Capítulo 2

Como tudo isso aconteceu? É inacreditável pensar em sua partida. Um dia após o natal trocamos mensagens de felicitações e você me revelou que estava com grandes dores de cabeça, eu queria muito que essas dores de cabeça não tivessem um problema maior por trás... E tinha algo ainda pior do que imaginei. Não houve despedidas tristes, você nem se despediu de mim. Quando éramos crianças falávamos muito sobre a morte ou se havia uma vida após a morte, não há. Falávamos que se algum dia acontecesse algo que nos forçasse a não viver mais nesta realidade, faríamos de tudo para se comunicar e assim provar a tese de que fantasmas podem sim existir, mas...cadê você? Você não virou um fantasma para puxar meus pés a noite. Você não se tornou uma assombração que prometeu vim me assustar caso eu desse algum spoiler do seu jogo predileto. Você se tornou a minha maior saudade, entrou na minha vida arrebentando todas as muralhas de proteção ao meu redor, me abraçou e me mostrou um novo caminho e se foi me deixando destruída. Tudo isso é tão irreal. Acordar sem ter as suas mensagens, olhar as nossas fotos juntas e perceber que você não está mais aqui para tirar novas fotos como a nossa tradição ocorria.

…

Eu queria ter me despedido, queria ter tido a oportunidade de olhar em seu rosto e te dizer um último adeus. A pessoa que você odiava teve a oportunidade de estar ao seu lado, mas eu que você dizia amar soube de sua partida por uma foto em uma rede social. Faz ideia do quanto fiquei traumatizada? Acordar e abrir a rede social, me deparar com um print de sua irmã postando o quanto você faria falta e eu sem poder saber da verdade? Por todos esses dez anos me declarei, deixei meus sentimentos a mostra o tempo todo e nunca esperei mais que a nossa amizade vindo de você.

A sua partida me trouxe revelações que me fizeram querer te odiar. Foi morar com o ex namorado que te fazia de escrava de emoções e afetos, te deixava mal a ponto de você cogitar a ideia de acabar com a própria vida. Você mentiu por dois anos, dizia que seus parentes te tratavam mal e que tudo que você estava sofrendo era culpa da sua mãe. Como pode mentir tanto? Por que não falou que seu namorado te prendia em casa e tirava seu celular para que não houvesse comunicação? Como pode defender ele tanto a ponto de ter a porra de um tumor cerebral causado por estresse e tristeza? Como pode morrer mentindo sendo que se tivesse falado a verdade uma única vez eu teria te salvado naquela droga de casa... Eu queria te odiar, eu queria mesmo te odiar. Mas não dá! Não tem como te odiar. Dez anos de amizade para no final eu descobrir que nem te conhecia direito. Você já me considerou mesmo como uma irmã? Duvido disso. Se me considerasse teria me contato sobre os abusos recentes, eu te protegi no passado dele e você escolheu morrer por ele. Você nunca vai poder ler isso, mas lembro de quando ele te deu um tapa no meio da sala e eu dei um soco na cara dele, te tirei de perto dele e pedi para que nunca mais você chegasse perto daquele ser, você voltou com ele incontáveis vezes depois e no final morreu por um amor tóxico enquanto escondida tudo de mim. Você colocou a culpa na sua mãe! Droga... Eu odeio não conseguir te odiar. Se eu pudesse te odiar eu não estaria me sufocando com as próprias lágrimas enquanto escrevo isso, eu não estaria com uma dor insuportável no coração. Não dá para apagar sua existência de dentro de mim, pois diferente de você eu te considerei até o seu último sopro de vida.

Não venha puxar meu pé a noite, já estou sofrendo demais com a sua partida e não quero ter que sofrer ao te ver de novo.

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