capítulo 4 Festa do desacordo

Mel: mamãe! Não vi você chegar...

Ok, senti que estava me ferrando indo visitar a pequenininha, mas agora estava ferrado de verdade! A poderosa chegou; a poderosa me viu; a poderosa ia me matar! Fiquei de pé, parando ao lado da cama com o violão em mãos.

Helena: oi filha – sua voz estava até então controlada. Mas seus olhos brilhavam encima de mim como se quisesse enfiar uma faca na minha garganta – o que está fazendo aqui Kaio?

kaio: prometi que iria vim ver Mel. Apenas cumpri a minha promessa... E antes de tudo, a senhorita mesmo permitiu que eu viesse vê-la – cruzou os braços e assentiu.

Helena: tudo bem – a encarei desacreditado. Com certeza essa conversa não terminaria ali... E nem de forma amena – pelo que vejo está de saída... Será que posso te acompanhar?

Kaio: claro – respondi a sua pergunta e a seu olhar, que com certeza dizia na frente da Mel não! – bom, aqui está seu inutilizado violão – coloquei o violão dela ao lado da cama e sorri – até mais Mel – peguei sua mão e beijei-a na parte de cima. Quando terminei, não largou minha mão.

Mel: você volta? – sussurrou com a vozinha meio triste – diz que sim, vai... ? Por favor!

Olhei para minha chefe, que parecia amena a situação e me voltei para a garotinha. Sem querer me comprometer e não cumprir uma promessa, fiz o que achei mais plausível.

Kaio: farei o possível para voltar, Mel – sorri – quero que fique melhor, ok? Você já saber da promessa – pisquei para ela e sorri. Ela também sorriu muito e assentiu.

Mel: vou ficar melhor sim.

kaio: então tchau pentelha – fui saindo, já que Helena estava a minha frente.

Mel: tchau melhor amigo.

Ao chegar ao corredor longo, parei e fiquei esperando Helena sair do quarto de Mel. As duas falavam algo em voz baixa. Pensei em tudo o que a garotinha havia me contado; sorri ao saber que confiava e gostava de mim. Mel também era muito querida por mim, de um modo novo e inédito, já que se apegar a crianças não era bem o meu forte. Na verdade, nunca gostei muito delas... Até conhecer a menininha que mexia comigo de forma meiga; a filha da mulher que mais me odiava no mundo, a que mais me desprezava.

Helena: quando permiti que viesse visitar minha filha, pensei que tivesse ficado bem claro que era para ser na minha presença – quando me virei, Helena estava parada perto da porta com os olhos em mim de forma pesada.

Kaio: na verdade sou um pouco idiota – coloquei as mãos nos bolsos da calça – se não for explicito, não saberei identificar sua intenção por trás da frase.

Respondi essa forma para ver como ela iria explicar a conexão que possuíamos por um olhar. Sim, porque pelo menos para mim era totalmente fácil e visível o que ela estava pensando quando nos encarávamos. Era como se o que passasse por sua cabeça também passasse pela minha; como se minha mente pudesse captar as ondas que a dela emitia, refletindo os sons em me cérebro.

Helena: pensei que fosse mais capaz – lamentou-se de forma nitidamente falsa – bom, pelo visto eu não estava enganada no começo.

Kaio: certo. Acho que já vou agora... – comecei a me despedir, mas ela não ligou.

Helena: fique longe de Mel.

Kaio: não vejo motivos para isso. Se você vê, então poderá me explicar quais são... – seu rosto corou de raiva quando me aproximei dela de forma gradual.

Helena: ela não tem pai – postou-se perto da parede me olhando seguramente.

kaio: e daí? – sorri de lado ironicamente, abrindo os braços – eu também não tenho!

Helena: tenho medo que ela veja em você um pai... O pai que não teve, e se decepcione quando sumir da vida dela – de repente Helena pareceu mais uma vez frágil aos meus olhos. Estava mesmo preocupada com Mel era nítido.

kaio: e porque eu sumiria? Também gosto dela... – o corpo dela estava todo contra a parede; o meu muito próximo, quase a tocando.

Helena: não tanto para não sumir – ergueu uma das mãos e a colocou sobre meu peito – é isso o que os homens fazem, somem.

kaio: o que acontece se te disser que não sou como todos os homens? – dei um passo para trás quando Helena singelamente me empurrou.

Helena: isso é o que todos dizem – quando a distancia entre nós foi quebrada, ela se afastou o máximo que pode – acho que conhece a saída. Até amanhã – e me deu as costas.

[...]

Deslizei os dedos levemente pelas cordas do violão, sentado na sala com a TV desligada e a garrafa de vodca aberta do lado. O vento que entrava pela janela acariciava minha pele desnuda pela falta de camisa, e tudo o que minha mente se limitava a pensar era sobre o que Mel havia me contado.

A garota nunca havia conhecido o pai. Nunca vira sequer uma fotografia dele, uma carta, algo que evidenciasse sua existência. O cara que engravidou Helena aos dezenove anos nunca mandou um presente de natal, um cartão de aniversário ou sequer um beijo para a filha. Como poderia existir alguém assim? Principalmente com Mel, que era uma garotinha tão encantadora?

Por outro lado, Mel amava demais a mãe. Pelos minutos que conversamos, havia ficado evidente o quanto as duas eram próximas. O modo como falava da mãe deixava claro que Mel reconhecia todo o esforço que Helena faz sozinha para cria-la. Segundo ela, ao descobrir que estava grávida, Helena recebeu todo o apoio da mãe, mas o pai não aceitou muito bem a noticia e deu até o final da gravidez para que saísse de sua casa com a criança e fosse morar na casa do pai do bebê. Pela falta do individuo que se denominava pai do bebê, sozinha, Helena lutou até conseguir se formar e dar uma vida digna para Mel. Mas... Porque tudo isso?

Qual seria realmente a história por trás da Rainha da Lux? Porque aquela mulher de postura arrogante me intrigava tanto? Qual seria o laço que nos manteria unidos dessa forma?

O telefone tocou. Me estiquei pra atender.

Bruno: e ai cara... De boa?

Kaio: Quem é? – tomei um gole de vodca sem reconhecer a voz do outro lado.

Bruno: aqui é o Bruno luz. Trabalho na Lux contigo – me lembrei de imediato da figura em questão. Era o cara que ficava atrás de Rosa e Emily, que babava por um rabo de saia e todo mundo fazia piadinha com esse fato. Mas conhecido como gozado.

Kaio: ah, e ai? – cumprimentei.

Bruno: tudo beleza. Peguei seu telefone com a Alicia. Sem problemas, certo?

Kaio: se não for me chamar pra um jantar romântico, tudo certo – ironizei e ele riu – o que manda?

Bruno: bom, é um convite, mas não pra um jantar romântico, não se preocupe! É pra uma festa.

kaio: festa? Sua festa? – achei estranho aquele cara me chamando pra uma festa. Como assim? Agente nem se conhecia direito, trabalhamos juntos por um dia só e ele já vinha me chamando pra festa? Ou era muito bacana, ou havia algo podre no reino na Dinamarca.

Bruno: não... Calma, eu explico! – pigarreou – toda ultima sexta feira do mês os funcionários do departamento de moda se reúnem para ir numa boate, num restaurante... Só pra descontrair. O pessoal lá é bem amigo, sempre rola tudo bem. E bom, como você teve a sorte de entrar pra Empresa bem na semana da festa, resolvemos te chamar também, já que é parte chave do departamento. O secretário da Rainha não pode faltar, afinal!

kaio: nossa! Legal que vocês se reúnam e tudo – comecei a entender.

Bruno: sim, é muito bom. Todos ali já têm raiva demais da poderosa pra poder se preocupar com alguém mais – nós rimos – e então? Você vem? As garotas estão super empolgadas com a sua possível presença...

kaio: Possível não. Confirmada. Pode dizer que vou estar lá.

Helena POV

Mel me contou tudo o que fez com kaio. Contou o que conversou com ele, contou o que ele lhe contou... E não sei por que demônios acreditei em tudo e me senti uma idiota por ficar preocupada em deixa-la sozinha com ele. Tudo bem que ainda era um homem praticamente desconhecido, mas o coração de mãe sempre fala mais alto, e o meu dizia que kaio era confiável e gostava de Mel de verdade. Os minutos que presenciei entre os dois me deram mais certeza disso... E ao contrário do que deveriam ter feito, aumentaram ainda mais o meu medo.

O medo de que ela se apegasse demais a figura dele, a figura de um homem, algo novo em sua vida. Desde que nasceu, milha filha era cercada de mulheres. Minha mãe, sua pediatra, professoras... Seu colégio era apenas de meninas... A babá que por pouco não demiti cuidava dela desde as fraudas. Era um mundo sem a presença de um pai, de um avô, de um garoto... A excluí do mundo dos homens exatamente para evitar que sofresse antes que pudesse se defender, antes que se apegasse a eles. O único contato masculino que possuía era com Pierre e os garotos da Lux; Pierre não era lá um homem. Ele gosta de homens, é diferente... E agora isso?

Minha filha era melhor amiga de um cara. De um cara que por acaso era meu secretário. De um cara que a todo custo eu tentava evitar. Por quê?

Quatro dias depois estava tudo virando do avesso. Meu secretário ainda era top de fofocas na lux.

kaio estava fazendo os telefonemas que pedi quando sai da sala querendo respirar. Ficar trancada com ele no mesmo ambiente, sentindo seu perfume e ouvindo o sussurra de sua voz maravilhosa era muito pra minha cabeça. Comprometia minha sanidade mental, por isso o meu destino agora era um lugar onde pudesse falar sem precisar se preocupar com que estava ouvindo.

Pierre: Minha Rainha? Que milagre é essa te receber na minha sala?

Depois de todos os funcionários pararem para me olhar se locomover até a sala de Pierre, fechei a porta e caminhei até me sentar na cadeira a sua frente. Ele estava afogado em papéis, desenhando modelos e revisando algumas coisinhas.

Helena: é que eu... Bom, precisava dar uma volta. Dividir o mesmo ambiente com kaio o dia inteiro não é bom para mim – encostei-me à cadeira – ainda bem que é sexta feira! – comecei a me abanar com um pedaço de papel que achei na mesa.

Pierre: ai sim você disse algo bom... É sexta feira! – bateu palminhas – hoje é dia de festa, festa, festa! – cantarolou fazendo uma dancinha. O olhei estranhamento.

Helena: festa de quem?

Pierre: a festa da ultima sexta do mês! Se sabe... O pessoal do departamento se junta e faz uma festa! Hoje vai ser demais! – continuou dançando sozinho e sentadinho em sua cadeira.

Helena: claro que sei, mas o senhorito nunca vai a uma festa com os funcionários! Que milagre é esse?

Pierre: milagre chamado Kaio, meu bem! – piscou para mim com carinha de safado – ele vai estar na boate com o pessoal e não vou perder por nada no mundo esse acontecimento, beijos me liga!

Helena: O QUE? – quase pulei da cadeira – como assim ele vai estar na festa? Não faz nem uma semana que está trabalhando aqui e já o chamaram para a festa dos funcionários? O que é isso agora?

Pierre: Minha Rainha... Esse rapaz além de ser lindo, tesudo e educado, é seu secretário! Ter relações diretas com ele é um beneficio para o pessoal e cá entre nós... – sorriu – eu e todas estamos loucas para ter uma ligação beeem diretinha com ele!

Helena: meu Deus! – fechei os olhos suspirando – era só o que me faltava!

Pierre: a querida, sinto te dizer, mas é a verdade! – voltou a fazer os ajustes no papel – as meninas pressionaram Bruno para ligar pra ele... Emily, Alicia, Rosa, Rachel e todas as garotas estão quase se matando para conseguir a atenção desse cara.

Helena: e ele? Devolve na mesma moeda? – tentei parecer desinteressada; abri uma revista sobre a mesa dele como se apenas estivesse fofocando.

Pierre: a única que ele gosta mesmo é a Alicia. Os dois conversar bastante, mas pelo que sei, ela tem um lance com o Lucas – explicou – Kaio não fica especificamente com uma delas, dá atenção a todas na hora do almoço. As garotas ficam ao redor dele, você precisa ver! Confesso que às vezes desço no bandejão pra participar da rodinha, é interessante ouvir as gatinhas no cio flertando com o coitado!

Helena: Então as coisas já estão nesse ponto? – abaixei a revista indignada pelo que ouvia!

Pierre: vixi minha Rainha, hoje vai pegar fogo o cabaré! – fez um gesto com os dedos, insinuando fogueira – por isso que não perco essa balada por nada! Quero só ver com quem ele vai ficar! O barraco tá garantido!

Helena: OMG! – encarei todos os lados da sala sem saber o que dizer! – onde vai ser essa festa?

Pierre: na De la Luna – explicou – uma boate que eles sempre vão nas festas. Dizem que é boa... – Pierre me deu o endereço – por acaso está pensando em ir? – seu rosto de iluminou com a ideia, e no mesmo instante me envergonhei de ter pedido o endereço. Droga, porque fiz isso?

Helena: ninguém nunca me convidou pra essa confraternização – respondi olhando para minhas unhas – porque deveria aparecer lá?

Pierre: estou te chamando agora – ergueu uma sobrancelha – qual é Rainha? Desde quando se importa com o que os seus simples funcionários vão pensar de você? – riu debochadamente – oh, por favor!

Helena: não me importo mesmo – suspirei – mas sei lá. Não tem cabimento aparecer na festa deles.

Pierre: festa deles nada! – deu de ombros – tecnicamente você não sabe que a festa será nessa boate hoje. E se for comigo, muito menos! Não pega nada, tipo, te arrastei!

Helena: você é amiguinho deles, queridinho – relembrei de forma irônica – e eu... – gargalhei – sou o demônio. Ou pensa que não sei que eles me odeiam só porque ser um pouquinho exigente?

Pierre: um pouquinho? – piscou.

Helena : acho que é hora de volta pra minha sala... – fiquei de pé – os desenhos estão lindos. Estou ansiosa para vê-los!

Pierre: eu sei – gabou-se – e querida... Passo na sua casa as nove pra te pegar. Garanto que há essa hora a pequena Mel já vai estar dormindo com a babá maluca dela na sala...

Helena: não vou.

Pierre: vai sim! Vai perder o barraco? Não aceito não como resposta!

Quando voltei à sala, já era cerca de quatro e meia. kaio estava terminando seu trabalho do dia, pelo percebi ao checar. Sentei-me na minha cadeira e fiquei olhando para ele... Ok. Ele era maravilhoso. Era inteligente. Incrível. Motivos diversos para se interessar nele não faltavam. Sim. Me interessava. Me deixava intrigada. Me deixava louca a forma como falava. Manso, a voz máscula e aveludada... E apesar de trata-lo da pior forma que os direitos trabalhistas permitiam, era um perfeito cavalheiro e dentro da Empresa não me chamada de algo diferente de Senhorita Parker.

kaio: senhorita Parker? – quando notei, ele estava parado ao lado de minha mesa me olhando, segurando o terno azul escuro com uma das mãos e com a outra enfiada no bolso da calça – estou de saída. Precisa de algo mais?

Helena: é verdade que você vai à festa dos funcionários de moda? – mandei a pergunta na lata, me encostando a cadeira e cruzando as pernas. kaio se surpreendeu com a pergunta e passou a mão que estava no bolso no cabelo levemente.

OMG! Como isso era OMG sexy!

kaio: sim, é verdade. Bruno me chamou e achei legal a iniciativa de me enturmar com o pessoal do departamento. Manter boas relações é sempre bom – sorriu e fechei ainda mais a minha cara.

Helena: Manter boas relações de coleguismo sim – relembrei, ressaltando a palavra – e pelo que andou circulando por meus ouvidos, o senhor anda muito amiguinho das garotas do departamento.

Kaio: nada mais que amigo – fez um barulhinho com os lábios, tipo Tique, insinuado um relaxa.

Helena: não quero problemas, Kaio – usei seu nome pela primeira vez dentro da Empresa – espero que entenda isso.

kaio: entendo – assentiu seguramente – como está Mel?

Helena: melhorando – respondi friamente – agora pode ir.

kaio: sim senhorita. Até segunda – sorriu de forma linda e saiu da sala, deixando seu cheiro maravilhoso pra trás.

Quando o vi pela janela de vidro falando com Emily lá fora, a mão dela deslizando pela camisa dele, o sorriso que esboçava... Algo me disse lá no fundo que sim, eu estaria nessa festa da discórdia!

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