O céu de Montclair estava tingido de cinza quando Helena Vasconcellos pisou novamente na cidade que jurou nunca mais visitar. O vento soprava com um cheiro familiar — terra molhada, folhas secas e lembranças que ela preferia esquecer.
Cinco anos haviam se passado desde que ela partiu. Desde que Damon Salvatore desapareceu sem deixar rastros, levando consigo promessas quebradas e um pedaço do coração dela.
Agora, Helena voltava por obrigação. Sua tia Clara estava doente, e a casa antiga da família precisava de cuidados. Mas no fundo, ela sabia que havia outro motivo. Um nome que ainda ecoava em seus sonhos. Um olhar que a perseguia mesmo quando ela tentava seguir em frente.
Damon.
A casa estava silenciosa quando ela entrou. O piso de madeira rangia sob seus passos, como se reconhecesse sua presença. Clara dormia no quarto de cima, e Helena decidiu explorar o sótão — o lugar onde guardava suas lembranças mais profundas.
Foi lá que ela o viu.
Encostado na janela, com o rosto parcialmente iluminado pela luz do entardecer, Damon Salvatore parecia uma pintura viva. Os olhos azuis, intensos como tempestade, encontraram os dela com uma calma inquietante.
— Você voltou — ele disse, sem se mover.
Helena congelou. O coração acelerou. A voz dele era como um sussurro antigo, familiar e perigoso.
— Eu... não sabia que você ainda estava aqui.
— Eu nunca fui embora — ele respondeu, virando-se lentamente. — Só me escondi onde você não podia me encontrar.
Ela tentou manter a postura, mas a presença dele a desarmava. Damon estava mais maduro, mais sombrio. O mesmo charme, o mesmo mistério — mas havia algo diferente. Algo quebrado.
— Por quê? — ela perguntou, quase num sussurro. — Por que desapareceu?
Damon se aproximou, os passos lentos, como se cada movimento fosse uma escolha calculada.
— Porque te amar era perigoso. E eu não queria te destruir.
Helena sentiu as lágrimas ameaçarem. Mas não chorou. Não ainda.
— E agora?
Ele parou diante dela, tão perto que ela podia sentir o perfume amadeirado que sempre a deixava tonta.
— Agora... talvez seja tarde demais. Ou talvez seja a outra escolha que você nunca teve coragem de fazer.
O silêncio entre eles era denso, carregado de tudo que não foi dito. E ali, no sótão esquecido de uma casa antiga, Helena soube que sua vida estava prestes a mudar — de novo.
Helena desviou o olhar, tentando recuperar o controle da respiração. A presença de Damon era como um campo magnético — impossível de ignorar, impossível de escapar.
— Você não tem o direito de aparecer assim — ela disse, com a voz trêmula. — Depois de tudo. Depois de me deixar sem uma palavra.
Damon abaixou os olhos por um instante, como se carregasse o peso do mundo nos ombros.
— Eu sei. Mas se eu tivesse ficado... você teria se perdido comigo.
Helena deu um passo para trás, cruzando os braços como escudo.
— E você acha que eu não me perdi sem você?
O silêncio que se seguiu foi cortante. Damon se aproximou mais um passo, e agora estavam tão perto que ela podia ver a leve cicatriz abaixo do olho esquerdo dele — uma marca que não existia antes.
— O que aconteceu com você? — ela perguntou, quase num sussurro.
— Coisas que não posso explicar. Ainda não.
Ela queria odiá-lo. Queria gritar, empurrá-lo, dizer que ele não significava mais nada. Mas tudo nela gritava o contrário. O coração acelerado, a pele arrepiada, os olhos que insistiam em se perder nos dele.
— Você não pode simplesmente voltar e esperar que tudo esteja igual — ela disse, tentando manter a firmeza.
— Eu não espero nada — ele respondeu. — Só precisava te ver. Saber se você ainda era... você.
Helena sentiu o chão tremer sob seus pés. Não literalmente — mas emocionalmente, sim. Como se o mundo estivesse prestes a desmoronar de novo.
— Eu mudei, Damon. E você também.
Ele sorriu de leve, um sorriso triste, quase arrependido.
— Talvez. Mas algumas coisas não mudam. Como o que eu sinto quando olho pra você.
Ela fechou os olhos por um instante, tentando conter as lágrimas. Quando os abriu, ele ainda estava ali. Real. Presente. Assustadoramente próximo.
— Isso não é justo — ela disse.
— O amor nunca é — ele respondeu.
E então, sem aviso, ele tocou sua mão. Um toque leve, como se pedisse permissão para existir ali. Helena não recuou. Não dessa vez.
O sótão parecia respirar com eles. A luz do entardecer se tornava dourada, quase mágica. E naquele instante, entre o passado e o presente, entre dor e desejo, Helena soube que Damon não era apenas uma lembrança.
Ele era a outra escolha que o destino colocava diante dela — de novo.
Helena puxou a mão devagar, mas não com raiva — com medo. Medo do que aquele toque despertava. Medo do que ainda sentia.
— Você não pode simplesmente aparecer e me tocar como se nada tivesse acontecido — ela disse, a voz embargada.
Damon deu um passo atrás, respeitando o limite, mas sem esconder a dor nos olhos.
— Eu sei. Mas você também sabe que nada foi esquecido.
Ela se virou, encarando a janela. Lá fora, o céu escurecia, e as primeiras estrelas começavam a surgir. Era como se o universo estivesse assistindo àquele reencontro com olhos silenciosos.
— Eu esperei por você — Helena confessou, quase sem querer. — Esperei por uma explicação. Por uma carta. Um sinal. Qualquer coisa.
— Eu escrevi — ele disse, baixando o olhar. — Mas nunca tive coragem de enviar.
Helena se virou lentamente.
— Por quê?
Damon hesitou. O silêncio entre eles era denso, como se cada palavra não dita pesasse no ar.
— Porque o que eu tinha pra dizer... não era suficiente pra justificar o que eu fiz. E porque, se você soubesse tudo, talvez me odiasse.
Ela se aproximou, os olhos fixos nos dele.
— Tenta. Me conta. Me deixa decidir se eu te odeio ou não.
Damon respirou fundo. O ar parecia mais pesado agora.
— Eu fui embora porque alguém me ameaçou. Alguém que sabia sobre nós. Alguém que me fez escolher entre te proteger ou te perder.
Helena franziu o cenho.
— Quem?
— Lucien.
O nome caiu como uma pedra no peito dela. Lucien Moreau. O ex que ela tentou esquecer. O homem que sempre teve um jeito de manipular tudo ao redor.
— Ele disse que se eu ficasse, você pagaria o preço. E eu... eu não podia permitir isso.
Helena sentiu o chão desaparecer sob seus pés. Tudo que ela achava saber estava se desfazendo.
— Então você me deixou... pra me salvar?
— Eu te deixei porque te amo. E porque o amor, às vezes, exige sacrifício.
Ela não respondeu. Não podia. As palavras estavam presas entre o coração e a garganta.
Damon se aproximou mais uma vez, mas não tocou. Apenas olhou.
— Eu não vim pra te pedir nada. Só vim pra te ver. Pra saber se você ainda é minha Helena.
Ela o encarou. E naquele olhar, havia dor, raiva, saudade — e amor. Um amor que nunca foi apagado. Apenas adormecido.
— Eu não sei quem eu sou agora — ela disse. — Mas se você quiser descobrir comigo... talvez eu te deixe ficar.
Damon sorriu. Um sorriso pequeno, mas verdadeiro.
— Então essa é a outra escolha?
Helena assentiu, com lágrimas nos olhos.
— Talvez seja o começo dela.
E assim, no sótão esquecido de uma casa antiga, dois corações quebrados deram o primeiro passo rumo ao que poderia ser redenção — ou destruição.
Tudo dependia da próxima escolha.
Helena desceu lentamente as escadas do sótão, cada degrau rangendo como se ecoasse os pensamentos que fervilhavam em sua mente. Damon ficou lá em cima, imóvel, como se não soubesse se devia segui-la ou respeitar o silêncio que ela precisava.
Na sala, o relógio antigo marcava 22h17. O tempo parecia ter parado, mas o coração dela não. Batia rápido, como se tentasse acompanhar tudo que acabara de ouvir.
Ela se serviu de um copo d’água, mas não bebeu. Apenas segurou, como se o gesto a mantivesse ancorada à realidade.
— Você ainda está aí? — perguntou, sem olhar para cima.
— Estou — respondeu Damon, já no último degrau.
Helena se virou. Ele parecia mais vulnerável do que nunca. Sem a arrogância de antes. Sem as defesas.
— Você acha que pode simplesmente voltar e me contar tudo isso... e que eu vou te perdoar?
— Não — ele disse. — Mas eu espero que você me escute. Só isso.
Ela caminhou até ele, parando a poucos centímetros.
— Eu escutei. Agora escuta você: eu não sou mais a mesma. A Helena que você conheceu morreu no dia em que você desapareceu sem explicação.
Damon engoliu em seco.
— E quem você é agora?
Ela sorriu, mas era um sorriso triste.
— Alguém que aprendeu a sobreviver sem você. Mas que ainda não aprendeu a esquecer.
O silêncio entre eles era quase poético. Como se o universo estivesse prendendo a respiração.
— Então talvez eu tenha voltado no momento certo — ele disse.
— Ou no pior momento possível — ela rebateu.
Damon estendeu a mão, mas não tocou.
— Me deixa provar que ainda posso ser parte da sua vida. Nem que seja como alguém que te ajuda a lembrar quem você é.
Helena olhou para a mão dele. Depois para os olhos. E então, sem dizer nada, virou-se e caminhou até a porta.
— Amanhã, às oito. No café da esquina. Se você aparecer, talvez eu escute mais. Se não... então é melhor que essa tenha sido sua última escolha.
Ela saiu, deixando Damon sozinho na casa que um dia foi deles.
E ele soube, naquele instante, que o verdadeiro retorno não era físico — era emocional. E que o caminho até ela seria feito de passos lentos, palavras sinceras e escolhas difíceis.
O sol mal havia nascido quando Helena acordou. A noite anterior parecia um sonho — ou um pesadelo. Ela se levantou devagar, como se cada movimento exigisse mais força do que o corpo podia oferecer.
Na cozinha, Clara já estava acordada, sentada à mesa com uma xícara de chá nas mãos.
— Dormiu bem? — perguntou com um sorriso gentil.
Helena hesitou.
— Dormi... o suficiente.
Clara observou a sobrinha com olhos atentos. Sabia que algo havia mudado. Sentia no ar, no jeito como Helena evitava olhar pela janela, como se temesse ver alguém ali.
— Ele voltou, não é? — Clara disse, sem rodeios.
Helena parou de mexer o café.
— Como você sabe?
— Porque seus olhos estão diferentes. Estão feridos. E só uma pessoa tem esse poder sobre você.
Helena sentou-se à mesa, encarando a xícara como se ela pudesse responder às perguntas que a mente não conseguia formular.
— Eu não sei o que fazer, tia. Ele apareceu como se nunca tivesse partido. Disse que me deixou pra me proteger. Que Lucien o ameaçou.
Clara suspirou.
— Lucien sempre teve um jeito de se infiltrar onde não devia. Mas Damon... ele nunca foi simples. E o amor dele por você nunca foi leve.
Helena assentiu, sentindo o peso da verdade.
— Ele quer me ver hoje. No café da esquina.
— E você vai?
— Eu não sei. Parte de mim quer respostas. Outra parte quer distância.
Clara tocou a mão da sobrinha com delicadeza.
— Às vezes, os olhos que mais nos ferem são os que mais nos enxergam. E Damon sempre te viu como ninguém.
Helena engoliu em seco. Sabia que Clara estava certa. Mas também sabia que se deixasse Damon se aproximar de novo, não haveria volta.
Horas depois, já vestida e pronta, Helena caminhava pelas ruas de Montclair. O café da esquina estava à vista. Pequeno, aconchegante, com mesas de madeira e cheiro de pão fresco.
Ela parou diante da porta. Respirou fundo. E entrou.
Damon já estava lá.
Sentado à mesa do fundo, com uma xícara de café nas mãos e os olhos fixos nela. Olhos que feriam. Olhos que curavam. Olhos que ela nunca conseguiu esquecer.
— Você veio — ele disse, com um sorriso contido.
— Eu vim — ela respondeu, sentando-se à frente dele. — Mas não sei se foi a melhor escolha.
Damon inclinou-se levemente.
— Às vezes, a melhor escolha é justamente aquela que mais nos assusta.
Helena o encarou. E naquele instante, soube que o jogo havia recomeçado.
Mas desta vez, ela não seria apenas uma peça.
Ela seria quem escolheria o final.
Helena envolveu a xícara com as mãos, tentando encontrar calor na porcelana. Mas o frio que sentia vinha de dentro. Damon a observava com atenção, como se cada gesto dela fosse uma pista, uma chave para algo que ele ainda não compreendia.
— Você mudou — ele disse, quebrando o silêncio.
— Todos mudam, Damon. Principalmente depois de serem abandonados.
Ele assentiu, sem se defender.
— Eu não vim aqui pra justificar o que fiz. Só quero que você saiba que... não houve um dia em que eu não pensasse em você.
Helena riu, mas o som saiu amargo.
— Pensar não é o mesmo que estar. E você escolheu não estar.
Damon se inclinou para frente, os olhos mais intensos do que nunca.
— Eu escolhi te proteger. Lucien me deu uma escolha: ou eu sumia, ou ele faria você pagar por tudo que eu era.
— E você acreditou nele?
— Eu conheço Lucien. Sei do que ele é capaz. E você não fazia ideia do que estava envolvida.
Helena apertou os lábios, tentando conter a raiva.
— Você acha que me proteger significa me deixar sozinha? Me fazer acreditar que fui descartada?
— Eu achava que o tempo te curaria. Que você seguiria em frente.
Ela o encarou, os olhos marejados.
— Eu segui. Mas não curei. E agora você volta, como se pudesse costurar tudo que rasgou.
Damon abaixou o olhar, como se carregasse o peso de cada palavra dela.
— Eu não quero costurar. Quero começar de novo. Se você permitir.
Helena respirou fundo. O café ao redor parecia desaparecer. Só existia ele. E ela. E tudo que ainda doía.
— E se eu não quiser começar de novo?
— Então eu vou embora. Mas dessa vez, com a verdade dita. E com a esperança de que, um dia, você entenda que tudo que fiz... foi por amor.
Ela ficou em silêncio. O coração batia alto demais. As mãos tremiam. Mas os olhos... os olhos dela estavam firmes.
— Você tem uma chance, Damon. Uma. E ela começa agora. Me conta tudo. Sem mentiras. Sem omissões.
Damon assentiu. E então, com a voz baixa e firme, começou a revelar o que realmente aconteceu cinco anos atrás.
E Helena soube que aquele café seria o início de algo maior — algo que poderia curá-la ou destruí-la de vez.
Damon passou a mão pelos cabelos, como se tentasse organizar os pensamentos antes de abrir a porta do passado.
— Na noite em que desapareci, eu estava decidido a te contar tudo. Sobre mim. Sobre o que eu sou. Sobre o que carrego.
Helena franziu o cenho.
— O que você carrega?
Ele olhou para ela com uma intensidade que a fez estremecer.
— Uma maldição. Literalmente.
Ela riu, nervosa.
— Damon, isso não é um livro de fantasia.
— Não — ele disse, sério. — Mas minha vida tem sido uma sequência de eventos que ninguém explicaria com lógica. E tudo começou muito antes de você me conhecer.
Helena se calou. Algo na expressão dele dizia que ele não estava brincando. Que aquilo era real — ou, pelo menos, real para ele.
— Lucien sabia. Ele descobriu. E usou isso contra mim. Disse que se eu não sumisse, revelaria tudo. Que te colocaria em perigo. Que te faria sofrer.
— E você acreditou?
— Eu vi do que ele era capaz. Ele não ameaçou só você. Ele ameaçou Clara. Beatriz. Até Eduardo.
Helena sentiu um arrepio subir pela espinha.
— Eduardo? Seu irmão?
Damon assentiu.
— Ele tentou me ajudar. Mas Lucien é mais poderoso do que parece. E mais cruel.
Helena apertou a xícara com força.
— Então você fugiu. E me deixou no escuro.
— Sim. Porque se você soubesse... talvez tentasse me salvar. E isso te destruiria.
Ela se levantou, o coração acelerado.
— Você não me deu escolha, Damon. Você decidiu por mim. E isso... isso é o que mais dói.
Damon se levantou também, os olhos fixos nos dela.
— Eu sei. E é por isso que estou aqui. Pra te dar o que te neguei: a verdade. E a escolha.
Helena respirou fundo. Lá fora, o céu começava a se nublar. Como se o universo refletisse o turbilhão dentro dela.
— Então me diz... o que você é?
Damon hesitou. E então, com a voz baixa, quase como um segredo roubado do tempo, ele respondeu:
— Eu não sou só um homem, Helena. Sou algo que não deveria existir. E se você quiser saber tudo... vai precisar estar pronta pra ver o que ninguém mais viu.
Ela o encarou. E naquele instante, soube que a ferida que ele deixara não era apenas emocional.
Era sobrenatural.
E que a outra escolha estava apenas começando.
Helena permaneceu em pé, diante de Damon, como se a revelação tivesse suspendido o tempo. A frase dele ecoava em sua mente: “Sou algo que não deveria existir.”
— Você está falando de quê exatamente? — ela perguntou, tentando manter a racionalidade. — De magia? De maldição? De quê?
Damon se aproximou, mas não tocou. Seus olhos estavam mais escuros agora, como se uma sombra tivesse atravessado sua alma.
— Eu não envelheço, Helena. Não como os outros. E há noites em que... eu não sou eu. Há algo dentro de mim que desperta. Algo que não posso controlar.
Ela recuou um passo, o coração acelerado.
— Você está dizendo que é... o quê? Um monstro?
— Não. Mas também não sou só humano. Não completamente.
Helena sentiu o chão sob seus pés se tornar instável. Tudo nela gritava para sair dali, fugir, negar. Mas ela ficou. Porque, apesar do medo, havia algo mais forte: a necessidade de entender.
— E isso tem a ver com Lucien?
Damon assentiu.
— Ele pertence à mesma linhagem. Mas escolheu o lado sombrio. Ele se alimenta da dor dos outros. E quando percebeu que eu podia resistir... tentou me destruir por dentro.
Helena se sentou novamente, as mãos trêmulas.
— E eu? Onde eu entro nisso?
Damon se ajoelhou diante dela, os olhos fixos nos dela.
— Você é a única coisa que me manteve humano. Que me fez lutar contra o que sou. Mas amar você... também me torna vulnerável. E Lucien sabe disso.
Ela respirou fundo, tentando processar tudo.
— Então você voltou... pra me proteger?
— Voltei porque não consigo mais viver sem saber se você ainda me vê como antes. Se ainda existe espaço pra mim no seu mundo.
Helena olhou para ele. E naquele instante, não viu o monstro. Não viu o mistério. Viu o homem. O mesmo que a fez sorrir quando tudo parecia perdido. O mesmo que a deixou em pedaços — mas que agora tentava juntar cada fragmento.
— Eu não sei o que você é, Damon. Mas sei o que você foi pra mim. E talvez... eu precise descobrir o que você ainda pode ser.
Damon sorriu. Um sorriso pequeno, mas verdadeiro.
— Então me deixa te mostrar. Um dia de cada vez.
Ela assentiu, com os olhos marejados.
— Um dia de cada vez.
E assim, entre verdades impossíveis e sentimentos incontroláveis, Helena deu o primeiro passo rumo ao desconhecido. Porque às vezes, os olhos que mais ferem... são os únicos que enxergam quem você realmente é.
Helena caminhava pela trilha do bosque atrás da casa de Clara, onde costumava se esconder quando era adolescente. O lugar ainda tinha o mesmo cheiro de terra úmida e folhas secas, mas agora parecia mais silencioso. Mais carregado.
Ela precisava pensar. Precisava respirar longe de Damon, longe da confusão que ele trazia com cada palavra.
No bolso do casaco, seus dedos encontraram algo que não tocavam há anos: uma correntinha de prata com um pingente em forma de lua. Damon havia lhe dado no último verão antes de desaparecer. E junto com ela, uma promessa:
> “Enquanto você usar isso, eu estarei com você. Mesmo que não possa estar por perto.”
Helena apertou o pingente com força. A promessa havia sido quebrada. E agora, Damon queria reconstruí-la como se o tempo não tivesse passado.
Ela se sentou em uma pedra coberta de musgo e fechou os olhos. As lembranças vieram como ondas: o primeiro beijo sob a chuva, os bilhetes escondidos nos livros, as noites em que ele aparecia na janela só para vê-la dormir.
E depois... o vazio.
— Você ainda usa isso? — disse uma voz atrás dela.
Ela se virou. Damon estava ali, como se o bosque o tivesse chamado.
— Não por você — ela respondeu. — Por mim. Pra lembrar do que eu perdi.
Ele se aproximou devagar, respeitando a distância.
— Eu nunca quis que você perdesse nada. Só queria que você sobrevivesse.
— E acha que eu sobrevivi?
Damon abaixou o olhar.
— Não sei. Mas você está aqui. E isso já é mais do que eu esperava.
Helena se levantou, encarando-o.
— Você me prometeu que estaria comigo. Que não importava o que acontecesse, você não iria embora.
— Eu sei. E falhei.
— Então por que eu deveria acreditar em qualquer coisa que você diga agora?
Damon se aproximou mais um passo. Os olhos dele estavam cheios de arrependimento.
— Porque eu não vim pra repetir promessas. Vim pra cumprir o que não cumpri.
Ela hesitou. O coração queria acreditar. Mas a mente gritava por cautela.
— Uma promessa quebrada não se conserta com palavras, Damon.
— Eu sei. Por isso estou aqui. Pra provar com ações.
Helena olhou para ele por um longo tempo. E então, sem dizer nada, tirou a correntinha do pescoço e colocou na mão dele.
— Se quer começar de novo... então começa por aqui. Me mostra que ainda existe verdade nisso.
Damon fechou a mão sobre o pingente, como se segurasse o próprio destino.
— Eu vou te mostrar. Um dia de cada vez.
E naquele instante, entre árvores silenciosas e lembranças dolorosas, Helena deu a ele a chance que nunca pensou que daria.
Mas no fundo, ela sabia: promessas quebradas deixam marcas. E algumas nunca cicatrizam por completo.
Damon guardou o pingente no bolso da jaqueta com um cuidado reverente, como se estivesse recebendo não apenas um objeto, mas uma nova chance. Helena observava cada gesto dele, tentando decifrar se havia sinceridade ou apenas mais uma camada de charme.
— Você sempre soube como me desarmar — ela disse, cruzando os braços. — Mas agora, isso não vai ser tão fácil.
— Eu não quero te desarmar, Helena. Quero que você me veja como eu sou. Sem máscaras. Sem promessas vazias.
Ela arqueou uma sobrancelha.
— E quem você é, Damon?
Ele hesitou. O vento soprou entre as árvores, como se o bosque também esperasse a resposta.
— Alguém que errou. Que fugiu. Que teve medo. Mas que nunca deixou de te amar.
Helena sentiu o coração apertar. Era fácil se perder nas palavras dele. Damon sempre soube como tocar as partes mais vulneráveis dela. Mas agora, ela não era mais a garota que acreditava em cada frase bonita.
— Amar não é suficiente — ela disse. — Não quando o amor vem acompanhado de abandono.
Damon se aproximou, os olhos fixos nos dela.
— Então me diz o que é suficiente. Me diz o que eu preciso fazer pra te mostrar que estou aqui. Que não vou fugir de novo.
Ela respirou fundo. O ar parecia mais denso, como se o tempo estivesse suspenso entre eles.
— Você quer saber? Então começa sendo honesto. Me conta tudo. Sem me proteger. Sem me poupar.
Damon assentiu lentamente.
— Tudo começou muito antes de você. Antes mesmo de Montclair. Eu fui marcado por algo que não escolhi. Uma linhagem antiga, amaldiçoada. E Lucien... ele é parte disso. Mas diferente de mim, ele abraçou o lado sombrio.
Helena franziu o cenho.
— E você?
— Eu lutei contra isso. Mas a cada ano, a cada ciclo, fica mais difícil. E quando te conheci... foi como se algo em mim tivesse esperança de redenção.
Ela se sentou novamente na pedra, absorvendo cada palavra.
— Então você fugiu pra me proteger de você?
— Sim. E de Lucien. Ele queria te usar. Queria me destruir através de você.
Helena abaixou o olhar. As peças começavam a se encaixar, mas o quebra-cabeça ainda estava incompleto.
— E agora? Ele ainda está por perto?
Damon olhou para o horizonte, como se sentisse algo além da floresta.
— Ele nunca foi embora. Só está esperando o momento certo.
Helena se levantou, determinada.
— Então não vamos esperar. Se você quer provar que está comigo... começa me ajudando a enfrentar isso.
Damon sorriu, um sorriso triste e orgulhoso.
— Você sempre foi mais forte do que eu.
— Não. Eu só aprendi a sobreviver. Agora quero aprender a lutar.
E assim, entre árvores antigas e verdades reveladas, Helena e Damon selaram um novo pacto. Não com promessas, mas com ação. Porque às vezes, o amor precisa ser reconstruído com coragem — e enfrentado com olhos abertos, mesmo quando eles ferem.
Helena caminhava ao lado de Damon, em silêncio. A conversa anterior ainda ecoava em sua mente, mas algo no ambiente parecia chamá-la. Um sussurro suave, quase imperceptível, vinha de uma árvore retorcida, com raízes expostas como dedos tentando alcançar o céu.
— Espera — ela disse, parando de repente.
Damon observou enquanto ela se ajoelhava diante da árvore. Entre as raízes, havia algo envolto em tecido envelhecido. Com cuidado, Helena puxou o objeto e revelou um pequeno diário de capa de couro, marcado com o símbolo da família Montclair: uma lua crescente entrelaçada com uma rosa.
— Isso era da minha mãe — ela murmurou, reconhecendo a caligrafia delicada na primeira página.
Damon se aproximou, respeitosamente.
— Eleanor era sábia. Se ela deixou isso aqui, é porque queria que você encontrasse.
Helena folheou as páginas, os olhos correndo por palavras que pareciam escritas com urgência e dor. Uma entrada em particular chamou sua atenção:
> “Lucien não é apenas um inimigo. Ele é sangue. Um segredo que escondemos por gerações. Damon não sabe. Helena não pode saber. Mas o tempo está se esgotando. Se ela descobrir, tudo mudará.”
Helena sentiu o mundo girar.
— Lucien... é da minha família?
Damon empalideceu.
— Isso não pode ser verdade.
Ela continuou lendo, cada linha revelando mais sobre pactos antigos, maldições herdadas e uma guerra silenciosa que atravessava gerações. Eleanor havia tentado proteger Helena, mas também sabia que um dia ela teria que enfrentar a verdade.
— Então é isso — Helena disse, fechando o diário com firmeza. — Eu sou parte disso. Não só como vítima, mas como herdeira. E se Lucien é sangue... então talvez eu seja a única capaz de detê-lo.
Damon tocou o ombro dela, com um misto de medo e admiração.
— Você não está sozinha, Helena. Nunca esteve.
Ela olhou para ele, os olhos brilhando com uma nova força.
— Então vamos descobrir tudo. Juntos. Porque se minha mãe acreditava que eu era capaz... eu vou provar que ela estava certa.
E com o diário em mãos, Helena deu o primeiro passo rumo a uma verdade que mudaria não só sua história, mas o destino de todos ao redor.
A estufa estava coberta por trepadeiras e musgo, como se a natureza tivesse tentado apagar sua existência. Mas Helena lembrava bem daquele lugar — onde sua mãe cultivava flores raras e, segundo as lendas da família, também guardava relíquias de proteção.
Damon empurrou a porta enferrujada, que rangeu como um aviso. O cheiro de terra molhada e folhas secas invadiu o ar. Helena entrou primeiro, segurando o diário contra o peito.
— Ela passava horas aqui — disse Helena, olhando para os vasos quebrados e as prateleiras cobertas de poeira. — Sempre dizia que as plantas escutavam melhor do que as pessoas.
Damon sorriu de leve.
— Talvez por isso ela tenha escondido o que sabia aqui.
Helena abriu o diário novamente e encontrou uma anotação com coordenadas e um símbolo desenhado à mão: uma rosa negra envolta por espinhos. Ela olhou ao redor e viu, no canto mais escuro da estufa, uma pequena porta de madeira coberta por heras.
— Ali — ela apontou.
Com esforço, Damon arrancou as plantas e abriu a porta. Dentro, havia uma escada estreita que descia para uma sala subterrânea. O ar ali era mais frio, como se o tempo tivesse parado.
No centro da sala, uma mesa de pedra sustentava um baú antigo. Helena se aproximou e, com mãos trêmulas, abriu o baú. Dentro, havia pergaminhos, frascos com líquidos brilhantes e uma carta selada com cera vermelha.
Ela quebrou o selo e leu em voz alta:
> “Se você está lendo isso, é porque o ciclo recomeçou. Helena, minha filha, você é a guardiã da Rosa Negra. O poder que Lucien busca está em você. Mas cuidado: ele não quer apenas destruir — ele quer se unir. Porque juntos, vocês despertariam algo que o mundo não está pronto para enfrentar.”
Helena sentiu um arrepio.
— Ele quer me transformar. Não só me usar... mas me corromper.
Damon apertou a mão dela.
— Então temos que impedir isso. Antes que ele te encontre. Ou pior... antes que você comece a ouvir o chamado.
Helena olhou para o diário, para os pergaminhos, para tudo que sua mãe havia deixado. A promessa quebrada agora se transformava em uma missão. E ela sabia: o que estava por vir exigiria mais do que coragem — exigiria sacrifício.
Helena encarava a marca em seu pulso. A pele parecia pulsar, como se o símbolo estivesse vivo. Damon se ajoelhou ao lado dela, examinando com cuidado.
— Isso não é só uma marca — ele disse. — É um selo. Um vínculo mágico. E se ele apareceu agora, significa que Lucien já iniciou o ritual.
— Ritual? — Helena perguntou, tentando manter a calma.
— Ele está tentando despertar o poder ancestral que corre no seu sangue. A Rosa Negra não é apenas um símbolo. É uma entidade. Uma força que dorme dentro de você. E se ele conseguir ativá-la completamente...
Helena se afastou, o coração acelerado.
— Eu não vou deixar isso acontecer. Não vou me tornar uma arma.
Damon se levantou, os olhos ardendo com determinação.
— Então precisamos encontrar o Círculo. Os antigos guardiões que ajudaram Eleanor a conter esse poder. Eles desapareceram depois da última conjunção, mas há rumores de que um deles ainda vive... em Raventon.
Helena franziu o cenho.
— Raventon? A cidade fantasma?
— Não tão fantasma quanto dizem. Se alguém pode te ajudar a controlar essa força, é ele: Alaric, o último guardião.
Helena olhou para o diário mais uma vez. Havia uma página rasgada, como se alguém tivesse arrancado uma parte importante. Ela passou os dedos sobre o espaço vazio.
— Minha mãe tentou me proteger. Mas agora, eu preciso descobrir tudo. Mesmo que doa.
Damon tocou o pingente que ela havia lhe dado.
— E eu vou estar com você. Até o fim.
Ela sorriu, um sorriso triste, mas firme.
— Então vamos a Raventon. Antes que Lucien decida que esperar não é mais necessário.
Eles saíram da estufa, o céu já tingido de tons dourados. A floresta parecia mais silenciosa, como se estivesse observando. E enquanto caminhavam, Helena sentia a marca em seu pulso arder — não de dor, mas de poder.
Um poder que ela ainda não compreendia.
Um poder que poderia salvá-la.
Ou destruí-la.
Antes de partir, Helena pediu que Damon a levasse a um lugar específico: o mirante da colina, onde eles costumavam se encontrar nas noites de verão. O lugar estava intacto, como se o tempo tivesse congelado ali, esperando por eles.
O vento soprava forte, e o céu começava a se tingir de azul profundo. Helena caminhou até a borda do mirante e olhou para a cidade abaixo. As luzes de Montclair piscavam como lembranças vivas.
— Foi aqui — ela disse, sem olhar para Damon. — Foi aqui que você me prometeu que nunca iria embora.
Damon se aproximou devagar.
— Eu lembro. E lembro do que senti quando quebrei essa promessa.
Helena virou-se para ele, os olhos marejados.
— Você me deixou com perguntas. Com medo. Com raiva. Mas o pior... foi a ausência. O silêncio. O vazio.
Damon assentiu, a dor visível em seu rosto.
— Eu não posso apagar o que fiz. Mas posso te dar todas as respostas agora. E posso lutar ao seu lado, se você me permitir.
Ela olhou para ele por um longo tempo. E então, tirou do bolso uma pequena folha dobrada — uma carta que ela escreveu para ele, mas nunca enviou.
— Eu escrevi isso no dia seguinte à sua partida. Nunca tive coragem de queimar. Nem de entregar. Mas agora... acho que você precisa ler.
Damon pegou a carta com mãos trêmulas. Abriu devagar. Leu em silêncio. E quando terminou, os olhos estavam cheios de lágrimas contidas.
— Você ainda me amava — ele disse, com a voz rouca.
— Eu nunca parei — ela respondeu. — Mas amar não é esquecer. E eu não esqueci nada.
Damon se aproximou, e dessa vez, tocou o rosto dela com delicadeza.
— Então me deixa fazer parte da sua memória de novo. Não como uma promessa quebrada. Mas como alguém que escolheu ficar.
Helena fechou os olhos por um instante. Sentiu o toque dele. Sentiu o peso da dor e da esperança. E então, abriu os olhos com firmeza.
— Raventon nos espera. E se o que está dentro de mim é real... então chegou a hora de descobrir quem eu sou. Com ou sem você.
Damon sorriu, respeitando a força dela.
— Com você. Sempre.
Eles se afastaram do mirante, lado a lado, rumo ao desconhecido. E atrás deles, o vento levou a última folha do diário de Eleanor, que havia caído no chão — revelando uma frase escrita à mão:
> “A Rosa Negra floresce na dor. Mas só o amor verdadeiro pode impedir que ela se torne veneno.”
Helena não viu. Mas em breve, ela entenderia.
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