capítulo 13

Dante estacionou em frente à minha antiga casa, desligou o motor e olhou para mim.

— Eu pensei muito. Ainda não consigo entender por quê. Esse homem que você está protegendo não é do seu sangue e, pelo que pude perceber, vocês nunca foram próximos, aliás, ele roubou o seu marido; então, por que você insiste em dar preferência a ele e não a mim?

— Eu não estou dando preferência a ele — falei sinceramente surpresa. — Mas eu sei o que você vai fazer com ele, o que você tem que fazer para proteger a Outfit, e eu não posso condená-lo à morte. Se você prometer que ele não vai sofrer nenhum mal, então, eu posso mudar de ideia.

— Você sabe tão bem quanto eu que não posso prometer isso.

As regras existem por algum motivo. Temos que proteger os segredos da Outfit. Se detalhes sobre nosso sistema, nossos negócios ou tradições forem a público, muitas pessoas que você conhece podem ir para a prisão, incluindo seu pai e eu.

— Ele nunca contaria nada sobre a Outfit para ninguém.

Antonio falou com ele sobre nossos juramentos.

— Mas ele não tem ligação nenhuma com tudo isso. Nós mantemos silêncio porque estamos ligados pela honra e pelo dever, e porque, caso contrário, todos nós pagaríamos o preço, só que esse homem não tem motivo nenhum para guardar nossos segredos agora que Antonio está morto. Nem todos honram o desejo de um homem morto como você.

— Mas ele amava Antonio.

— Como você pode saber disso? E mesmo que seja o caso, isso não o faria odiar ainda mais o nosso mundo?

— Como assim?

— Antonio não podia viver sua sexualidade abertamente por causa das regras da Outfit. Ele tinha que esconder seus desejos e seu amante, e, por fim, ele morreu porque era um Homem de Honra.

Os russos o mataram porque ele era um de nós. Veja, o homem que você está protegendo tem várias razões para desprezar nosso mundo e querer que ele acabe.

Nunca considerei isso dessa perspectiva e pirei de verdade. E se Dante estivesse certo? Eu não via Frank há um ano, desde que contei a ele sobre a morte de Antonio. Ele foi embora correndo, em silêncio e fora de si. Não tentou me contatar e eu só sabia o número do celular dele, o qual parou de funcionar logo depois do funeral. Eu simplesmente presumi que Frank quis cortar qualquer ligação com a máfia. Será que ele tinha conversado com alguém sobre Antonio?

Sobre a Outfit? Eu não queria acreditar nisso. Ele tinha motivos para odiar a Outfit e seus métodos. Não só por ter sido obrigado a esconder seu relacionamento com Antonio, mas por não ter tido a chance de se despedir dele. Nem eu tive. A única coisa que restou de Antonio foi um corpo queimado. Nunca o vi. Papai me proibiu.

Ele disse que não havia sobrado nada para eu reconhecer. Até a cabeça foi cortada pelos russos antes de atearem fogo nele. A Outfit nunca a encontrou.

Dante me observava com atenção. Ou será que ele tentava me manipular? De qualquer forma, o que ele disse era verdade.

— Você vem até a porta para dizer “oi” para a minha mãe? Ela ficará chateada se você ficar no carro — disse para distraí-lo.

Dante me olhava com compreensão, mas não tentou voltar ao assunto do amante de Antonio. Ele saiu da Mercedes, deu a volta pelo capô e abriu a porta para mim. A mão dele encontrou o local de sempre nas minhas costas enquanto caminhávamos para a porta da frente. Mal toquei a campainha e a porta já estava aberta, minha mãe radiante. Ela devia estar nos espiando pela janela.

— Dante, eu não esperava que você viesse. É tão maravilhoso da sua parte vir nos visitar — disse ela com um sorriso largo. E abraçou Dante. Ele ficou duro feito pedra, mas deu um tapinha de leve nas costas dela. Ao menos ele era contra demonstrações públicas de afeto em geral, não só comigo.

— Só vim para deixar Valentina. Não tenho tempo para ficar.

Tenho muito trabalho a fazer. — Ele se endireitou e Mamma não teve escolha a não ser soltá-lo.

Ela ficou visivelmente decepcionada.

— Claro. Agora que é o Capo, tem muitas responsabilidades.

Que maravilha você tirar um tempo da sua agenda lotada para levar Valentina pela cidade. — Mamma sorriu para mim. — Você fisgou um cavalheiro.

Olhei para Dante como quem diz “eu te disse”. Uma pontinha de algo mais brando encheu os olhos dele antes de pedir licença e voltar ao carro. Assim que ele saiu com o carro, Mamma fechou a porta, agarrou meu braço e praticamente me arrastou para dentro da sala de estar.

— Giovanni! Valentina chegou! — gritou.

— Papá está em casa?

— Eu disse a ele que você viria. Ele também que dar uma palavrinha com você.

Suspirei.

— Não seja assim. Seu pai e eu nos preocupamos com o seu bem-estar. Queremos saber se a vida de casada está te fazendo bem.

— Sei... Você quer saber se eu não estou estragando as coisas com Dante.

Mamma contraiu os lábios. — Você está distorcendo tudo o que digo hoje.

Papá chegou à sala de estar, fechando as abotoaduras, com o paletó xadrez pendurado no ombro.

— Não tenho muito tempo. Na verdade, tenho uma reunião com o Consigliere e o seu marido mais tarde. Então, como vão as coisas entre você e o Chefe?

— Já que você vai encontrar com meu marido, então, pode perguntar a ele como vai meu casamento até agora e se ele está satisfeito comigo — falei numa voz exageradamente doce.

— Às vezes acho que não fui rigoroso o suficiente com você.

Sua insolência era muito mais agradável quando você era uma menininha — falou com carinho.

Levantei e o envolvi pela cintura. Ele deu um beijo em minha testa. Eu sabia que como Subchefe, Papá era quase tão impiedoso quanto Dante e provavelmente tinha matado mais homens do que se podia contar nos dedos, mas para mim ele sempre seria o homem que me carregou nos ombros quando eu era mais nova.

— Está tudo indo bem entre Dante e eu, não se preocupe — declarei, recuando. — Embora eu ache que ele ainda não tenha superado a primeira esposa.

Papá trocou olhares com Mamma.

— Fiore levou um bom tempo para convencer Dante a se casar de novo. Estou feliz por ele ter te escolhido. Não o pressione.

— Ouça seu pai, Valentina. Os homens não gostam de mulheres intrometidas.

— E isso que eu fiquei sabendo sobre você ter convencido Dante a te dar um trabalho? — Perguntou Papá.

— Não finja que já não sabe de tudo. Aposto que metade da Outfit já está reclamando.

— O que você esperava? Uma mulher na sua posição não deve trabalhar — interveio Mamma.

— Algumas pessoas pensam que as mulheres não devem interromper seus maridos também e a senhora faz isso o tempo todo.

Mamma bufou. — Eu não interrompo seu pai.

— Não? — Manifestou Papá surpreso em tom de brincadeira.

O casamento deles nem sempre foi por amor. Da mesma forma que Dante e eu, eles casaram por conveniência, mas com o tempo cultivaram apego um pelo outro. Quando os via, sentia uma nova esperança para o meu próprio casamento.

Não consegui conter um sorriso.

— Dante não se importa que eu trabalhe. Acho que ele gosta que eu faça algo de útil.

— O que pode ser mais útil do que criar filhos lindos? Quando vocês vão se tornar pais?

Olhei suplicante para Papá, mas ele deu de ombros.

— Fiore quer muito um herdeiro para levar seu nome. Dante tem responsabilidades. E se ele for morto sem ter um filho para herdar seu título?

— Não diga isso. Ninguém vai ser morto. Já perdi um marido, não quero perder o segundo — falei desesperada.

Papá deu um tapinha na minha bochecha.

— Dante sabe como cuidar de si, mas qual o problema em ter filhos?

— Não há problema algum. Eu quero filhos, mas não é por causa da minha obrigação de produzir um herdeiro. Quero filhos porque quero alguém para amar e que me ame também incondicionalmente. — Deus, quando essa conversa se tornou tão terrivelmente emocional?

— Val... — clamou Papá com calma. — Dante fez alguma coisa?

Sorri tremendo, feliz por sua preocupação, mas sabendo que era inútil. Mesmo que Dante tivesse feito algo e eu dissesse a meu pai, dificilmente haveria algo que ele pudesse fazer. Ele não iria contra seu Capo, nem mesmo por mim.

— Não, ele é um cavalheiro. — Fora do quarto, pensei. Não que eu me importasse. — Ele só é bem reservado. Me sinto sozinha, mas trabalhar vai me manter ocupada, o que provavelmente tornará tudo mais fácil.

— Dê tempo a ele — aconselhou Papá. Dava para ver que ele estava ficando cada vez mais desconfortável com meu sentimentalismo. Por que os Homens de Honra eram tão covardes quando se tratava de expressar sentimentos e nem pestanejavam perante a morte? Ele olhou para o Rolex, depois, fez uma careta. — Preciso mesmo ir agora. — Deu um beijo na minha testa, e se inclinou para dar um beijo decente na minha mãe. E saiu.

Mamma deu um tapinha no lugar ao lado dela no sofá. Sentei deixando escapar um suspiro.

— Preciso muito de um bolo neste momento.

Mamma tocou um sino e nossa empregada entrou na sala de estar com uma bandeja cheia de doces e macarons italianos.

Aposto que estava esperando atrás da porta desde que cheguei.

Desde quando eu lembro, sempre foi intrometida demais. Ela sorriu, pousou a bandeja e desapareceu novamente. Peguei uma guloseima feita de marzipã, chocolate e massa folhada e dei uma boa mordida. Mamma serviu café para mim, sem deixar de me olhar.

— Calma com isso. São cheios de gordura e calorias. Você tem que cuidar do corpo. Os homens não gostam de mulheres gordas.

Dei um show terminando o resto do meu doce, depois, o empurrei com café.

— Talvez a senhora deva escrever um livro sobre o que os homens querem já que parece saber tudo sobre o assunto. — Arregalei os olhos para reduzir o impacto das minhas palavras rudes.

Mamma balançou a cabeça e pegou um doce também. — Seu pai está certo. Nós deveríamos ter sido mais rigorosos com você.

— Vocês foram rigorosos com Orazio e não adiantou.

— Ele é um rapaz. Todos são impetuosos. E ele está se saindo bem de verdade. Disse que está até pensando em sossegar.

Eu duvidava. Ele só devia ter falado isso para tirar minha mãe do seu pé. E levando em conta que não morava em Chicago e ajudava mantendo nossos negócios nos trilhos em Detroit e Cleveland, nossos pais raramente tinham a oportunidade de incomodá-lo. E, claro, ele era homem. Ninguém se importava se dormia com uma garota diferente a cada noite, contanto que não contasse quem ele é de verdade.

— Nunca fiz nada contra a sua vontade, então, não sei do que está reclamando. Afinal de contas, casei com Dante porque você queria.

Mamma pareceu ofendida.

— Ele é o melhor partido que você poderia esperar. Quem não iria querer casar com um homem daqueles?

Bebi meu café sem me incomodar em responder. Era mesmo uma pergunta retórica.

— Dante te procura à noite?

Quase cuspi o que tinha na boca.

— Não vou conversar com você sobre isso, Mamma. — Minhas bochechas queimaram de vergonha e Mamma sorriu compreensiva.

Eu a amava, mas ela era a mulher mais irritante do planeta.

*** Enzo me buscou no SUV. Com exceção de uma conversinha fiada, não nos falamos durante o curto trajeto. Quando passamos pela rua de Bibiana, pedi:

— Espere. Vire a esquina. Quero fazer uma visita a Bibiana Bonello. — Prometi a ela que contaria sobre os progressos entre Dante e eu. Esperava que ela ficasse feliz em me ver.

Enzo não discutiu. Ele conduziu o carro em direção à casa de Bibiana e estacionou no meio-fio.

— Você quer que eu te espere?

Hesitei. — Se não se importar.

Enzo balançou a cabeça em negação.

— Este é o meu trabalho. — Ele esticou a mão atrás do banco do motorista e pegou uma revista sobre automóveis antigos.

— Não vou demorar — disse, mesmo que Bibiana e eu pudéssemos passar horas conversando.

Desci do carro e fui até a porta da frente a passos largos.

Toquei a campainha e esperei. Nada aconteceu durante um tempo, estava quase voltando ao carro quando a porta abriu. Tommaso parado à minha frente. Arregalei os olhos, surpresa, depois me preocupei.

— Oi, Tommaso — falei, forçando gentileza na voz. — Espero que não tenha chegado numa hora ruim. Quero conversar com Bibiana. Ela está? — A pergunta que eu queria mesmo fazer era se ela estava bem. Tommaso estava suado, com a pele vermelha e o zíper ainda aberto. Um temor percorreu meu corpo.

Tommaso mostrou os dentes num sorriso largo. Ele colocou minha mão entre as duas dele.

— Ela descerá logo. Sempre temos tempo para a esposa de Dante.

Lutei contra o impulso de me afastar. Sua pele estava pegajosa de suor, e a ideia de que o motivo para o sua aparência desleixada tivesse algo a ver com o que ele estivesse fazendo com Bibiana me fez querer esfregar as mãos brutalmente até não restar em mim nenhum vestígio dele.

— Ande logo, Bibiana. Valentina Cavallaro está aqui. — Como se Bibiana não soubesse quem eu sou.

Tirei minha mão das dele cuidadosamente.

— Soube que você vai assumir o cassino — disse Tommaso com curiosidade, me observando com aqueles olhos mordazes de besouro.

— Foi Raffaele quem te contou?

Tommaso gargalhou.

— Ele nem precisou. Todos estão falando sobre isso. Eu não permitiria que Bibiana trabalhasse, mas Dante tem tentado mudar as coisas na Outfit há um tempo, mesmo antes de Fiore se aposentar.

Tentei descobrir se poderia interpretar suas palavras como traição, mas infelizmente elas eram apenas críticas. Nada que fizesse Dante colocar uma bala na cabeça de Tommaso.

— Mesmo a Outfit tem que acompanhar o tempo — falei de maneira neutra.

Bibiana apareceu no topo da escada com os cabelos bagunçados, a blusa abotoada errada e sem sapatos. Tommaso piscou para mim.

— Por favor, me dê licença. Tenho uma reunião com Raffaele para discutir a noite das garotas de amanhã.

Manter o sorriso era quase doloroso e assim que ele saiu de vista, parei a farsa e corri até Bibiana, que descia as escadas.

— Ei, está tudo bem?

Ela engoliu em seco. — Podemos conversar lá em cima?

Preciso muito de um banho.

— Claro — apressei em responder.

Ela sorriu levemente. Segui-a silenciosamente escada acima, tentando conter a fúria por Tommaso. Já procurava por maneiras de fazer Dante matá-lo e isso não era algo que eu deveria nem considerar. Nunca deveria ser responsável pela morte de ninguém.

Mesmo que Tommaso fosse a escória da sociedade, eu não deveria querer matá-lo.

Bibiana me levou até o quarto deles. Fingi não perceber os lençóis bagunçados enquanto a seguia para o banheiro adjacente.

Bibiana e eu já tínhamos nos visto nuas antes, principalmente quando éramos mais novas, então, não me surpreendi quando ela se despiu na minha presença. Sentei na beirada da banheira.

— Se eu soubesse que Tommaso estava em casa, não teria vindo.

— Não — disse Bibiana. — Estou feliz que esteja aqui. Pelo menos assim, Tommaso não vai tentar a segunda vez. — Meu olhar percorreu os hematomas em seu quadril, na parte interna das coxas e nos braços. Baixei os olhos para o meu colo e espantei lágrimas de raiva. Bibiana entrou no chuveiro e abriu a torneira. — Val?

Levantei e me aproximei do box. A expressão de Bibiana era de súplica.

— Sei que não deveria te pedir isso, mas tem alguma coisa que você possa fazer?

— Ele faz alguma coisa que vá contra Dante ou a Outfit?

Qualquer coisa?

Bibi balançou a cabeça negando enquanto a água descia pela sua testa até os cabelos escuros.

— Ele é leal aos Cavallaro.

Foi o que imaginei.

— Dante não fará nada a menos que ele seja um traidor, mas talvez nós possamos armar para ele.

Bibiana arregalou os olhos.

— Você enganaria Dante se fizéssemos isso. Não pode agir contra ele, Val. Não posso te pedir isso. — Ela sorriu bravamente. — Estou sendo dramática. As mulheres passam por isso há séculos e sobrevivem.

Pode ser, mas isso não significava que Bibiana deveria sofrer.

Entreguei-lhe uma toalha quando ela saiu do chuveiro.

— Vamos falar sobre outra coisa. Como está indo tudo entre Dante e você? Já?

Assenti com as bochechas coradas. — Duas vezes.

— E...? Foi ruim?

— Não, na verdade foi... — parei, percebendo o que estava fazendo. Não podia falar sobre o quanto eu gostei de ser do Dante enquanto Bibi tinha acabado de ser montada pelo porco do marido dela. — normal — terminei sem entusiasmo.

Bibi me lançou um olhar.

— Eu te conheço, Val. Sei que está mentindo. Você não tem que se conter por minha causa. Sei que você é uma mulher que gosta de sexo.

— Foi bom — falei.

Bibi pegou minha mão e apertou.

— Que bom. Você merece se divertir depois de todos os anos com Antonio.

Queria jogar meus braços em volta dela e abraçá-la, queria, por ela, que Tommaso fosse morto, mas, em vez disso, eu simplesmente retribuí o gesto.

— Algum dia Tommaso terá ido e, então, será a sua vez.

Ela concordou, mas a falta de esperança em seus olhos me destruiu.

— Ele tem cinquenta e dois anos. Com a sorte que tenho, vai viver por mais trinta. Estarei velha e amarga.

*** Vinte minutos depois, eu estava de volta ao carro com Enzo indo para casa.

Assim que ele estacionou em frente ao portão da propriedade, avistei um homem parado do outro lado da rua e levei um susto. Era Frank.

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