de onde havíamos parado antes da interrupção de Camilla.

Elias assentiu, demonstrando compreensão, e voltamos nossa atenção para o assunto que havíamos deixado pendente.

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