capítulo 12 Ao seu lado

Eles estavam rindo a cerca de uma hora seguida! Como era possível ficar paparicando uma criança por uma hora todinha? Mas mesmo assim ele me trouxe o que lhe pedi antes de sequer ser repreendido.

kaio: mais alguma coisa? – perguntou parado em frente a minha mesa. Terminei de ler o documento que lhe pedi e ergui os olhos para ele. Estava com a camisa suja de canetinha rosa, justo aquela que Mel segurava agora sentada na mesa dele.

Mel: mamãe estou com fome... – nós dois olhamos para ela juntos.

Helena: ótimo! – peguei a carteira enquanto falava – kaio será que poderia levar Mel na lanchonete pra comer alguma coisa?

kaio: claro, vai ser um prazer – piscou para mim e lhe estendi uma nota de cinquenta, que não sei por que recusou, apenas me deu as costas.

Mel: sim! O que agente vai comer? – como estava com o gesso menor, envolvendo apenas a área machucada, Mel estava usando muletas agora ao invés de cadeira de rodas. kaio segurou sua mãozinha e a ajudou a andar de forma melhor.

kaio: o que quiser – deu de ombros abrindo a porta – podemos comer torta de chocolate... É meu doce favorito!

Mel: JURA? – praticamente gritou – é o meu também! - a porta se fechou e apenas fiquei ouvindo as vozes deles sumindo pelo corredor, ecoando nas paredes.

Separar kaio e Mel já era carta fora do baralho. Ele era a única pessoa que fazia minha filha feliz dessa forma, o único que lhe arrancava sorrisos sem muito esforço, aquele que tinha seu amor sem precisar se desdobrar em cem para consegui-lo. Tirar kaio da vida dela faria de mim uma vilã, uma sem coração, uma ciumenta mal amada e na verdade... Não existe ciúme em mim em relação aos dois. É tão natural que parece que foi assim a vida toda. Seria, pelo menos, se Mel tivesse um pai... Se um dia a vida os afastasse devido a quaisquer circunstancia, não seria eu a culpada por tal feito. Ninguém poderia apontar para mim dessa vez.

Lembrei do rostinho dela perguntando se poderia vir comigo para a Empresa na hora em que dei uma passadinha em casa. Era radiante, eufórico, alegre... Não consegui dizer não. Em segundos Amber havia feito uma bolsa com canetinhas coloridas e revistas de pintar e entregue para Mel.

Mel: vou pintar com o kaio – comentou orgulhosa – fiz um desenho pra ele.

Voltei ao trabalho mais tranquila do que antes. Não sei por que, mas confio muito em Mel com kaio.

kaio POV

Pierre: e ainda dói muito sua perninha minha pequena Rainha?

Pierre, Bruno, Lucas, Rosa, Alicia, Rachel e mais um monte de funcionários estavam ao redor da mesa que eu e Mel estávamos sentados. Ao contrário do que pensei, ela lidava muito bem com a atenção do publico ao redor, comia sua torta de chocolate com amêndoas de forma graciosa, ao mesmo tempo em que respondia o que perguntavam.

Mel: não dói mais não tio Pierre – deu de ombros cortando um pedaço da torta quase inteira em seu prato – só incomoda ficar com esse gesso.

kaio: é, mas logo ela já vai tirar – toquei seu ombro e ela riu.

Alicia: ai querida, fico tão feliz que você esteja bem... – sua voz era um tanto chorosa – sinto muito por sua perna.

Mel: não tem problema! Eu já posso até mexê-la... – continuou comendo a torta.

Rachel: e você tá dando uma de babá hoje? – quando percebi que a pergunta era para mim, deparei com todos os olhares em direção a minha resposta.

kaio: estou. Com muito prazer.

Pierre: bom, nós vamos subir – beijou a mãozinha de Mel – melhoras para você, pequena Rainha.

Mel: obrigado tio Pierre – agradeceu dando um sorriso com a boca suja de chocolate. Peguei um guardanapo e limpei o cantinho de seus lábios. Ela não reclamou.

Pierre: tio não, tia – ele gargalhou e Mel ficou olhando confusa enquanto subiam após se despedir.

Mel: porque tia se ele é um menino? – olhou para mim de modo meigo e confuso. Apenas sorri para ela começando finalmente a comer minha torta.

kaio: porque existem meninos que gostam de meninos, assim como também existem meninas que gostam de meninas. Pierre é um desses – expliquei de modo rápido, evitando qualquer duvida.

Mel: verdade? – parou de comer e abaixou o garfo – nossa, que esquisito!

kaio: mas você é muito pequena pra ficar pensando nisso Mel – ela assentiu.

Mel: aham... – quando me dei conta, estava novamente com o rosto todo lambuzado de calda de chocolate – kaio estou com sede... – me olhou com os olhinhos brilhando.

kaio: ok. Fica aqui que vou pegar um refrigerante... – quando ia me levantar, ela me travou.

Mel: não gosto de refringente. Pode ser água?

kaio: é claro que pode... Já volto.

Fui até o balcão e comprei uma água para ela e ainda umas balinhas. Era bom poder gastar o meu dinheiro que só servia para porcaria com alguém que realmente valesse apena. Voltei para a mesa e quando cheguei lá à torta dela havia sumido.

kaio: sua água... – estendi para ela que sorriu.

Mel: obrigado! Olha aqui – me estendeu um papel que tirou do bolso da jaqueta lilás que usava – é pra você! Fui eu quem fez...

Fiquei um tempinho olhando aquele sulfite dobrado em sua mãozinha. Foi uma das sensações mais estranhadas de minha vida, porque fiquei absolutamente emocionado com esse gesto infantil de Mel. Peguei o papel e abri, enquanto meio envergonhada, ela pegou a garrafa de água que lhe dei aberta e começou a tomar.

Desenrolei o papel e vi o desenho. Havia um sol bem grande e amarelo na parte superior da folha branca e embaixo estava escrito o meu nome com tinta guaxe; meio tremido, borrado, mas era meu nome. Havia algo que parecia ser o mar; era um azul misturado com branco e tinha peixinhos.

kaio: olha que desenho mais bonito – comentei olhando todos os pequenos detalhes.

Mel: é o lago – apoiou a cabeça nas mãozinhas me olhando meigamente – aquele que agente vai jogar pedrinhas.

kaio: oh! É claro que é lago... – olhei para ela novamente, quase hipnotizado por seus olhinhos inocentes – está muito lindo, melhor amiga. Amei mesmo. Obrigado!

Mel: o Ethan já te deu desenhos também? – fiquei surpreso com a pergunta e sorri.

kaio: já – me aproximei dela – mas o seu é mais bonito do que todos eles.

Mel: é? Eu posso ajuda-lo a desenhar um dia...

kaio: quando tirar esse gesso da perna eu prometo que te levo na casa dele para brincar. Ok? – fiquei de pé.

Mel: promete mesmo?

kaio: sim – pisquei – quer mais alguma coisa? – ela negou – tem certeza? – assentiu – ótimo! Vamos subir então porque a sua mãe deve estar te esperando...

Helena POV

Helena: o que?

Mel: por favor, mamãe! Rapidinho!

Fiquei um tempo em choque olhando do rostinho de um pro outro. kaio estava parado segurando a mão de Mel, que sustentava a muleta com o outro braço. Ele parecia não entender bem o pedido dela, mas não fazia nenhum gesto de quem pretendia fazer objeção.

Helena: mas Mel... O kaio deve estar ocupado – revirei a mente atrás de alguma desculpa para não atender ao pedido dela, que implicava em irmos à casa dele.

kaio: não, pelo contrário – sorriu para mim de um jeito provocante – não tenho nada para fazer hoje à noite.

[...]

Quando saímos juntos da Empresa, não preciso nem dizer que todos ficaram olhando como se fossemos alienígenas. kaio carregou Mel no colo até meu carro e foi engraçado ver a forma como ela estava se achando no colo dele. Combinamos de cada um ir no seu carro enquanto eu o seguiria. A ideia de ir a casa dele não me agradava, porém não havia nada que minha filha me pedisse que cogitasse ser recusado. A curiosidade também me consumia por um lado... Ele era tão misterioso que me fazia querer saber mais sobre o homem pelo qual estava apaixonada.

Chegamos a um apartamento de classe média aos arredores da cidade. Parecia um cenário perfeito para um homem solteiro, bonito, com dinheiro e sem compromisso. Mel ficou deslumbrada e eu meio que sobrando na conversa dos dois. Falar com ele depois da conversa que tivemos mais cedo me causava calafrios. Por pouco não deixei meus sentimentos transparecerem.

Assim que a porta do apartamento dele - que morava no ultimo andar - foi aberta, tivemos a visão de um lugar totalmente organizado. Pelo menos a sala de estar era; havia um chinelo no canto, uns cartões sobre a mesinha, mas o lugar era limpinho, organizado até demais para um homem.

kaio: querem conhecer minha casa? – perguntou ainda com Mel em seu colo, algo que parecia não lhe incomodar. Abri a boca para dizer que não precisava, quando Mel fez isso antes.

Mel: claro que sim! – ele estava olhando para mim. Fiquei sem graça e os segui enquanto kaio apontava todos os cômodos para Mel, dizendo também sobre os quadros da parede, as fotos que tinha.

kaio: esse aqui é meu quarto – por alguns instantes fiquei perdida; o quarto dele era tão... Ele, que pareceu um sonho – desculpa a bagunça... Não tinha ideia de que teria duas moças na minha casa; se soubesse por certo teria dado um jeito nessa zona.

Mel: ah, não tem zona aqui... – falou olhando em volta – a sua casa é muito legal! Podemos jogar aquele vídeo game lá na sala?

kaio: mas é claro que podemos! – respondeu a ela, mas estava absorta demais para entender o que houve depois.

Os dois saíram pela porta e fiquei lá olhando o quarto dele. O cheiro de kaio estava em todas as partes, irradiando até mesmo dos móveis modernos do quarto. Voltei à sala logo em seguida; os dois estavam sentados no sofá com o vídeo game ligado na televisão enorme. Sentei-me no sofá da outra ponta e apenas fique observando; Mel parecia estar em sua própria casa. Já tinha pegado bala do pote, tirado a sandália e o casaco... Estava no sofá jogando vídeo game...

Mel: o que agente vai comer? – ele riu da cara que fiz.

Helena: ô menina... Sua folgadinha! A senhorita vai comer na sua casa... – kaio logo me cortou.

kaio: não precisa. Eu peço uma pizza... Do que vocês gostam? – se esticou para pegar o telefone na mesinha. Não precisei nem falar nada, é claro!

Mel: eu gosto de milho com queijo! – praticamente pulou de alegria. Talvez por ter a oportunidade de ficar mais tempo ao lado de seu melhor amigo.

kaio: posso te dizer que eu também amo milho com queijo? – kaio começou a discar o numero da pizzaria – e você? – me olhou fixamente.

Helena: o que vocês comerem eu como... – dei de ombros.

Mel: ela também gosta dessa kaio. E de frango – olhei para ela de forma engraçada. kaio se ergueu para pedir a pizza e Mel ficou jogando o jogo não ligando muito para minha presença.

[...]

Os dois comeram a metade da pizza de queijo com milho inteira, enquanto eu comi um pedaço e meio da de frango e deixei o resto na geladeira dele. Fiz questão de ajuda-lo a limpar a cozinha. Lavei a louça enquanto ele secada e guardava. Mel ficou sentadinha na mesa conversando com agente, não deixando nunca o assunto cair em nós. Algo que foi ótimo! Quando estávamos na varanda do apartamento e ele mostrou o violão para Mel, foi questão de minutos para que a pequena pegasse no sono.

kaio: acho que ela dormiu... – permaneci absorta, apenas admirando a vista da cidade de cima. Era lindo, iluminado, não se podia ouvir nada.

Helena: sim ela dormiu – olhei para Mel adormecida na espreguiçadeira dele.

kaio: isso de ela gostar do que eu gosto... – começou confuso, acariciando o cabelo de Mel – é verdade ou invenção?

Helena: pensei que nunca iria perguntar – dei de ombros – é tudo verdade. Mel sempre gostou de pizza de milho com queijo, de torta de chocolate e de tudo mais que tenha te dito. Ela nunca mente - sorri de canto e voltei a olhar para a cidade – a vista aqui de cima é tão linda... Parece até um sonho. Tão perto, mais tão longe de toda essa loucura da cidade grande.

kaio: é... – não precisei olhar para saber que seus olhos estavam no meu rosto – tão perto, mais tão longe.

Olhei para ele lentamente no momento seguinte. Senti toda a intensidade de suas palavras e me tornei mais frágil. Seus olhos brilhavam apenas iluminados pela luz fraca que vinha da varanda e a intensa que vinha da lua. Tive que me conter para não tocar seu rosto e depois passar a mão em seu cabelo lindamente desalinhado.

Helena: isso está me matando, sabia? – murmurei – ficar desse jeito com você... Tentar esquecer o que eu... O que eu sinto.

kaio: não precisa esconder, porque isso está me matando também – deu mais um passo em minha direção. A distancia entre nós era quase nula.

Helena: estou começando aceitar a dor e acho que deveria fazer o mesmo... – pousei uma mão em seu peito, impedido que ele se achegasse mais – porque... Por mais que seja o que queremos, nunca vai dar certo.

kaio: não vai dar certo só se nós não quisermos – coloquei um dedo sobre seus lábios.

Helena: querer não é poder – dei de ombros – não somos mais crianças e para mim tudo isso é só um desejo passageiro.

kaio: se for um desejo vai passar então – deu de ombros abaixando minha mão com a sua. De repente eu estava entre os braços dele de uma forma que parecia impossível se livrar – porque agente... Não deixa rolar? – estremeci com essas palavras, mas tentei manter a racionalidade.

Helena: porque para mim não é tão fácil quanto é pra você se entregar – tentei me afastar de modo singelo, delicado, e ele me respeitou deixando que saísse – vou te dar o meu melhor e não vai poder me retribuir na mesma altura.

kaio: quem disse que não? – por um momento me pareceu ofendido, ferido, machucado – porque desconfia desse jeito de mim? Nunca senti por ninguém o que sinto por... – o travei, erguendo a mão para que se calasse.

Helena: eu também – dei de ombros com um sorriso fraco – mas não quero me machucar nem machucar a minha filha. Ela já está envolvida demais para... Para sair imune se algo entre agente der errado.

kaio: eu entendo – murmurou abaixando o rosto. Deu um passo em minha direção novamente – mas não sei se posso continuar lidando com isso sem que você saiba... – pegou em minhas mãos entrelaçando nossos dedos – porque meche comigo de uma forma que mal posso me controlar...

Estávamos tão próximos que era possível sentir o coração dele contra o meu. Parecia ser a primeira vez que meu corpo sentia algo assim e talvez fosse. Seus olhos eram doces e delicados, suas mãos também. Por mais que soubesse que não podia me entregar, meu coração seguia outro caminho, aquele que me levaria direto para os braços dele e ao mesmo tempo direto para a ruína.

Fechei os olhos. Nossos lábios estavam próximos, muito próximos. Deixei levar e...

Mel: mamãe?

Nos empurramos ao mesmo tempo; quando abri os olhos estávamos no mínimo quatro passos de distancia. Por sorte ela estava deitada e não viu nada, apenas nos localizou quando se sentou. Respiramos aliviados e nos olhamos com certa cautela. Desviei o olhar e andar em direção a minha filha.

kaio POV

Vesti minha capa de funcionário modelo e fui trabalhar.

Alicia: o que foi aquilo com a rainha de gelo e a Mel ontem? – questionou assim que cheguei. Sorri de lado.

kaio: não foi nada, apenas ajudei a senhorita Parker a colocar Mel no carro – pisquei – a proposito... Ela já chegou?

Alicia: ainda não – e voltou a trabalhar – bom dia!

kaio: bom dia!

Era mesmo verdade. Ela não havia chegado mesmo. Sendo assim, me sentei e arrumei as coisas, fiquei de boa ajeitando meu trabalho evitando pensar sobre ontem, porque dentro da lux tudo ou qualquer assunto pessoal deveria ser totalmente deixado para trás. A porta se abriu e Helena estava lá antes do que previ.

Helena: bom dia... – disse antes de mim.

kaio: bom dia senhorita – fiquei olhando em sua direção.

Helena: tenho uma pilha de desenhos pra escolher e ajustar – colocou as pastas sobre sua mesa e tirou o casaco – pode pegar sua cadeirinha linda e vir me ajudar.

kaio: sério? – fiquei de pé vendo seu sorriso e peguei a cadeira – ok. Vamos lá!

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