Durante o tempo que ficou dentro da carruagem, Diaz permaneceu calado, tomando cuidado apenas para responder algumas das perguntas feitas pelos guardas e o aster. Ele estava sendo levado para a capital do reino de Drum, aonde uma escura e suja cela o aguardava no fundo de um calabouço sombrio. Kentros, a capital de Drum e moradia de diversos clãs influentes, inclusive o rei e a rainha, sendo a maior cidade de todo o território, contava com o maior e mais seguro conjunto de calabouços e prisões, com uma taxa de fuga chegando bem próxima do zero. Kentros também se destaca com seus imponentes e longínquos bairros nobres, estritamente decorados com madeira lua* e carvão de lava*, de todos os mais variados tamanhos, formas e cores.
(A madeira lua é apenas encontrada no tronco das árvores que crescem no topo do Monte Star, durante uma certa época do ano em que durante a noite, a lua nunca é coberta por nuvens ou outro obstáculos. A madeira lua é principalmente desejada por causa de sua cor natural, que varia de tons de pratas até um cinza brilhante. O carvão de lava, é um diamante especial, que surge apenas após erupções, no local atingido pela lava. Em Drum, apenas cinco vulcões são ativos, o que torna o preço do carvão de lava ainda mais alto do que seu valor original.)
_ Estamos quase chegando ao destino, espero que você goste do seu novo quarto! – Vênus olhava atentamente para o campo de pastagem pelo qual passavam, e a medida que as estruturas da cidade iam se aproximando, começou a relaxar, tentando iniciar uma conversa normal. – Se bem que não tem como ser pior que a antiga, certo?
Diaz não respondeu e apenas virou seu rosto, observando os guardas que vigiavam o portão principal da cidade, no qual haviam parado para que a carruagem fosse inspecionada.
_ Além de um Enkli, você também é mal educado! – um dos guardas que acompanhavam do lado de dentro, uma mulher alta de cabelos negros e pele escura, mantinha o olhar fixo em Diaz desde a saída do porto, estando preparada para atravessar sua traqueia com a espada que descansava embainhada em seu colo, caso fosse necessário.
Em Drum, pessoas condenadas por crimes de alto nível, eram chamadas de enkli, nome retirado da língua antiga druminiana, que vem do termo “asynchórito énklima”, ou traduzindo, crime imperdoável.
_ Parece que ele também vai te ignorar, Persy! – o outro guarda, que mais parecia uma criança por causa de sua baixa altura, ria levemente, da situação.
_ Já disse para não me chamar assim, Dion! – mantendo um tom de ameaça em sua voz, ela segurou a sua espada pelo cabo, e fixou seu olhar negro nos olhos castanhos do garoto – Você lembra o que aconteceu da última vez, certo?
_ Como esquecer, Persy? – usando a mão esquerda, Dion separou uma parte da franja de longo cabelo ruivo, deixando a parte central da testa aparente, aonde uma pequena cicatriz costurada se escondia – Você tentou mesmo me matar aquele dia!
_ Mesmo assim você ainda continua me provocando! Você não sente medo? – ela começou a sacar a sua espada, fazendo um pequeno brilho aparecer na lâmina exposta.
_ Medo? Por que eu deveria sentir isso, Persy? – o garoto colocou a mão em suas costas, por dentro do casaco do uniforme, e tirou de uma bainha escondida, uma adaga curva de lâmina e cabo negro e apontou para a garota, mantendo um sorriso infantil em seu rosto.
_ Você dois, calados! Eu lembro de explicar o que ia acontecer na próxima vez que vocês lutassem, certo? – Vênus não olhou para eles enquanto os repreendia, e sua voz foi mais que suficiente para fazer com que ambos se aquietassem, e ficassem sentados em seus lugares.
_ Me perdoe, Senhor Vênus! Eu acabei me irritando com ele novamente! – a garota voltou a vigiar Diaz, que apenas desviou o olhar novamente, disfarçando um pequeno riso que surgiu no canto de sua boca.
_ E também, senhor, teria acabado tão rápido que nem seria uma luta de verdade! – o garoto disse, mas acabou se calando irritado, ao ver que havia sido ignorado também.
_ Sinceramente, eu não me importo se vocês se matarem, o único problema seria explicar isso para os “superiores”! – a última palavra soou como algo desagradável na voz de Vênus – E Perséphone, a gente já conversou sobre isso, certo? É comum as pessoas chamarem os outros por apelidos, então já chega dessa briga ridícula! – o rosto dele se virou, deixando que seus olhos azuis brilhantes olhassem no fundo dos olhos negros dela, e em seguida, encarando seriamente Dion – E, Dion, se você manter essa conduta infantil, eu me verei obrigado a te lembrar o porquê de me nomearam como aster!
Dion não ousou falar nada, apenas assentiu com a cabeça, mostrando que a intimidação funcionou com ele. Diaz, que também pode sentir a seriedade nas palavras de Vênus, se sentiu arrepiado, e na tentativa de não chamar atenção, continuou observando as casas e construções do interior da cidade.
_ Diaz, sei que a gente começou com o pé esquerdo, então vou ser sincero, depois do seu julgamento, na melhor das hipóteses, você vai ser mantido como nosso prisioneiro até o dia de sua morte, então, para o bem ou para o mal, acho que deveríamos todos nos entendermos! – Vênus deu uma olhada para os outros dois, que apenas concordaram com um movimento de cabeça.
_ Do jeito que você fala, parece até que eu matei alguém! – Diaz não conseguia aceitar a ideia de receber uma benção proibida, sendo que a única coisa que fazia todo santo dia, era cortar pzaris.
_ Sei que ainda não existem provas concretas, mas como eu já te disse, se essa marca na sua mão, não for uma tatuagem feita por você, então você não vai ter como provar sua inocência!
Apesar de desejar o contrário, Diaz sabia bem que Vênus estava certo, não importava o que ele pudesse falar, enquanto aquelas marcas negras estivessem em sua mão, a sua sentença já era certa.
_ Então, Vênus, você acha que fazer “amigos” aqui seria bom para mim?! – ele, literalmente, fez o sinal de aspas enquanto falava, mesmo estando com as mãos amarradas.
_ Não diria que seria algo bom de verdade, mas ter alguém com quem conversar, deixaria o seu sofrimento mais suportável!
Diaz suspirou. Por mais que estivesse um pouco preparado para ficar uma eternidade preso solitário, em uma cela escura, ele também sabia que sentiria falta das conversas com Nick durante o dia.
_ Tá bom. Então, quem seria você Vênus? – ele tentou ser educado, mas as palavras não saíram como ele pensou.
_ Me surpreende de verdade, você não saber! – Vênus estava incrédulo, mas, não perdeu tempo com perguntas e se apresentou, com o punho direito cerrado por sobre o coração, comprimento tradicional entre as pessoas de alto escalão – Eu sou Vênus, o aster que representa Típhia! Gostaria de te dizer meu verdadeiro nome mas, infelizmente, isso é confidencial.
_ Eu sou Dion Fricks, guarda oficial de Típhia e segundo subordinado do aster Vênus! – seguindo seu superior, ele se apresentou, usando do mesmo comprimento.
_ Sua vez, Perséphone. – Vênus teve que ordenar para ela, pois percebeu que a mesma não o faria.
_ Meu nome é Perséphone Lilians, guarda oficial de Típhia e terceira subordinada do aster Vênus. – ao contrário dos outros, ela não fez o gesto com a mão, apenas se apresentando normalmente.
_ Lilians? – Diaz parecia surpreso ao ouvir aquele sobrenome.
_ Você já ouviu falar?
_ Uma garota que eu conheço, tem descendência da sua família. – apesar de nunca ter dito uma palavra sequer com ela, ele se lembrava muito bem da “garota arco-íris”.
_ Qual é o nome dela? – Perséphone perguntou, mesmo sem está interessada no assunto.
_ Brena... Brena Lilians.
_ Nunca ouvi falar sobre ninguém com o nome parecido. – a resposta dela, fez com que Diaz mordesse o interior do lábio, irritado com o fato.
_ É claro que não, já que enquanto o seu bolso estiver cheio e suas roupas chiques, novas e limpas, uma qualquer abandonada não possui importância! – ele pressionou uma mão na outra, se esforçando para não socar as portas da carruagem. – Pelo menos, você sabe o preço das coisas que você compra?
_ Eu sei muito bem quantas peças de ouro meus itens valem, e, sinceramente, eu nunca me envolvi com esse lado da família Lilians. – a voz de Perséphone soava calma e neutra.
_ Então você nem ao menos nega saber desse lado?
_ Como eu já disse, eu não faço parte desse lado da família!
_ Mesmo assim, com seu título de guarda, você poderia...
_ Eu não posso fazer nada! – ela interrompeu Diaz, e seu olhar ameaçador deixava claro sua emoção – Vou repetir mais uma vez, eu não possuo nenhum interesse no que a minha família faz ou não!
Ele queria discutir e dizer tudo o que pensava, mas aquele não era o momento adequado para tal ato, tanto que, felizmente, Vênus voltou a falar, quebrando o clima tenso.
_ Bem, todos nós já nos apresentamos, então agora é sua vez, Diaz.
_ Por que eu deveria fazê-lo? Vocês já não sabem bem quem eu sou?
_ Como eu disse, é a sua vez! – Vênus sorria educadamente, e sua voz arbitrária , fez com que ele o obedecesse sem reclamar.
_ Bem... eu sou Diaz, um cidadão sem sobrenome e...
_ Espera, você é órfão? – dessa vez, foi Dion que interrompeu – A Perséphone também é uma órfã! Agora entendi porque você não queria essa missão! – ele começou a rir, como se aquilo tudo fosse uma piada, mas acabou se calando, ao ver Perséphone abaixar sua cabeça.
_ Como assim? – agora era Diaz quem estava surpreso, e ao mesmo tempo, envergonhado por ter se precipitado a respeito dela.
_ Antes de me tornar uma guarda oficial, eu também não possuía sobrenome e, por isso, cresci em um orfanato de Típhia até minha maioridade. Somente quando consegui o primeiro emblema oficial, que eu consegui um sobrenome, me tornando guarda pessoal da família Lilians. – o olhar dela, triste mas calmo, completou a explicação, de forma mais que suficiente.
Diaz ficou sem palavras, e sua única vontade era de se desculpar, mas o clima tenso que ficou depois da frase dela, fez com que continuasse calado.
_ Agora que todos já se conhecem, eu tenho uma dúvida. – quebrando o silêncio dentro da carruagem, Vênus resolveu fazer uma “brincadeira” – Sendo ele culpado ou não, todos nós queremos saber o que a bênção dele faz, certo? – os dois subordinados concordaram juntos – Então, já que ele não nos dirá, que tal fazermos um desafio?
_ Desafio? – Diaz estava curioso com relação aquele desafio.
_ Isso! Essa é uma mania minha, para que esses dois não se matem de tédio em missões como essa! – o aster agora sorria contente, se gabando de sua atitude.
_ Apesar de que a gente já tentou matar um ao outro, por conta desse desafio! – Dion comentou baixo, com o olhar direcionado para fora da carruagem, evitando contato com Vênus.
_ Não importa o que vocês vão fazer! O que importa de verdade, é que eu declaro “oficialmente” o início do desafio do talvez! – ele fez aspas no ar enquanto falava, e fez um sotaque estranho no fim da frase.
_ Desafio do talvez? – o prisioneiro continuava confuso com aquela situação.
_ Talvez! – Vênus repetiu, usando do mesmo sotaque anterior.
_ Tal... vez? – Diaz tentou imitar, falhando de forma miserável
_ Talvez!!! – a insistência do aster, somada as imitações falhas do prisioneiro, fez com que os outros guardas começassem a rir, logo se calando, ao receberem um olhar sério do superior.
_ Bem, de qualquer forma, vamos começar? – Vênus se recompôs, e voltou a falar de forma animada – Quem quer começar?
_ Eu começo dessa vez! – Dion se prontificou, e sem hesitar, começou a falar – Talvez, a bênção dele seja capaz de coletar almas!
_ Primeiro, como que uma pessoa coletaria almas? – Perséphone indagou, não colocando muita fé no palpite dele – Como sempre, você não consegue nem pensar em algo simples!
_ Às vezes, Persy, você acaba sendo uma tark muito chata!
( Tark, vindo do idioma estoniano, significa “inteligente”, o que, no contexto da história, é usado no mesmo sentido de nerd .)
_ Isso só prova que estou certa, como de costume! – ela ajeitou uma mecha de cabelo, deixando sua frase ainda mais arrogante.
_ Ah, é? Então o que a bênção dele faz, senhorita tark? – ele continuou provocando a garota, que, dessa vez, se manteve calma.
_ Simples! Como o próprio nome já deixa claro, a bênção dele personifica a morte! E, antes que você me interrompa, Dion, eu sei muito bem que as bênçãos não são capazes de criar ou causar a morte diretamente.
_ Como assim? – Diaz estava com um olhar confuso, mas parecia gostar de como a garota falava, talvez estando apenas curioso com as características de uma benção.
_ Você não sabe mesmo, como uma benção funciona? – Perséphone revirou os olhos, irritada com a pergunta.
_ Eu sei o básico que ensinam nas escolas mais... – ele havia feito uma pausa em sua fala, procurando uma palavra boa para a descrição, apesar de não haver muitas.
_ Pobres?
_ Dion!
_ O quê? Essa é a verdade, Persy! Não adianta negar!
_ Eu sei, mas...
_ Tudo bem... – o prisioneiro agora olhava de forma pensativa para as sandálias em seus pés, que mais se pareciam lixo, perto dos sapatos dos outros três – Por conta de minha condição, não pude frequentar escolas de um nível aceitável, então, me desculpe se eu não sei muita coisa a respeito.
_ Ah... Me desculpe... – Perséphone se sentiu envergonhada por ter esquecido da condição a qual ela também já havia compartilhado – Bem... De onde eu devo começar? Você sabe o básico sobre as bênçãos, certo?
_ Sim. Existem dois tipos de bênçãos: as particulares, que apenas uma pessoa pode adquirir em todo o mundo, e as de grupo, sendo as mais comuns em exércitos por conta da vasta lista de usuários permitidos.
_ Correto! – ela sorriu, mostrando ter gostado daquela explicação – E as classes?
_ Bem... Existem várias classes diferentes, sendo elas classificadas por sua distância de alcance, duração de uso e capacidade de aprimoramento físico.
_ Tem certeza que a sua escola era tão ruim assim? – ela tentou brincar, mas se desculpou com um gesto de mão – Tem mais algum tópico que você conheça?
_ Além disso, o que eu sei, é que uma benção não é capaz de criar mágica!
_ Mágica?
_ Os professores usavam essa palavra, mas, eles queriam dizer que uma benção não cria elementos da natureza e nem os manipula.
_ Essa informação está quase certa! – Vênus finalmente resolveu falar, mantendo um tom sério e calmo – Porém, ela não está completa!
_ Como assim?
_ É uma parte que civis não possuem autoridade para saber! Uma benção não cria elementos do zero, mas algumas são capazes de reunir e modificar materiais, dessa forma, criando um novo. Alguns cientistas estrangeiros que estudam uma coisa chamada de alquimia, chamam isso de troca equivalente.
Diaz não parecia surpreso, o que fez com que o aster ficasse mais que satisfeito por não ter de responder mais perguntas sem sentido.
_ Então existe mágica?
_ Resumindo, sim.
_ Incrível! Ei, você acha que essa benção que me torna um criminoso, também é capaz de algo assim? – a voz dele era alegre, como se, por alguns segundo, ele tivesse voltado a ser apenas uma criança ingênua.
_ Nesse momento, eu preferia que seu olhar não fosse tão inocente! – Vênus suspirou bem alto e voltou a observar as casas da cidade, que a cada esquina se tornavam maiores e mais belas, o que era um sinal de sua proximidade do castelo. – De qualquer forma, já estamos quase chegando ao nosso destino, então, tanto faz.
Diaz foi pego de surpresa com aquela informação. Não havia imaginado como seria quando chegasse ao fim da viagem, e naquele momento, ele se via diante de um desespero que contrariava toda a calma que sentiu durante o trajeto.
_ Mas... Nós já estamos chegando mesmo?
_ Infelizmente, sim. Daqui alguns minutos, você vai começar a ser tratado como o prisioneiro que dizem ser, então é melhor se preparar para o pior.
O coração dele disparou de repente. A sua respiração acabou falhando e Diaz mal conseguia formular uma frase. O desespero que ele tentou reprimir desde o início, finalmente tomou conta dele, e diante daquela situação, mal consegui manter um pensamento positivo.
_ Antes de tudo, e você, Vênus? – a voz de Dion, deu a Diaz um pouco de força para não surtar – Você que começou o desafio, mas não disse o seu palpite!
_ Ah, é mesmo, me desculpe!
_ Então...
_ Tá bom, eu falo. Talvez, a bênção dele cure!
_ E você, Persy, acha mesmo que eu sou o louco aqui? – Dion riu, mesmo sabendo que poderia se dar mal por insultar um superior.
_ Bem, você quer saber porque eu acho isso? – Vênus manteve seu tom, ignorando o que Dion havia dito – Sinceramente, eu nem estou tentando pensar direito, por isso, esse é só um chute louco. Se a bênção dele personifica a morte, por que ela não pode curar? Essa seria a maior loucura que eu já vi. – quebrando o clima que ele mesmo havia criado, Vênus começou a rir, como se tivesse acabado de contar a melhor das piadas.
Mesmo que todos estivessem mais calmos, ninguém disse mais nenhuma palavra até chegarem no castelo, aonde uma dezena de guardas os esperavam, armados de lanças que brilhavam com a luz do sol do meio dia.
_ Diaz, mais alguma palavra? – foi Vênus quem fez a última pergunta ao descer da carruagem.
_ Eu queria mais tempo...
_ Não se preocupe, vai dar tudo certo! – Vênus tentou sorrir, mas a situação não aprovava o ato – Vai demorar um pouco, mas vamos nos ver de novo em breve, mesmo que seja com uma corda grossa envolta do seu pescoço!
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Atualizado até capítulo 21
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Luzia Fernandes
Interresste
2023-10-06
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