Medo

Estou preocupada desde ontem a noite. Eu sei que ouvi alguém. Eu sei que tenho que sentir medo. Alguma coisa que eu não sei o que é me apavora. Aquelas palavras... aquela voz... é tudo muito familiar para mim, mas não sei de onde.

Acordei a pouco tempo e decidi ficar um pouco na cama pensando em tudo o que aconteceu, depois de algum tempo ouço passos e a essa altura já sei diferenciar os do Rafa e o do Vovô... lá vem o meu amor. Fecho os olhos e finjo dormir, ele entra devagar e coloca alguma coisa na cômoda. Sinto que está se curvando para me beijar, abro os olhos, roubo um selinho e o abraço pelo peço sorrindo.

- Bom dia, lindo.

- Bom dia, meu anjinho lindo.

Ele beija a ponta do meu nariz.

- Você me parece melhor hoje. Ainda preocupada?

- Sim. Antes eu não tinha nada a perder, mas agora eu tenho tudo.

- Você não está sozinha. Enfrento qualquer coisa com você.

- Eu não sei se posso te pedir algo assim, Rafa. Nunca me perdoaria de colocar você e o vovô em perigo.

- Não há o que pedi. Você pegou o meu coração e agora é responsável por ele. Você não vai se livrar de mim tão fácil.

Ele começa dando vários beijos pelo meu rosto, enquanto me faz cócegas. É a melhor sensação. Me sinto segura e por mais que ainda haja muito medo, tento afastar esse sentimento. Olho para o lado e tem uma bandeja com frutas, bolo e suco. Ele anda me trazendo café da manhã na cama com frequência. Peço que ele coma comigo, quando terminamos olho para ele e simplesmente agradeço. Não pelo café da manhã, mas por tudo. Por ter me encontrado, por ter ficado comigo, pela família que me deu, pelo amor...

- Eu que me sinto grato. Você é rara, meu anjo.

Ele beija minha testa e sai do quarto. Depois disso começo a me sentir estranha, tonta e sonolenta. Meu corpo está perdendo força. Levanto para ir atrás dele, saio segurando nas paredes, quando abro a porta que ele me vê, corre na minha direção. Ouço o mundo ficando no mudo. Ouço alguém me chamando. Ouço o riso e aquela voz que ouvi ontem.

- Ainda bem que você veio para brincar de novo. Dessa vez você está sendo resistente, mas você vai vir porque eu decido.

Sinto as mãos de Rafa me segurando. Sinto ele me chacoalhando. Eu não apaguei totalmente, mas eu sei que vou, então antes disso acontecer digo a ele com voz fraca:

- É a voz de ontem. É ele quem me leva quando eu apago, é ele quem me chama. Mas quando eu volto nunca me lembro de nada. Fiquei tranquilo, eu vou voltar para você. Eu... amo...voc...

Não consigo terminar a frase. Apago.

Está tudo escuro, mas ouço a risada e a voz dele.

- Você acha que vai voltar? hahahahah. Nunca vi alguém tão patética e burra. Eu sei o que fiz de errado da última vez, e dessa vez não vou errar. Só preciso de mais algum tempo, mas por enquanto vou ficar te desligando do seu corpo. Adoro ver o sofrimento dele.

- Quem é você? do que você está falando?

- É sempre assim. Sempre as mesmas perguntas. Eu sou Nail e você é a merda de um anjo. O último deles; e como eu acabei com todos, farei o mesmo com você. Infelizmente ainda não entendi porque não posso te matar, seria tão mais fácil, mas me contento em te deixar infeliz pelo resto da vida. Você vai ficar sem ninguém, sozinha. Como não posso tocar em você tentei matar aquele cara com a chuva, mas vocês se encontraram, vocês sempre se encontram. Você sempre o salva.

Estou com medo, mas é a primeira vez que me sinto consciente no apagão. Preciso de respostas e preciso que o Rafa saiba o que está acontecendo.

- Foi você quem fez a chuva para matar todos.

- Todos, principalmente o velho e o tal Rafael. Mas graças aos seus poderes, não consegui.

- E você não vai conseguir nada de nós.

- Você disse a mesma coisa na primeira vez, mas não fica divertido se você não lembrar a dor que foi perdê-los.

Ele estala os dedos e diz lembrar. De repente vem várias lembranças na minha mente. Coisas que ainda não vivi com o Rafa e o vovô. Lembro da faculdade, mas eu não fazia história e sim arquitetura, foi assim que conheci o Rafa. O conheci em uma aula que fiz na sala dele. Eu não era invisível. Nas lembranças estou muito bonita. O professor pede um trabalho em dupla, todos querem fazer dupla comigo, mas no sorteio eu saio com o Rafa. Ele me convida para fazer o trabalho na sua casa, o vovô nos faz um lanche e diz que sou linda como um anjo. Timidamente agradeço. Quando ele sai o Rafa diz que ele tem razão, então eu o beijo, porque sinto que devo. O restante das outras memórias são só flashes. O vovô doente. Rafa sendo atropelado. Eu salvando os dois. Ele me pedindo em casamento. Vejo o Nail aparecendo e apagando a memórias deles. Vejo eles olhando para mim com estranheza. Eles perguntam "quem é você?". É a pior dor... saber que os perdi. Meu coração se parte. Eu apago e quando acordo estou sozinha, não lembro de nada e só sigo a minha vida como se nada tivesse acontecido, sem nenhum amor. Só há um coração coração vazio. Sozinha. Olho para Nail, depois de todas essas lembranças ele se diverte com toda a minha dor. Estou repleta de medo.

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