Romance Proibido com o Meu Professor
Salvador, 04 de janeiro de 1994
O som das cigarras invadia a varanda como uma música contínua, abafada, quase hipnótica. Era verão em Salvador. O céu parecia uma pintura derretida, azul demais, brilhante demais, quente demais. Safira, de catorze anos, balançava devagar na rede presa entre duas colunas do apartamento no Costa Azul, um livro fechado no colo e os pensamentos tão abertos que não cabiam mais na cabeça.
Safira
O cheiro de maresia, o vento morno e úmido, a cidade pulsando do lado de fora… tudo parecia distante. Porque dentro dela, só existia uma coisa: memória.
Ela estava naquele estado em que o corpo está presente, mas a alma anda lá longe. E, como fazia desde pequena, quando o mundo ficava pesado demais, começou a falar com si mesma em pensamento. Como se fosse um diário que só o coração escutasse.
Safira (em pensamento): Engraçado como algumas coisas nunca saem da gente, mesmo que a gente mude de país, de vida. Eu nasci na Itália em Roma. Em 1979. E, por mais que eu more aqui desde os dois anos, tem dias que ainda sinto o cheiro da Itália. Pão fresco, terra molhada depois da chuva, o perfume da minha mãe misturado com café forte logo cedo… Tem lembrança que não precisa de foto, ela vive presa no corpo da gente.
Naquela casa de tijolos claros, com flores nas janelas e varanda estreita, eu brincava com meu irmão, Davi. Ele sempre foi meu mundo inteiro. Seis anos mais velho que eu, mas parecia meu segundo pai. Me carregava no colo, me protegia de tudo. E nossa mãe, Juliana… era tão nova. Tinha só 21 anos quando casou com o meu pai, Enzo. Achava que amor era suficiente para manter uma família. Coitada.
Juliana
Enzo
Davi
Juliana era linda. Olhos claros, cabelo loiro natural ondulado, jeito firme. Mas tinha aquela fragilidade que só as mulheres sonhadoras têm: acreditava nas promessas de um homem bonito. E Enzo era exatamente isso bonito, charmoso, educado, com sorriso que fazia as pessoas abrirem a guarda. Mas por dentro, era ausente, imaturo e um covarde.
Desaparecia por dias. Chegava em casa com desculpas ensaiadas. Juliana fingia não ver. Por amor a ele, por medo do que poderia acontecer se ela largasse dele, medo do que os seus filhos poderiam acabar sofrendo por serem apenas duas crianças e por não saber como ser mãe sozinha tão longe de tudo.
Até que um dia, tudo desmoronou.
Foi numa noite fria de outono, em 1980. Juliana tinha esquecido uma pasta de documentos na casa da amiga Francisca, sua confidente desde a adolescência. Decidiu voltar para buscar esses documentos, mas como ela já era de casa não bateu na porta da casa apenas entrou. Ao chegar, ouviu risos abafados vindos do andar de cima do quarto de Francisca, mas reconheceu umas das risadas e era a de seu marido Enzo. Então Juliana resolveu subir em silêncio.
Ao abrir a porta do quarto de Francisca, congelou com a cena que viu.
Juliana (gritando): Enzo?!
Safira (pensando): Ele estava lá. Pelado, com a Francisca, rindo, como se nada daqui fosse errado.
Francesca tentou se cobrir. Enzo arregalou os olhos.
Enzo: Juliana, eu…
Juliana (com a voz quebrando): Você destruiu tudo, Enzo. Com ela?! A minha melhor amiga?!
Enzo (baixo): Foi um erro…
Juliana: Não, Enzo. Um erro foi eu ter acreditado em você por tanto tempo. Foi te dar meu corpo, minha juventude, minha confiança. Você fez da minha vida uma mentira. E agora, quer me chamar de louca?
A discussão variou de madrugada.
Davi e Safira que tinham ido junto com a mãe estavam parados na porta do quarto sem entender o que estava acontecendo, Juliana virou-se para o filho e mandou ele descer com a irmã.
Juliana (com o tom de voz tentando se manter calma, virose para o filho): Davi desça com sua irmã e me espera na sala, mamãe já vai descer.
Davi, com 8 anos e Safira, com 2 anos desceram, mas continuaram ouvindo tudo que estava acontecendo lá de baixo. Davi estava com Safira no colo, tentando abafar os sons da discussão com as mãozinhas dela nos ouvidos. Mas ela sentia e conseguia ouvir algumas gritarias. O peito apertava, mesmo sem entender nada.
Alguns dias depois, Enzo desapareceu. Na verdade nem Safira e nem Davi sabem o que aconteceu direito nos últimos dias porque eles passaram três dias na casa de sua avó materna, Dona Graziella. Mas logo depois desses dias quando eles voltaram pra casa não tinha mais notícias do pai. Juliana disse que ele tinha sumido pra nunca mais sem bilhete, sem explicação, sem volta e sem se despedir dos filhos que ele dizia que amava mais que tudo.
Juliana reuniu os filhos na sala logo depois deles terem voltado da casa de sua mãe, ela com o rosto inchado, mas o olhar duro, decidido.
Juliana: Nós vamos embora daqui. Vamos pro Brasil. Não quero criar vocês num lugar que só me lembra o que a gente perdeu.
Safira (com voz fina e sem entender muita): Mas… e o papai?
Juliana (segurando o choro): Seu pai escolheu não estar aqui com a gente, minha filha. Agora somos só nós três. E vamos recomeçar do zero.
Davi: Mas porque o Brasil, mamãe?
Juliana: Porque é distante de tudo e de todos e o idioma vai ser fácil pra gente entender.
Davi: E vamos morar aonde, mamãe?
Juliana: Ainda não sei meu amor, mas a mamãe tem uma amiga que disse que a gente pode morar lá com ela até eu conseguir um lugar pra gente morar.
E foi isso que ela fez, Juliana junto com os meninos vieram para o Brasil e ficaram na casa dessa amiga de Juliana que sempre foi verdadeira com ela e sempre contra o casamento dela. Sua amiga Alessia era madrinha de seus filhos e Juliana dos três filhos dela.
Alessia era italiana e conheceu Juliana brincando na rua desde então vieram amigas inseparáveis, ela era dois anos mais velha que Juliana. Quando Alessia se casou ela veio para o Brasil dóis meses depois, pois seu marido era brasileiro.
Salvador, 1981 – Um novo mundo
Safira (em pensamento): A gente chegou em Salvador quando eu tinha dois anos. Ficamos 6 meses morando com minha tia que era minha madrinha, meu padrinho e meus primos. Não ficamos muito tempo lá pois minha mãe conseguiu um emprego em um escritório e consegui da entrada em um apartamento no Costa Azul, posso até dizer que o apartamento era chique pois tinha piscina e várias coisas diferentes. Aqui é tudo diferente do que lá na Itália. O calor era demais, eu suava se corresse por dois minutos seguidos, as pessoas falavam rápido, os nomes das pessoas e dos lugares era difícil de entender e de se falar, o cheiro das ruas era outro. A língua… nossa, parecia impossível de entender, mas o que eu amei foi as praias, inclusive minha madrinha morava perto da praia da Barra e hoje em dia moramos perto da praia de Jardim de Alah.
Pra eu aprender o português foi uma dificuldade enorme, mas foi o Davi que me ensinou os primeiros sons e as primeiras palavras em português.
Davi: “Oi. Tudo bem?”
Ele dizia, devagar. Eu errava tudo. Ele ria. Me fazia rir também.
Davi: Fala “bem”, Safi. Com “m”.
Safira (pequena): Bên.
E a gente ria de novo.
Juliana, forte como só uma mãe machucada sabe ser, se reergueu. Estudou. Formou-se em Medicina. Virou uma médica respeitada e muito querida por todos. Construiu um lar. Mas o coração, esse ela enterrou, mas o destino já está escrevendo outra coisa. Nunca mais se envolveu com ninguém. Só trabalho, filhos e noites silenciosas no sofá com uma taça de vinho barato.
Safira (em pensamento): Ela é minha inspiração. Mesmo quando não consigo dizer isso pra ela, mesmo quando a gente briga. Eu sei, ela morreu um pouco quando meu pai foi embora. E, no fundo, eu também.
Safira (em pensamento): Entrei no Colégio São Paulo com quatro anos e ia fazer cinco em setembro. Em fevereiro de 1984. Estudo lá até hoje. Já são dez anos andando pelos mesmos corredores, ouvindo os mesmos barulhos, vendo os mesmos rostos, sei o nome de todos os professores antigos da casa e é engraçado lembrar que, desde pequena quando eu ainda estava na pré-escola, eu via o professor Apolo andando por lá. Ele era um dos professores mais conhecidos do colégio, mais respeitado, mais brincalhão. Ele era alto, elegante, bonito, com aquele jeito leve demais que sempre me deixava desconfiada. Depois que meu pai fez o que fez com a gente eu só confiava no meu irmão e no meu padrinho, somente e todo mundo sabia disso!
Nunca fui com a cara dele, nada contra ele, mas o erro era eu. Ele era sempre muito simpático, sempre sorridente. Sabe aquele tipo que parece estar sempre observando tudo, como se soubesse mais do que deveria? Mas… era bonito. Não vou mentir. Era. Ainda é. Mas bonito não significa confiável. Eu aprendi isso cedo.
Safira (em pensamento): Conheci a Thai quando eu tinha quatro anos. Foi no parquinho do prédio. A gente brigou por uma boneca esquecida no escorregador.
Thai (mandona): Essa boneca é minha!
Safira (com sotaque): Não é! Eu achei primeiro!
Thai: Você fala estranho.
Safira: Você também.
As duas se encararam por alguns segundos… e caíram na risada. E nunca mais se largaram.
Thai era tudo que Safira não era: falava alto, fazia amizade com todo mundo, se jogava na vida como se não tivesse medo de cair. Foi ela quem puxou a amiga pra vida social, quem obrigou Safira a ir nas festas, quem arrancava a menina dos livros.
Safira (em pensamento): O Vini chegou na nossa vida no ano seguinte. Estava sendo zoado por outros meninos por causa do jeito mais delicado. A voz fina. A roupa certinha. Eu atravessei o pátio, peguei o caderno dele do chão e entreguei.
Safira: Não liga pra eles. Eles são idiotas.
Vini (tímido):Você é nova?
Safira: Mais ou menos. Nova daqui.
Vini: Quer sentar comigo no recreio?
Safira: Quero.
E foi assim. Sem promessas. Sem palavras grandes. A gente virou trio inseparável: eu, Thai e Vini. E, com eles, eu descobri que o mundo não era tão perigoso assim. Só que, mesmo com eles por perto, meu medo de confiar nos homens continuava. Crescia, aliás. Me protegia demais. Me blindava.
E é por isso que o Apolo sempre foi um problema. Porque ele parecia enxergar por trás da armadura.
Safira (olhando o céu): Acho que esse ano vai ser diferente. Tem alguma coisa no ar. Como se o passado tivesse voltado. Como se algo grande estivesse por vir. Eu tô sentindo. Aqui dentro. E, pela primeira vez, eu tenho medo… mas também tô curiosa
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Atualizado até capítulo 31
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