Entrando numa fria

A medida que o tempo passava as coisas se complicavam mais, Matheo não estava dando conta de cuidar do restaurante sozinho e da filha ao mesmo tempo. Anna já frequentava uma creche mas era meio período, Matheo tinha tanta coisa para resolver em tão pouco tempo que na maioria das vezes acabava pegando Anna na escola atrasado.

A orientadora da escola já havia chamado Matheo para conversar várias vezes, mas a correria estava deixando ele louco. Até que um dia quando Anna já estava para completar três anos uma assistente social bateu em seu restaurante, ela já tinha ido várias vezes na casa de Matheo mas nunca o encontrava, então um vizinho informou que ele só chegava a noite, que ele saia cedo com Anna e após pega-la na creche ia para o restaurante e só voltava a noite.

Quando a assistente chegou ao restaurante Matheo estava no meio de uma discussão com um fornecedor, os dois gritavam e a pequena Anna chorava agarrada ao pescoço do pai. Havia alguns clientes, entre eles um figurão que sempre gastava muito quando comia lá, parecia um empresário, sempre estava muito bem vestido e muitas vezes acompanhado de outros homens que também pareciam muito ricos.

O fornecedor que já estava cobrando Matheo havia um bom tempo aproveitou para fazer um escândalo, e foi justamente nessa hora que a tal assistente apareceu. Enquanto a briga se desenrolava ela fazia várias anotações em seu celular, após o fornecedor ir embora aos berros a assistente social avisou a Matheo que iria informar aos seus superiores que Anna não estava vivendo num ambiente adequado para uma criança.

E lá se foi outro bate boca dessa vez entre Matheo e a assistente social, que saiu de lá muito revoltada com a situação de Anna. Matheo estava inconformado pois fazia de tudo por Anna, ele dava o seu melhor pela filha e pelo restaurante que era parte de sua vida. Após conseguir acalmar Anna Matheo pediu desculpas aos clientes que estavam ali e voltou para a cozinha.

Anna agora desenhava quieta num cantinho enquanto Matheo tentava terminar alguns pedidos. De repente um dos garçons disse para Matheo que o tal figurão que parecia ser gente muito importante queria falar com ele. Matheo respirou fundo, pediu as suas auxiliares que dessem uma olhadinha em Anna que ele iria atender o cliente. Matheo imaginava que o homem fosse reclamar da confusão enquanto ele almoçava.

Quando chegou a mesa Matheo se surpreendeu, o homem disse que entendia o desespero dele e lhe ofereceu ajuda, disse que poderia fazer-lhe um empréstimo, sem burocracias e que ele poderia lhe pagar em parcelas. Matheo achou que finalmente depois de tantas desgraças Deus havia enviado alguém para ajudá-lo. O homem lhe deu um cartão e Matheo agradeceu dizendo que o procuraria aquela tarde mesmo.

Matheo terminou todos os seus afazeres no restaurante e deixou o resto por conta das suas duas auxiliares. Ligou para seu pai e pediu que ele tomasse conta de Anna enquanto ele resolvia algumas coisas. Ângelo adorou a ideia, havia alguns meses que Matheo se mudou do apartamento onde vivia no centro, para economizar gastos ele alugou um outro no subúrbio da cidade. Assim Matheo morava um pouco mais longe de Ângelo, mas conseguiu deixar Anna na creche que ela estava acostumada.

Ângelo pegou Anna e Matheo foi ao endereço indicado no cartão, era um escritório chique num prédio de luxo numa das ruas mais importantes da cidade. O homem recebeu Matheo muito bem, os dois conversaram por mais de uma hora, Matheo contou a ele todo seu dilema, as dívidas com o apartamento e sua ida para o subúrbio, as dívidas com funcionários e fornecedores. Contou sobre Laura e sua dificuldade em criar a filha sozinho depois da morte dela. O homem o ouvia atentamente, depois de toda história explicada por Matheo, o homem abriu uma gaveta da sua mesa e tirou um pacote entregando-o para Matheo.

Quando abriu o pacote Matheo quase cai da cadeira, havia muito mais do que ele precisava. O homem insistiu para que Matheo aceitasse o empréstimo e lhe pagasse parceladamente. Ele hesitou um pouco mas como estava cada vez mais endividado com seus funcionários e fornecedores Matheo resolveu aceitar a proposta daquele homem.

Matheo ficou radiante com a possibilidade de quitar suas dívidas, limpar seu nome e quem sabe futuramente até voltar a morar no centro da cidade. Ele fez as contas e pagou seus fornecedores e seus funcionários. Antes da assistente social voltar Matheo contratou uma babá para ficar com Anna em casa enquanto ela trabalhava a tarde. Quando ela voltou se surpreendeu com a nova situação de Matheo, viu que a menina agora tinha alguém que buscava ela na creche no horário correto, e ainda ficava com ela até Matheo chegar. Parecia que enfim as coisas estavam caminhando bem. A assistente foi mais paciente desta vez, Matheo lhe pediu desculpas mais uma vez e prometeu que a situação daí pra frente seria melhor e ela então lhe deu mais tempo antes de tomar qualquer providência mais drástica.

Passaram-se alguns meses, Matheo estava preparando um jantar para o seu benfeitor, ele pagou uma grana alta para Matheo não abrir ao público naquela noite pois segundo ele resolveria uma coisa muito importante. O dinheiro, pensou Matheo, iria ficar para o aniversário de quatro anos de Anna que já estava se aproximando.

O homem chegou acompanhado de seus seguranças como sempre, Matheo o recebeu, ele eatava acompanhado de um rapaz, que ele apresentou a Matheo como seu filho. Passados alguns minutos chegaram outros dois homens de aparência muito sombria.

A princípio Matheo achou estranho o homem querer um jantar a portas fechadas, pagar tanto dinheiro, mas ele achou que talvez fosse até um jantar romântico, mas agora vendo aqueles homens de aparência estranha ele começava a se arrepender de ter aceitado. Mas enfim, agora já era tarde, os homens já estavam ali, Matheo foi pra cozinha depois de servir uma garrafa de whisky a eles, precisava dar conta do jantar. Essa foi outra exigência, que ele trabalhasse sozinho aquela noite pois ele precisava de um lugar neutro e com toda privacidade possível.

Sozinho na cozinha Matheo foi relaxando a medida que preparava a refeição, quando estava quase tudo pronto para servir Matheo ouviu eles gritando no que parecia ser uma discussão. Ele foi até a porta e ficou parado ali enquanto a discussão ficava cada vez mais acalorada. Os dois homens de aparência sombria agora falavam em russo, Matheo não entendia o que eles falavam.

Quando ele pensou em interromper a briga para avisar que o jantar seria servido tudo ficou em silêncio, um arrepio percorreu o corpo de Matheo, então ele empurrou a porta lentamente e viu a cena mais horripilante de sua vida. O homem que lhe emprestou o dinheiro estava com uma arma na mão provavelmente com silenciador pois Matheo não ouviu os tiros. Os homens que falavam em russo estavam caídos no chão.

Matheo sentiu seu coração gelar, ele volta pra cozinha sem saber o que fazer, então ele sai pela porta dos fundos e vai andando até se afastar do restaurante. De repente passou um táxi e Matheo fez sinal sem pensar duas vezes, foi para casa, Anna estava com seu pai. Era sexta feira e ela não tinha aula aos sábados, seu pai fez questão de ficar com ela. Sozinho em sua casa Matheo não conseguia tirar de sua mente a imagem daqueles homens caídos no chão provavelmente mortos, a expressão fria no rosto daquele senhor e seu filho, um homem que lhe ajudou e parecia tão bondoso. Matheo tira suas roupas e entra no banheiro, abre o chuveiro e deixa a água caindo sobre sua cabeça, como se pudesse lavar aquela imagem horrível da sua mente.

Depois de um bom tempo ali Matheo sai do banheiro enrolado numa toalha, ele veste uma calça e uma camiseta, acende um cigarro, hábito que ele adquiriu depois da morte de Laura, ele vai até a janela apreensivo, pensando no que vai fazer com relação ao que viu. Quando olha para a esquina e vê um carro preto virando devagar, Matheo sente o sangue gelar, é o carro de seu benfeitor, que de bom não tinha nada. Ele sai do seu apartamento e desce pelas escadas, tem uma saída pelos fundos. Quando ele abre devagar a pequena porta ouve um clique e uma coisa encostando em sua nuca.