A Terceira Sala

  A terceira sala... chamada assim, obviamente, por ser a terceira das três grandes salas que se situam dentro da grande masmorra de Kentros, localizada no subterrâneo da grande cidade. Das três salas, essa era a maior entre elas, tendo quase mil metros quadrados de área total. Móveis não haviam no local, e apenas seis pilastras de sustentação moldavam a decoração da sala. As paredes, todas esculpidas em pedra bege, pareciam brilhar com a iluminação do local, que também refletia nos pisos brancos no chão. Cinco metros de altura, era a altura máxima do teto, também da cor branca.

  Diaz olhava para aquele ambiente, surpreso e encantado com a beleza que aquelas duas cores proporcionavam, mas, o que mais lhe intrigava, era o fato de não enxergar nenhum cristal de luz, e mesmo assim, existir uma iluminação forte e confortável.

  _ Bem... Você está preparado, Diaz? – Júpiter deu um tapa nas costas dele, indicando que mesmo se a resposta fosse negativa, não havia mais forma de voltar a partir dali. – Nós só temos que chegar até o outro lado da sala, e, assim como entramos, vamos sair de uma forma “mágica”!

  Ela começou a caminhar em direção ao outro lado, seguindo pelo meio das pilastras que formam um longo corredor aberto. Diaz começou a acompanhá-la, mas, ao quinto passo dado, sentiu um toque leve em seu ombro. Assustado, ele pensou em se virar, mas, felizmente, a mão pesada de Fenrir impediu o movimento de sua cabeça.

  _ Ela só se esqueceu de dizer uma coisa, Diaz. – a voz dele era séria, e, por algum motivo, também parecia um sussurro lento, dito por alguém que tentava se esconder de algo – Aqueles que não possuem autorização para passar por aqui, não podem escolher voltar atrás, então eu recomendo para você que, em hipótese alguma, não olhe para trás!

  A advertência atiçou a curiosidade de Diaz, o fazendo imaginar o que aconteceria se desobedecesse e se virasse para trás, mas, felizmente, o medo que também foi provocado pelo aviso, impediu que colocasse sua própria vida em risco.

  Diaz voltou a andar, agora acompanhado por Fenrir, que se matinha ao seu  lado e não tirava os olhos deles.

  _ Não... Foi.. Dessa... vez...

  Uma voz seca e sem emoção surgiu na cabeça de Diaz, como se alguém tivesse dito algo no fundo da sala, e o som das palavras fazia uma breve pausa entre uma e outra.

  _ Você ouviu isso? – ele perguntou assustado a Fenrir, evitando mexer sua cabeça para o lado.

  _ Não! – a resposta fez Diaz ter um arrepio, e a continuação, o fez ter outro – Mas, infelizmente, você não está louco!

  _ Como assim?

  _ A voz que você ouviu, parecia apenas um leve vento certo? – a expressão de Fenrir não se alterou, mantendo se sério o tempo todo.

  _ Sim...

  _ Essa é uma das vozes dos atáphois que morreram nesse local, por conta de motivos diversos.

 (Atáphoi: sem túmulo; referência as pessoas que morriam na Grécia Antiga, e por não ter um ‘enterro’ decente, retornavam para o mundo dos vivos, cobrando o que mereciam por direito.)

  _ Todos eles morreram por que não podiam passar por aqui? 

  _ Alguns... Mas você é capaz de imaginar, né? No começo, não existiam essas almas presas aqui, então como isso começou de verdade?

  _ Execuções?

  _ Isso. E a maioria dos executados, nem mesmo eram os verdadeiros culpados pelos crimes que eram acusados.

  _ Então, eles começaram a voltar dos mortos?

  _ Basicamente isso. E, talvez por instinto, começaram a cobrar todos aqueles que não deveriam está aqui, já que, provavelmente, quem os matou não fazia parte dos guardas desse calabouço.

  _ Mas, se eles foram executados aqui, então quem mais poderia fazê-lo?

  _ Existe um fato que é apenas conhecido entre a elite de Drum. Cada família ou clã, pode “comprar” um carrasco pessoal, para realizar execuções secretas ou proibidas.

  _ Sinceramente, por que essas pessoas têm tantos privilégios?

  _ ?

  _ Qualquer um que tenha ouro, pode fazer o que quiser! Enquanto nós, que lutamos para conseguir uma moeda de prata por dia, sofremos com os limites que nos impede de viver tranquilos! – a voz de Diaz soava séria, e, junto de uma feição seca, seus olhos emitiam um brilho de raiva.

  _ Não precisa falar comigo dessa forma, Diaz, ou você esqueceu que a gente cresceu junto?

  _ Eu não me esqueci, mas, mesmo que não tivesse outra escolha, você conseguiu aproveitar um pouco desses benefícios!

  _ Deixa eu ver se eu entendi, o problema todo nisso tudo, é você não ter dinheiro?

  _ Não. – Diaz parou de andar, e virou o rosto apenas o suficiente para olhar nos olhos de Fenrir.

  _ Eu pensei que você realmente se importava com as outras pessoas, Diaz. Eu jurei que você era diferentes do adultos que nos criaram, mas, infelizmente, você não se difere em nada deles!

  _ Eu estou tentando te explicar, Fenrir, que eu não...

  _ Você me chamou, Diaz?

  A voz de Fenrir, surgiu de trás dele, e junto de um forte arrepio, veio o terrível entendimento da situação. Em sua frente, aquele que ele pensava ser o Fenrir, logo começou a desaparecer com um sorriso sinistro em seu rosto, e uma fumaça humanoide se formou no lugar.

  _ Merda! JÚPITER, AQUELE IDIOTA CAIU NA ARMADILHA DELES! – Fenrir gritou para Júpiter, que, sem questionar nada, voltou correndo para ajudá-lo, mas, infelizmente, ambos não conseguiram se aproximar dele, já que uma parede invisível impedia o movimento deles.

  _ Aquele idiota! Como isso foi acontecer?

  _ Eu não sei! Ele estava do meu lado e, do nada, ele parou! Quando eu olhei para trás, ele estava encarando aquela névoa!

  _ Merda! Esse garoto vai me dar muitos problemas!

 Diaz podia ouvir a voz dos dois, mas não conseguia entender o que diziam.

  Aquela forma estranha o encarava de forma fixa, e, inconsciente, ele fazia o mesmo.

  _ Finalmente... Depois... De... Muito... Tempo... Conseguimos... Mais... Um... – aquela mesma voz de antes, seca e sussurrante, surgiu novamente na cabeça de Diaz, o fazendo perceber que aquela coisa falava sem possuir uma boca.

  _ Quem é você?

  _ NÃO CONVERSE COM ELE, DIAZ! – Júpiter gritou para que ele ouvisse, e, novamente, ele não pôde entendê-la.

  _ A... Pergunta... Certa... Não... É... Essa...

  _ E qual seria? – Ele tremia ao ouvir aquela voz, e percebeu que a sua própria estava se enfraquecendo a media que ele falava.

  _ Você... Deveria... Perguntar... Se... Eu... Vou... Te... Matar...

  _ Você vai... Me... Matar?

  _ S... I... M... – a voz demorou para terminar aquela única palavra, o que fez Diaz ter outro arrepio.

  _ DIAZ! – Dessa vez, ele pôde entender seu nome, saindo da boca de Fenrir – Ele não pode tocá-lo diretamente, então cuidado com as lâminas!

  _ Lâminas? – ele não entendeu de imediato o que aquilo significava, mas, ao observar aquela figura por completo, notou uma espada em sua mão, que, naquele instante, só não perfurou seu peito por questão de milímetros.

  _ Droga... Eu... Queria... Ter... Te... Matado... Rápido... Agora... Eles... Também... Vão... Tentar...

  _ Eles?

  Logo atrás da figura, começaram a surgiu outras formas similares aquela, e, em alguns segundos, Diaz se viu diante de dezenas de outras iguais.

  _ Bem... É... Uma... Pena... Para... Você... Eles... Não... Vão... Ser... Tão... Piedosos...

  Uma das sombras se dirigiu rapidamente na direção dele, empunhando uma adaga pequena, e tentou rasgar a garganta de Diaz, que dessa vez, se esquivou com muita dificuldade.

  _ Droga... Eu... Também... Errei... Mas... Pelo... Menos... Agora... Eu... Tenho... Sangue...

  A adaga havia feito um corte superficial em seu pescoço, sendo o suficiente apenas para que algumas gotas de sangue sujassem a lâmina. Aquela figura também não possuía uma boca, mas, de seu rosto fumacento, uma longa língua surgiu, lambendo o sangue na adaga,

  Assim que provou daquele sangue fresco, a figura se tornou um pouco mais sólida, e se tornou um pouco mais humana.

  _ Isso sim... É muito... Bom... Eu quero... Mais!

  A sombra avançou novamente, e, dessa vez, acertou um soco em seu rosto, o derrubando no mesmo instante.

  _ Ei! Você não disse que ele não podia me tocar? – Diaz estava assustado, e encarou Fenrir, como se ele tivesse o acertado.

  _ Eu tentei te avisar, mas você não escutou! Se eles beberem seu sangue, o corpo deles se torna humano por algum tempo! E...

  A voz de Fenrir sumiu, e mesmo que ele ainda mexesse seus lábios, Diaz não podia mais ouvi-lo.

  _ Seus... Amigos... Não... Vão... Mais... Te... Ajudar... – a primeira tornou a falar, e assim como um líder faria, deu sinais para que outras se aproximassem e cercassem o alvo – Dessa... Vez... Você... Morre...

  Cerca de oito figuras o cercava, e, com um breve sinal da outra, todas avançaram em cima dele. Dessa vez, Diaz não podia fazer nada, então ele só pôde observar aqueles seres avançando para cima dele, estando cada um deles com uma adaga em uma das mãos fumacentas. Dessa vez, ele estava morto, ou foi o que pensou, já que em um instante, todas aquelas figuras sumiram, ao serem perfuradas por uma das facas de Júpiter.

  Diaz olhou para ela, e, novamente, não entendeu o que dizia, mas, mesmo assim, fez um gesto de agradecimento.

  Outras figuras se aproximaram rapidamente, mas, dessa vez, ele não deixou ser cercado e correu, enquanto aquela adaga flutuante, fazia com que algumas desaparecessem no ar.

  _ Júpiter... Você... Sempre... Me... Atrapalha...

  Ela notou que a figura principal a encarava, e sorriu, de forma ameaçadora para aquele ser.

  _ Acho... Que... Eu... Vou... Ter... Que... Me... Livrar... De... Você...

  Uma lança surgiu dentre as figuras que ainda estavam ao redor daquela, e foi arremessada na direção da aster. Júpiter estava concentrada demais na adaga que protegia Diaz, então nem se mexeu para desviar. Felizmente, Fenrir fez o seu papel de guarda, e segurou a lança pelo cabo, antes que essa atravessasse a cabeça de Júpiter.

  _ Droga... Vocês... São... Tão... Chatos...

  A figura levantou uma das mão para cima, e agarrou o ar, mais precisamente, uma névoa que se formou acima dela. Naquele momento, centenas de figuras surgiram flutuando no ar, se aglomerando uma a outra, formando uma grande e densa fumaça negra.

  _ Já... Que... Não... Posso... Matar... Você... Vou... Apenas... Te... Isolar...

  A mão, que estava para cima, desceu em um movimento similar ao de fechar uma cortina, fazendo com que aquela fumaça formasse uma longa parede entre eles, impedindo a visão de um lado para o outro.

  _ Agora... Eu... Posso... Continuar... Em... Paz...

  No momento em que a cortina se tornou completa, deixando a visibilidade igual a zero, a faca que dançava pelo ar também caiu inerte no chão.

  _ Merda! – o barulho do aço batendo no piso, fez com que Diaz olhasse para trás e notasse a nova desvantagem que conseguira.

  _ Ei, garoto... Parece que... Você está... Sozinho! – a figura de corpo sólido, se aproximou novamente e, por alguns segundos, apenas observou Diaz tentando se esquivar das outras figuras que o cercavam – É uma... Pena para... Você, mas... Nós somos... Uma Legião! – a figura ergueu seu braço e mais dezenas de similares apareceram atrás dela, dando um tom mais ameaçador a sua frase.

  Legião. Diaz já havia escutado aquela palavra, e sentiu que aquilo representava a sua salvação. Infelizmente, as figuras não lhe davam o tempo necessário para que lembrasse da resposta que necessitava.

  Diaz estava condenado a morrer retalhado por aquelas lâminas curtas que brilhavam ameaçadoramente em busca de sua pele e sangue. Uma coisa o chamava atenção desde o início: nenhuma figura se movia sozinha, com exceção da que possuía um corpo físico.

  Enquanto sua mente se esforçava para encontrar uma saída, seu corpo também “lutava” para evitar todos aqueles ataques que sempre chegavam em incríveis combos de lâminas. Para o azar dele, bastou apenas um segundo de desatenção para que uma daquelas figuras conseguisse acertá-lo, cortando alguns centímetros de pele de seu antebraço, deixando a carne viva exposta e escorrendo sangue através dela.

  A figura que o acertou, repetiu o ato da outra e, bebendo de seu sangue fresco, também conseguiu um corpo sólido.

  _ Parece que... Você não... Tem muitas... Opções, né?

  Diaz teve alguns segundos de descanso, já que as figuras que o atacavam, pararam para admirar a que acabara de receber um “corpo”. Nesses segundos de angústia, que precediam um desastre, sua memória foi capaz de mostrar a lembrança que tanto ansiava,

  Em uma das aulas no orfanato Star, ele recebera uma orientação muito “estranha”.

  Na aula sobre estudos de monstros, Diaz foi instruído sobre alguns monstros que viviam na floresta de Mávros ao redor de Típhia, sendo obrigado a decorar algumas informações básicas sobre eles, tal como nomes, categoria e dieta. Apesar de tudo aquilo não passar de uma breve introdução, ele se interessou rapidamente pelo assunto, e, logo conseguiu a admiração da professora, tanto que um dia, após implorar várias vezes sobre uma informação nova, ela decidiu contar para ele sobre uma espécie especial de Vódi.

(Vódi: boi)

  O Vódi vermelho, também conhecido por sua pequena estatura, chegando mal a medir um metro de altura, possui chifres proporcionais ao seu tamanho e os usa para se defender de seus predadores que, infelizmente, existiam em excesso. Para compensar a sua ‘enorme’ desvantagem, esses vódis sempre andam em bandos, com centenas de indivíduos. Esse agrupamento era bastante organizado e eficaz, devido ao fator de existir uma hierarquia rígida, na qual um líder passava as instruções necessárias e os ‘secundários’ repassavam para os demais e assim por diante. As pessoas que eram encarregadas de plantações e fazendas no entorno da cidade, alertavam uns aos outros sobre uma legião que devastava tudo o que via pela frente durante sua corrida entre regiões.

  Talvez a adrenalina que, se espalhava por seu corpo como reação ao ferimento, tenha acelerado mais um pouco o seu raciocínio, já que Diaz assimilou a sua lembrança e notou as semelhanças quase de imediato.

  Aproveitando o êxtase em que se encontrava e a paz que possuía, ele raciocinou mais um pouco e chegou à conclusão de que o líder daquelas figuras, seria a que possuía a espada e que, também havia sido a primeira a se manifestar.

  Ele estava sendo ingênuo ao pensar que aquela era solução de seus problemas e, mesmo assim, após se preparar um pouco, avançou em direção ao seu alvo, ignorando as outras figuras que também pareciam ignorá-lo.

  Ele avançou fácil por entre as dezenas de figuras que estavam no caminho, e apenas quando estava diante do líder que percebeu o que havia de errado.

  _ Como eu caí nesse truque? – Diaz riu, mas, seu pensamento refletia o contrário de seu rosto.

  _ Bem... Eu... Só... Posso... Agradecer...

  Diaz estava no centro de tudo, literalmente. Com um estalar de dedos do líder, todas as figuras rodearam os dois, formando um enorme círculo em volta deles.

  _ Por... Alguns... Segundos... Eu... Até... Fiquei... Com... Medo...

  _ Cala a boca! – Diaz estava irritado com sua falta atenção.

  _ Eu... Achei... Legal... Sua... Coragem... Então... Decidi... Te... Dar... Mais... Uma... Chance... De... Viver... Mais... Alguns... Segundos...

  Uma espada voou por entre a multidão assustadora e caiu diante dos pés de Diaz que, sem demora, a pegou, segurando seu cabo com as duas mãos e apontando a lâmina para o líder daquelas figuras.

  Diaz não possuía um amplo conhecimento sobre espadas, mas sabia que a sua era mais simples que o esperado. O cabo era negro e liso, contendo nenhum detalhe que ajudasse pegada e, sua guarda, reta. Sua lâmina, quase cega, parecia está prestes a se partir em vários pedaços. Novamente, ele se encontrava em um estado de completa desvantagem.

  _ Me... Entretenha... Um... Pouco...

  Apesar de sua voz lenta e fraca, aquela figura se mostrou dona de uma força espantosa. Não foi necessário montar uma guarda para atacar, já que ao levantar o seu braço com a espada, aquela figura foi capaz de desferir diversos golpes com uma velocidade e precisão assustador, forçando Diaz a defender da maneira que fosse possível.

  A cada ataque desferido, o impacto das lâminas fazia um barulho ensurdecedor ressoar pela sala, causando em Diaz uma surdez momentânea. A força de cada golpe da figura era tanta, que em alguns momentos, faíscas podiam ser vistas voando pelo ar, após serem defendidos pelo garoto.

  _ Até... Que... Foi... Um... Pouco... Divertido... Mas... Chegou... A... Hora... De... Dar... Um... Fim... Em... Você...

  A espada que a figura empunhava, foi erguida o mais alto possível e, para Diaz, o tempo pareceu parar enquanto o brilho da lâmina prata incomodava seus olhos. Na mente dele, uma cena se passou rapidamente... Um sorriso que ele não via já faziam anos. “Se eu sobreviver a isso, acho que vou procurá-la!”. Ele jurou para si mentalmente, que a sua vida seria diferente dali para frente, mas, como todos aqueles que ficam cara a cara com a dona Morte, ele também viu sua vida passando rapidamente quando aquela espada desceu em sua direção.

  A figura finalmente usou sua força verdadeira, fato que ficou claro para Diaz no instante em que as lâminas se chocaram e, em um estalo brilhante, apenas a que ele segurava se partiu ao meio, jogando estilhaços para todos os lados.

  A figura tornou a erguer a espada, mas, o tempo não parou para Diaz dessa vez. Quando chegou ao ponto mais alto, a espada desceu novamente, com a mesma força e velocidade anterior. Diaz mal pode reagir, e deu um passo para trás, que, infelizmente, apenas adiantou sua morte e aumentou sua dor, já que, mesmo com seu movimento, a lâmina prateada o acertou, rasgando o seu peito e atravessando costelas que se quebraram no mesmo instante em estalos graduais.

  Diaz caiu de joelho, com as mãos em seu peito molhado, enquanto seus olhos desesperados encaravam o chão ao seu redor, que se tornou uma poça de sangue rapidamente.

  _ Do... Que... Adianta... Lutar... Se... Isso... Apenas... Irá... Aumentar... O... Seu... Sofrimento...

  A figura apontou a espada para o pescoço de Diaz, deixando a ponta da lâmina fria encostar na pele do garoto. Um arrepio percorreu o corpo de Diaz quando sentiu aquele frio repentino em sua nuca, e percebeu sua tolice em tentar resistir contra aquilo tudo.

  “Por que eu estou fazendo isso mesmo?”

  “Eu pensei que poderia ver aquele sorriso mais uma vez, mas, novamente, eu acabei sonhando com algo que está muito distante de mim.”

  “Talvez, se eu tivesse obedecido aquelas pessoas, mesmo que elas fossem apenas servos irracionais, eu não estaria nessa situação ridícula!”

  “De qualquer forma, agora já é tarde demais para me arrepender de minhas escolhas passadas! Infelizmente, o passado é algo imutável, e isso o torna muito assustador!”

  Enquanto sua mente fazia o garoto se perder em seus últimos pensamentos, a figura repetiu os movimentos anteriores e, como ato de pena, desferiu o golpe com mais força do que antes, na intenção de arrancar a cabeça de Diaz na primeira tentativa.

  Thanatos... Eu ouvi seu chamado de muito longe e, finalmente, cheguei até aqui! Tem certeza que desistir, é a sua única opção?

  Uma voz bastante familiar, ecoou pelo emaranhado de pensamentos, e fez com que Diaz reagisse sem perceber, e mesmo com o corpo naquele estado deplorável, evitasse a sua morte novamente, rolando no chão para o lado.

  _ Pensei... Ter... Dito... Que... Era... Ridículo... Lutar... Apenas... Para... Sofrer... Mais...

  A figura se irritou com a insistência do garoto, e repetiu o golpe novamente.

  “Por que eu deveria lutar?”. Sem nem mesmo perceber, Diaz respondeu aquela voz em seu pensamento.

  Lute porque você ainda pode. Lute porque seu coração ainda bate esperançoso!

  “Meu coração tolo, ainda bate porque ele se move de maneira irracional, pois do contrário, também já teria parado de lutar!”

  Seus objetivos ainda existem? Os seus sonhos já foram esquecidos? Se existe um motivo, por que então não lutar por ele?

  “Eu já estou morto, e isso é algo que não pode ser simplesmente esquecido!”

  Se alguém pode alterar essa realidade, apenas você seria capaz!

  “Isso é impossível!”

 Então você realmente desistiu?

  “Sim!”

  Tudo bem então... Eu sei que você não diz a verdade, então, eu te prometo Thanatos, que você não vai morrer aqui!

  A espada da figura desceu novamente, e com um assobio que mostrava a velocidade e força contida nela, cortou o ar de cima para baixo, até chegar no pescoço de Diaz.

  Um suspiro foi a última ação consciente de Diaz, que nem se moveu do lugar enquanto a lâmina o buscava.

  Eu prometo...

  No momento em que a lâmina chegou na pele dele, e o frio da lâmina pôde ser sentido por Diaz, uma nevoa, semelhante a fumaça que forma aquelas figuras, interrompeu o movimento da espada, formando uma fina camada cinza ao redor dele que era resistente o bastante para segurar a força que aquele golpe possuía.

  _ O... Que... Você... Fez....

  _ NADA! – a voz que saiu da boca de Diaz, era diferente da que estava acostumado a escutar, e ele sentiu como se uma outra pessoa falasse junto dele.

  _ Você... O... Que... Você... É... – Um pouco assustada, a figura deu um novo golpe, mas o resultado acabou sendo o mesmo.

  _ Eu que deveria te perguntar isso! – Como se outra pessoa controlasse seus movimentos, Diaz começou a se erguer, sendo forçado a ignorar a dor do ferimento em seu corpo – Quem é você, para tentar matá-lo?

  _ Mas... Que... Merda... É... Você... ­– desesperada, a figura tentou acertar o garoto com um movimento horizontal da espada, tentando cortar novamente seu pescoço – Seus... Olhos... Estão...

  O movimento da espada foi interrompido por Diaz, que dessa vez, segurou a lâmina com a mão envolvida por uma luva nevoenta. Ele encarava a figura fixamente, mas mesmo assim, pôde perceber o movimento de outras ao fundo, que pareciam preparar algum tipo de ataque.

  _ Diga para seus ‘aliados’, que basta apenas um movimento, para que você deixe de existir!

  Relutante, a figura obedeceu e, sem que nenhuma palavra fosse dita, todas as outras se aquietaram no local em que estavam.

  _ Bem que dizem, que até mesmo os mortos implorariam por suas vidas, se eles tivessem uma, é claro. Mas eu tenho uma dúvida, será que os mortos sentem dor?

  Tomado por um impulso incontrolável, Diaz segurou um dos braços da figura, o que só foi capaz de fazer, graças a nevoa que o envolvia, e o arrancou com uma facilidade assustadora. Para sua surpresa, o braço da figura foi absorvido pela nevoa em sua mão.

  A figura, ao ter seu membro arrancado, emitiu um grunhido de dor e começou a se debater, tentando soltar a espada da mão de Diaz.

  _ Ué, pensei que era inútil lutar?! – enquanto uma mão mantinha a espada presa, a outra segurou a figura pelo pescoço, e, aumentando a força gradualmente – Foi você quem disse, né? Que lutar apenas para continuar sofrendo era inútil? Então por que você continua lutando? Por quê?

  A figura se debatia usando de toda sua força, mas nem mesmo assim conseguiu fazer com que fosse solta, aquele esforço apenas fazia com que Diaz apenas aumentasse o aperto de sua mão.

  _ Quem... É... Você...

  _ Digamos que sou aquele que caçou os maiores monstros do passado e, sem dificuldade alguma, os matei sem piedade!

  _ Mas... Esse... Garoto...

  _ Esse garoto é diferente de mim, mas, mesmo assim, ele capaz de usar minha força, não é incrível?

  _ Quem... É... Você...

  _ Você quer mesmo me irritar, né? Eu já te disse, e pretendo repetir só mais essa vez, eu sou apenas um caçador, e, para seu azar, você se tornou uma de minhas presas.

  Diaz apertou o pescoço da figura com toda a força que transbordava por seu corpo, e pode ouvir um estalo baixo como se algum osso se quebrasse. O corpo da figura finalmente parou de se mexer, o que mostrava o fim de suas energias. À medida que Diaz relaxava sua mão, a fumaça que formava o corpo da figura, começou a ser absorvida, assim como seu braço havia sido.

  _ E vocês que sobraram... O que irão fazer sem um líder? – Diaz empunhou a espada, que antes segurava pela lâmina, e a apontou para aquelas figuras que o observavam atentamente. – Eu tive uma ideia! Que tal vocês servirem a mim, como servos leais? Ou, se for melhor para vocês, apenas morram por minhas mãos!

  Como se uma bateria tivesse se esgotado, Diaz retomou o controle de seu corpo e, assim como havia surgido, a nevoa que o cercava desapareceu de repente, o deixando totalmente exausto, sendo necessário se apoiar na espada para que não desabasse no chão.

  Novamente, ele se viu sem forças para lutar e cercado por seus inimigos fumacentos, mas, mesmo em desvantagem, sua mente estava alegre, já que Diaz acreditava que ao derrotar o líder, tudo aquilo acabaria. Ele olhou para trás, buscando pelo rosto de Fenrir ou Júpiter, mas, infelizmente, aquela parede de fumaça continuava no caminho, densa e imóvel.

  _ Mas... Eu pensei que isso ia dar certo... – Diaz novamente se desesperou, e sentiu como se um peso fosse colocado por sobre suas costas.

  _ Parabéns! Eu realmente não imaginei que você pudesse derrotá-lo! – palmas acompanhavam aquela voz, e ao buscar de onde vinha, Diaz percebeu que elas vinham da primeira figura a conseguir um corpo sólido – Você não sabe, mas, aquela alma pertencia a um guarda de alto nível que, infelizmente, foi morto aqui dentro quando tentou salvar um amigo, que se encontrava na mesma situação que você está agora.

  _ Mas... Como assim? Eu pensei que ele era o líder!

  _ Você pensou isso só por que ele era capaz de comandar alguns soldados? Patético! Esse erro vai te custar muito caro. Mas, infelizmente, não poderei cobrá-lo hoje, afinal, acabou meu tempo! Até a próxima, Diaz... E, caçador, tome cuidado para não se confundir novamente...

  Aquela figura, que emanava uma aura ameaçadora, sumiu como se um vento a tivesse soprado para longe, e, em seguida, todas as outras desapareceram da mesma forma, seguindo seu verdadeiro líder.

  _ DIAZ! – assim que a parede de fumaça sumiu, Fenrir correu em direção a Diaz, que apenas encarava o nada – Você está bem? Que sangue todo é esse?

  _ Fenrir? – Diaz estava surpreso ao ver aqueles dois se aproximando, mas, estava sem forças para sequer se levantar.

  _ Seu idiota! Tenta tomar mais cuidado, porque não é só você que corre algum risco aqui! – Júpiter tentou um dar um sermão nele, mas, sua voz entregava um alívio genuíno.

  _ Desculpa, eu sei...

  _ Se apoia em mim, e, depois que nós sairmos daqui você explica tudo. – Fenrir o ajudou a se levantar, e com os braços dele envolta de seu ombro, o carregou em direção a saída daquele lugar.

  _ O que realmente eram aquelas coisas?

  _ Como eu te expliquei, eram mortos que voltaram a vida, mas sem um corpo real.

  _ Eu teria me tornado um deles se eu tivesse morrido?

  _ Sim. Aqueles seres são quase impossíveis de derrotar, já que a existência deles é infinita aqui dentro, por isso, eu estou surpreso de você sobreviver por cinco minutos.

  _ Cinco minutos?

  _ Sim. Quando foi descoberta a existência desses seres, a resposta imediata foi o extermínio, mas, o rei da época viu uma ótima oportunidade neles, por isso, depois de muitas tentativas, ele firmou um acordo com eles, de que poderiam matar qualquer um que entrasse aqui, tempo um prazo de tempo como limite para isso.

  _ Entendi... Então foi realmente muita sorte minha, eu ter sobrevivido esse tempo todo!

  _ E ainda conseguiu sair sem nenhum ferimento sério.

  _ Como assim? Eu quase fui cortado ao meio e... – Diaz se calou, ao ver que o ferimento em seu peito havia se curado sozinho, e não havia deixado nenhuma cicatriz. – Isso não faz sentido!

  _ O quê?

  _ Nada não, eu apenas pensei alto. – Como não sabia o que havia acontecido, Diaz decidiu evitar aquele assunto.

  _ OK. Eu só tenho uma dúvida, como você rasgou o uniforme que dei, e por que ele está sujo de sangue?

  _ Se eu te disser que esse sangue é meu, você vai acreditar?

  _ Não.

  _ Então eu também não sei de quem é.

  Diaz estava sentindo sua cabeça leve, como se estivesse preste a desmaiar, e Fenrir pareceu perceber o mesmo, já que diminuiu a velocidade de seus passos.

  _ Você quer me perguntar alguma coisa Diaz?

  _ Sim... Como essa sala é tão iluminada, mesmo sem ter nada, nem mesmo uma tocha?

  _ É sério isso? – Fenrir soltou uma leve risada e, assim que passou pela porta que marcava o fim da sala, se abaixou para que Diaz pudesse se sentar no chão do corredor – Depois de tudo que você viu até agora, essa é a sua única dúvida.

  _ Que eu consigo me lembrar, sim.

  _ Depois desses anos todos, eu tinha me esquecido o quão lerdo você fica quando está cansado.

  _ Eu não estou... – os olhos dele vacilaram por um momento, como se lutassem contra um enorme sono.

  _ É melhor você descansar um pouco, porque ainda tem mais duas salas para atravessarmos, antes do verdadeiro desafio começar!

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