A Outra Escolha
O céu de Montclair estava tingido de cinza quando Helena Vasconcellos pisou novamente na cidade que jurou nunca mais visitar. O vento soprava com um cheiro familiar — terra molhada, folhas secas e lembranças que ela preferia esquecer.
Cinco anos haviam se passado desde que ela partiu. Desde que Damon Salvatore desapareceu sem deixar rastros, levando consigo promessas quebradas e um pedaço do coração dela.
Agora, Helena voltava por obrigação. Sua tia Clara estava doente, e a casa antiga da família precisava de cuidados. Mas no fundo, ela sabia que havia outro motivo. Um nome que ainda ecoava em seus sonhos. Um olhar que a perseguia mesmo quando ela tentava seguir em frente.
Damon.
A casa estava silenciosa quando ela entrou. O piso de madeira rangia sob seus passos, como se reconhecesse sua presença. Clara dormia no quarto de cima, e Helena decidiu explorar o sótão — o lugar onde guardava suas lembranças mais profundas.
Foi lá que ela o viu.
Encostado na janela, com o rosto parcialmente iluminado pela luz do entardecer, Damon Salvatore parecia uma pintura viva. Os olhos azuis, intensos como tempestade, encontraram os dela com uma calma inquietante.
— Você voltou — ele disse, sem se mover.
Helena congelou. O coração acelerou. A voz dele era como um sussurro antigo, familiar e perigoso.
— Eu... não sabia que você ainda estava aqui.
— Eu nunca fui embora — ele respondeu, virando-se lentamente. — Só me escondi onde você não podia me encontrar.
Ela tentou manter a postura, mas a presença dele a desarmava. Damon estava mais maduro, mais sombrio. O mesmo charme, o mesmo mistério — mas havia algo diferente. Algo quebrado.
— Por quê? — ela perguntou, quase num sussurro. — Por que desapareceu?
Damon se aproximou, os passos lentos, como se cada movimento fosse uma escolha calculada.
— Porque te amar era perigoso. E eu não queria te destruir.
Helena sentiu as lágrimas ameaçarem. Mas não chorou. Não ainda.
— E agora?
Ele parou diante dela, tão perto que ela podia sentir o perfume amadeirado que sempre a deixava tonta.
— Agora... talvez seja tarde demais. Ou talvez seja a outra escolha que você nunca teve coragem de fazer.
O silêncio entre eles era denso, carregado de tudo que não foi dito. E ali, no sótão esquecido de uma casa antiga, Helena soube que sua vida estava prestes a mudar — de novo.
Helena desviou o olhar, tentando recuperar o controle da respiração. A presença de Damon era como um campo magnético — impossível de ignorar, impossível de escapar.
— Você não tem o direito de aparecer assim — ela disse, com a voz trêmula. — Depois de tudo. Depois de me deixar sem uma palavra.
Damon abaixou os olhos por um instante, como se carregasse o peso do mundo nos ombros.
— Eu sei. Mas se eu tivesse ficado... você teria se perdido comigo.
Helena deu um passo para trás, cruzando os braços como escudo.
— E você acha que eu não me perdi sem você?
O silêncio que se seguiu foi cortante. Damon se aproximou mais um passo, e agora estavam tão perto que ela podia ver a leve cicatriz abaixo do olho esquerdo dele — uma marca que não existia antes.
— O que aconteceu com você? — ela perguntou, quase num sussurro.
— Coisas que não posso explicar. Ainda não.
Ela queria odiá-lo. Queria gritar, empurrá-lo, dizer que ele não significava mais nada. Mas tudo nela gritava o contrário. O coração acelerado, a pele arrepiada, os olhos que insistiam em se perder nos dele.
— Você não pode simplesmente voltar e esperar que tudo esteja igual — ela disse, tentando manter a firmeza.
— Eu não espero nada — ele respondeu. — Só precisava te ver. Saber se você ainda era... você.
Helena sentiu o chão tremer sob seus pés. Não literalmente — mas emocionalmente, sim. Como se o mundo estivesse prestes a desmoronar de novo.
— Eu mudei, Damon. E você também.
Ele sorriu de leve, um sorriso triste, quase arrependido.
— Talvez. Mas algumas coisas não mudam. Como o que eu sinto quando olho pra você.
Ela fechou os olhos por um instante, tentando conter as lágrimas. Quando os abriu, ele ainda estava ali. Real. Presente. Assustadoramente próximo.
— Isso não é justo — ela disse.
— O amor nunca é — ele respondeu.
E então, sem aviso, ele tocou sua mão. Um toque leve, como se pedisse permissão para existir ali. Helena não recuou. Não dessa vez.
O sótão parecia respirar com eles. A luz do entardecer se tornava dourada, quase mágica. E naquele instante, entre o passado e o presente, entre dor e desejo, Helena soube que Damon não era apenas uma lembrança.
Ele era a outra escolha que o destino colocava diante dela — de novo.
Helena puxou a mão devagar, mas não com raiva — com medo. Medo do que aquele toque despertava. Medo do que ainda sentia.
— Você não pode simplesmente aparecer e me tocar como se nada tivesse acontecido — ela disse, a voz embargada.
Damon deu um passo atrás, respeitando o limite, mas sem esconder a dor nos olhos.
— Eu sei. Mas você também sabe que nada foi esquecido.
Ela se virou, encarando a janela. Lá fora, o céu escurecia, e as primeiras estrelas começavam a surgir. Era como se o universo estivesse assistindo àquele reencontro com olhos silenciosos.
— Eu esperei por você — Helena confessou, quase sem querer. — Esperei por uma explicação. Por uma carta. Um sinal. Qualquer coisa.
— Eu escrevi — ele disse, baixando o olhar. — Mas nunca tive coragem de enviar.
Helena se virou lentamente.
— Por quê?
Damon hesitou. O silêncio entre eles era denso, como se cada palavra não dita pesasse no ar.
— Porque o que eu tinha pra dizer... não era suficiente pra justificar o que eu fiz. E porque, se você soubesse tudo, talvez me odiasse.
Ela se aproximou, os olhos fixos nos dele.
— Tenta. Me conta. Me deixa decidir se eu te odeio ou não.
Damon respirou fundo. O ar parecia mais pesado agora.
— Eu fui embora porque alguém me ameaçou. Alguém que sabia sobre nós. Alguém que me fez escolher entre te proteger ou te perder.
Helena franziu o cenho.
— Quem?
— Lucien.
O nome caiu como uma pedra no peito dela. Lucien Moreau. O ex que ela tentou esquecer. O homem que sempre teve um jeito de manipular tudo ao redor.
— Ele disse que se eu ficasse, você pagaria o preço. E eu... eu não podia permitir isso.
Helena sentiu o chão desaparecer sob seus pés. Tudo que ela achava saber estava se desfazendo.
— Então você me deixou... pra me salvar?
— Eu te deixei porque te amo. E porque o amor, às vezes, exige sacrifício.
Ela não respondeu. Não podia. As palavras estavam presas entre o coração e a garganta.
Damon se aproximou mais uma vez, mas não tocou. Apenas olhou.
— Eu não vim pra te pedir nada. Só vim pra te ver. Pra saber se você ainda é minha Helena.
Ela o encarou. E naquele olhar, havia dor, raiva, saudade — e amor. Um amor que nunca foi apagado. Apenas adormecido.
— Eu não sei quem eu sou agora — ela disse. — Mas se você quiser descobrir comigo... talvez eu te deixe ficar.
Damon sorriu. Um sorriso pequeno, mas verdadeiro.
— Então essa é a outra escolha?
Helena assentiu, com lágrimas nos olhos.
— Talvez seja o começo dela.
E assim, no sótão esquecido de uma casa antiga, dois corações quebrados deram o primeiro passo rumo ao que poderia ser redenção — ou destruição.
Tudo dependia da próxima escolha.
Helena desceu lentamente as escadas do sótão, cada degrau rangendo como se ecoasse os pensamentos que fervilhavam em sua mente. Damon ficou lá em cima, imóvel, como se não soubesse se devia segui-la ou respeitar o silêncio que ela precisava.
Na sala, o relógio antigo marcava 22h17. O tempo parecia ter parado, mas o coração dela não. Batia rápido, como se tentasse acompanhar tudo que acabara de ouvir.
Ela se serviu de um copo d’água, mas não bebeu. Apenas segurou, como se o gesto a mantivesse ancorada à realidade.
— Você ainda está aí? — perguntou, sem olhar para cima.
— Estou — respondeu Damon, já no último degrau.
Helena se virou. Ele parecia mais vulnerável do que nunca. Sem a arrogância de antes. Sem as defesas.
— Você acha que pode simplesmente voltar e me contar tudo isso... e que eu vou te perdoar?
— Não — ele disse. — Mas eu espero que você me escute. Só isso.
Ela caminhou até ele, parando a poucos centímetros.
— Eu escutei. Agora escuta você: eu não sou mais a mesma. A Helena que você conheceu morreu no dia em que você desapareceu sem explicação.
Damon engoliu em seco.
— E quem você é agora?
Ela sorriu, mas era um sorriso triste.
— Alguém que aprendeu a sobreviver sem você. Mas que ainda não aprendeu a esquecer.
O silêncio entre eles era quase poético. Como se o universo estivesse prendendo a respiração.
— Então talvez eu tenha voltado no momento certo — ele disse.
— Ou no pior momento possível — ela rebateu.
Damon estendeu a mão, mas não tocou.
— Me deixa provar que ainda posso ser parte da sua vida. Nem que seja como alguém que te ajuda a lembrar quem você é.
Helena olhou para a mão dele. Depois para os olhos. E então, sem dizer nada, virou-se e caminhou até a porta.
— Amanhã, às oito. No café da esquina. Se você aparecer, talvez eu escute mais. Se não... então é melhor que essa tenha sido sua última escolha.
Ela saiu, deixando Damon sozinho na casa que um dia foi deles.
E ele soube, naquele instante, que o verdadeiro retorno não era físico — era emocional. E que o caminho até ela seria feito de passos lentos, palavras sinceras e escolhas difíceis.
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Atualizado até capítulo 21
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