A Promessa Quebrada

Helena caminhava pela trilha do bosque atrás da casa de Clara, onde costumava se esconder quando era adolescente. O lugar ainda tinha o mesmo cheiro de terra úmida e folhas secas, mas agora parecia mais silencioso. Mais carregado.

Ela precisava pensar. Precisava respirar longe de Damon, longe da confusão que ele trazia com cada palavra.

No bolso do casaco, seus dedos encontraram algo que não tocavam há anos: uma correntinha de prata com um pingente em forma de lua. Damon havia lhe dado no último verão antes de desaparecer. E junto com ela, uma promessa:

> “Enquanto você usar isso, eu estarei com você. Mesmo que não possa estar por perto.”

Helena apertou o pingente com força. A promessa havia sido quebrada. E agora, Damon queria reconstruí-la como se o tempo não tivesse passado.

Ela se sentou em uma pedra coberta de musgo e fechou os olhos. As lembranças vieram como ondas: o primeiro beijo sob a chuva, os bilhetes escondidos nos livros, as noites em que ele aparecia na janela só para vê-la dormir.

E depois... o vazio.

— Você ainda usa isso? — disse uma voz atrás dela.

Ela se virou. Damon estava ali, como se o bosque o tivesse chamado.

— Não por você — ela respondeu. — Por mim. Pra lembrar do que eu perdi.

Ele se aproximou devagar, respeitando a distância.

— Eu nunca quis que você perdesse nada. Só queria que você sobrevivesse.

— E acha que eu sobrevivi?

Damon abaixou o olhar.

— Não sei. Mas você está aqui. E isso já é mais do que eu esperava.

Helena se levantou, encarando-o.

— Você me prometeu que estaria comigo. Que não importava o que acontecesse, você não iria embora.

— Eu sei. E falhei.

— Então por que eu deveria acreditar em qualquer coisa que você diga agora?

Damon se aproximou mais um passo. Os olhos dele estavam cheios de arrependimento.

— Porque eu não vim pra repetir promessas. Vim pra cumprir o que não cumpri.

Ela hesitou. O coração queria acreditar. Mas a mente gritava por cautela.

— Uma promessa quebrada não se conserta com palavras, Damon.

— Eu sei. Por isso estou aqui. Pra provar com ações.

Helena olhou para ele por um longo tempo. E então, sem dizer nada, tirou a correntinha do pescoço e colocou na mão dele.

— Se quer começar de novo... então começa por aqui. Me mostra que ainda existe verdade nisso.

Damon fechou a mão sobre o pingente, como se segurasse o próprio destino.

— Eu vou te mostrar. Um dia de cada vez.

E naquele instante, entre árvores silenciosas e lembranças dolorosas, Helena deu a ele a chance que nunca pensou que daria.

Mas no fundo, ela sabia: promessas quebradas deixam marcas. E algumas nunca cicatrizam por completo.

Damon guardou o pingente no bolso da jaqueta com um cuidado reverente, como se estivesse recebendo não apenas um objeto, mas uma nova chance. Helena observava cada gesto dele, tentando decifrar se havia sinceridade ou apenas mais uma camada de charme.

— Você sempre soube como me desarmar — ela disse, cruzando os braços. — Mas agora, isso não vai ser tão fácil.

— Eu não quero te desarmar, Helena. Quero que você me veja como eu sou. Sem máscaras. Sem promessas vazias.

Ela arqueou uma sobrancelha.

— E quem você é, Damon?

Ele hesitou. O vento soprou entre as árvores, como se o bosque também esperasse a resposta.

— Alguém que errou. Que fugiu. Que teve medo. Mas que nunca deixou de te amar.

Helena sentiu o coração apertar. Era fácil se perder nas palavras dele. Damon sempre soube como tocar as partes mais vulneráveis dela. Mas agora, ela não era mais a garota que acreditava em cada frase bonita.

— Amar não é suficiente — ela disse. — Não quando o amor vem acompanhado de abandono.

Damon se aproximou, os olhos fixos nos dela.

— Então me diz o que é suficiente. Me diz o que eu preciso fazer pra te mostrar que estou aqui. Que não vou fugir de novo.

Ela respirou fundo. O ar parecia mais denso, como se o tempo estivesse suspenso entre eles.

— Você quer saber? Então começa sendo honesto. Me conta tudo. Sem me proteger. Sem me poupar.

Damon assentiu lentamente.

— Tudo começou muito antes de você. Antes mesmo de Montclair. Eu fui marcado por algo que não escolhi. Uma linhagem antiga, amaldiçoada. E Lucien... ele é parte disso. Mas diferente de mim, ele abraçou o lado sombrio.

Helena franziu o cenho.

— E você?

— Eu lutei contra isso. Mas a cada ano, a cada ciclo, fica mais difícil. E quando te conheci... foi como se algo em mim tivesse esperança de redenção.

Ela se sentou novamente na pedra, absorvendo cada palavra.

— Então você fugiu pra me proteger de você?

— Sim. E de Lucien. Ele queria te usar. Queria me destruir através de você.

Helena abaixou o olhar. As peças começavam a se encaixar, mas o quebra-cabeça ainda estava incompleto.

— E agora? Ele ainda está por perto?

Damon olhou para o horizonte, como se sentisse algo além da floresta.

— Ele nunca foi embora. Só está esperando o momento certo.

Helena se levantou, determinada.

— Então não vamos esperar. Se você quer provar que está comigo... começa me ajudando a enfrentar isso.

Damon sorriu, um sorriso triste e orgulhoso.

— Você sempre foi mais forte do que eu.

— Não. Eu só aprendi a sobreviver. Agora quero aprender a lutar.

E assim, entre árvores antigas e verdades reveladas, Helena e Damon selaram um novo pacto. Não com promessas, mas com ação. Porque às vezes, o amor precisa ser reconstruído com coragem — e enfrentado com olhos abertos, mesmo quando eles ferem.

Helena caminhava ao lado de Damon, em silêncio. A conversa anterior ainda ecoava em sua mente, mas algo no ambiente parecia chamá-la. Um sussurro suave, quase imperceptível, vinha de uma árvore retorcida, com raízes expostas como dedos tentando alcançar o céu.

— Espera — ela disse, parando de repente.

Damon observou enquanto ela se ajoelhava diante da árvore. Entre as raízes, havia algo envolto em tecido envelhecido. Com cuidado, Helena puxou o objeto e revelou um pequeno diário de capa de couro, marcado com o símbolo da família Montclair: uma lua crescente entrelaçada com uma rosa.

— Isso era da minha mãe — ela murmurou, reconhecendo a caligrafia delicada na primeira página.

Damon se aproximou, respeitosamente.

— Eleanor era sábia. Se ela deixou isso aqui, é porque queria que você encontrasse.

Helena folheou as páginas, os olhos correndo por palavras que pareciam escritas com urgência e dor. Uma entrada em particular chamou sua atenção:

> “Lucien não é apenas um inimigo. Ele é sangue. Um segredo que escondemos por gerações. Damon não sabe. Helena não pode saber. Mas o tempo está se esgotando. Se ela descobrir, tudo mudará.”

Helena sentiu o mundo girar.

— Lucien... é da minha família?

Damon empalideceu.

— Isso não pode ser verdade.

Ela continuou lendo, cada linha revelando mais sobre pactos antigos, maldições herdadas e uma guerra silenciosa que atravessava gerações. Eleanor havia tentado proteger Helena, mas também sabia que um dia ela teria que enfrentar a verdade.

— Então é isso — Helena disse, fechando o diário com firmeza. — Eu sou parte disso. Não só como vítima, mas como herdeira. E se Lucien é sangue... então talvez eu seja a única capaz de detê-lo.

Damon tocou o ombro dela, com um misto de medo e admiração.

— Você não está sozinha, Helena. Nunca esteve.

Ela olhou para ele, os olhos brilhando com uma nova força.

— Então vamos descobrir tudo. Juntos. Porque se minha mãe acreditava que eu era capaz... eu vou provar que ela estava certa.

E com o diário em mãos, Helena deu o primeiro passo rumo a uma verdade que mudaria não só sua história, mas o destino de todos ao redor.

A estufa estava coberta por trepadeiras e musgo, como se a natureza tivesse tentado apagar sua existência. Mas Helena lembrava bem daquele lugar — onde sua mãe cultivava flores raras e, segundo as lendas da família, também guardava relíquias de proteção.

Damon empurrou a porta enferrujada, que rangeu como um aviso. O cheiro de terra molhada e folhas secas invadiu o ar. Helena entrou primeiro, segurando o diário contra o peito.

— Ela passava horas aqui — disse Helena, olhando para os vasos quebrados e as prateleiras cobertas de poeira. — Sempre dizia que as plantas escutavam melhor do que as pessoas.

Damon sorriu de leve.

— Talvez por isso ela tenha escondido o que sabia aqui.

Helena abriu o diário novamente e encontrou uma anotação com coordenadas e um símbolo desenhado à mão: uma rosa negra envolta por espinhos. Ela olhou ao redor e viu, no canto mais escuro da estufa, uma pequena porta de madeira coberta por heras.

— Ali — ela apontou.

Com esforço, Damon arrancou as plantas e abriu a porta. Dentro, havia uma escada estreita que descia para uma sala subterrânea. O ar ali era mais frio, como se o tempo tivesse parado.

No centro da sala, uma mesa de pedra sustentava um baú antigo. Helena se aproximou e, com mãos trêmulas, abriu o baú. Dentro, havia pergaminhos, frascos com líquidos brilhantes e uma carta selada com cera vermelha.

Ela quebrou o selo e leu em voz alta:

> “Se você está lendo isso, é porque o ciclo recomeçou. Helena, minha filha, você é a guardiã da Rosa Negra. O poder que Lucien busca está em você. Mas cuidado: ele não quer apenas destruir — ele quer se unir. Porque juntos, vocês despertariam algo que o mundo não está pronto para enfrentar.”

Helena sentiu um arrepio.

— Ele quer me transformar. Não só me usar... mas me corromper.

Damon apertou a mão dela.

— Então temos que impedir isso. Antes que ele te encontre. Ou pior... antes que você comece a ouvir o chamado.

Helena olhou para o diário, para os pergaminhos, para tudo que sua mãe havia deixado. A promessa quebrada agora se transformava em uma missão. E ela sabia: o que estava por vir exigiria mais do que coragem — exigiria sacrifício.

Helena encarava a marca em seu pulso. A pele parecia pulsar, como se o símbolo estivesse vivo. Damon se ajoelhou ao lado dela, examinando com cuidado.

— Isso não é só uma marca — ele disse. — É um selo. Um vínculo mágico. E se ele apareceu agora, significa que Lucien já iniciou o ritual.

— Ritual? — Helena perguntou, tentando manter a calma.

— Ele está tentando despertar o poder ancestral que corre no seu sangue. A Rosa Negra não é apenas um símbolo. É uma entidade. Uma força que dorme dentro de você. E se ele conseguir ativá-la completamente...

Helena se afastou, o coração acelerado.

— Eu não vou deixar isso acontecer. Não vou me tornar uma arma.

Damon se levantou, os olhos ardendo com determinação.

— Então precisamos encontrar o Círculo. Os antigos guardiões que ajudaram Eleanor a conter esse poder. Eles desapareceram depois da última conjunção, mas há rumores de que um deles ainda vive... em Raventon.

Helena franziu o cenho.

— Raventon? A cidade fantasma?

— Não tão fantasma quanto dizem. Se alguém pode te ajudar a controlar essa força, é ele: Alaric, o último guardião.

Helena olhou para o diário mais uma vez. Havia uma página rasgada, como se alguém tivesse arrancado uma parte importante. Ela passou os dedos sobre o espaço vazio.

— Minha mãe tentou me proteger. Mas agora, eu preciso descobrir tudo. Mesmo que doa.

Damon tocou o pingente que ela havia lhe dado.

— E eu vou estar com você. Até o fim.

Ela sorriu, um sorriso triste, mas firme.

— Então vamos a Raventon. Antes que Lucien decida que esperar não é mais necessário.

Eles saíram da estufa, o céu já tingido de tons dourados. A floresta parecia mais silenciosa, como se estivesse observando. E enquanto caminhavam, Helena sentia a marca em seu pulso arder — não de dor, mas de poder.

Um poder que ela ainda não compreendia.

Um poder que poderia salvá-la.

Ou destruí-la.

Antes de partir, Helena pediu que Damon a levasse a um lugar específico: o mirante da colina, onde eles costumavam se encontrar nas noites de verão. O lugar estava intacto, como se o tempo tivesse congelado ali, esperando por eles.

O vento soprava forte, e o céu começava a se tingir de azul profundo. Helena caminhou até a borda do mirante e olhou para a cidade abaixo. As luzes de Montclair piscavam como lembranças vivas.

— Foi aqui — ela disse, sem olhar para Damon. — Foi aqui que você me prometeu que nunca iria embora.

Damon se aproximou devagar.

— Eu lembro. E lembro do que senti quando quebrei essa promessa.

Helena virou-se para ele, os olhos marejados.

— Você me deixou com perguntas. Com medo. Com raiva. Mas o pior... foi a ausência. O silêncio. O vazio.

Damon assentiu, a dor visível em seu rosto.

— Eu não posso apagar o que fiz. Mas posso te dar todas as respostas agora. E posso lutar ao seu lado, se você me permitir.

Ela olhou para ele por um longo tempo. E então, tirou do bolso uma pequena folha dobrada — uma carta que ela escreveu para ele, mas nunca enviou.

— Eu escrevi isso no dia seguinte à sua partida. Nunca tive coragem de queimar. Nem de entregar. Mas agora... acho que você precisa ler.

Damon pegou a carta com mãos trêmulas. Abriu devagar. Leu em silêncio. E quando terminou, os olhos estavam cheios de lágrimas contidas.

— Você ainda me amava — ele disse, com a voz rouca.

— Eu nunca parei — ela respondeu. — Mas amar não é esquecer. E eu não esqueci nada.

Damon se aproximou, e dessa vez, tocou o rosto dela com delicadeza.

— Então me deixa fazer parte da sua memória de novo. Não como uma promessa quebrada. Mas como alguém que escolheu ficar.

Helena fechou os olhos por um instante. Sentiu o toque dele. Sentiu o peso da dor e da esperança. E então, abriu os olhos com firmeza.

— Raventon nos espera. E se o que está dentro de mim é real... então chegou a hora de descobrir quem eu sou. Com ou sem você.

Damon sorriu, respeitando a força dela.

— Com você. Sempre.

Eles se afastaram do mirante, lado a lado, rumo ao desconhecido. E atrás deles, o vento levou a última folha do diário de Eleanor, que havia caído no chão — revelando uma frase escrita à mão:

> “A Rosa Negra floresce na dor. Mas só o amor verdadeiro pode impedir que ela se torne veneno.”

Helena não viu. Mas em breve, ela entenderia.

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