Aqueles Dias
O quarto estava na mais absoluta bagunça enquanto eu tentava arrumar minha mala para as férias. Deveria ter feito isso na noite anterior, mas havia chegado tão cansada que desisti antes mesmo de começar.
Agora, teria que dar tempo de qualquer jeito. Eu não podia perder o ônibus das oito, senão ficaria presa na rodoviária até as dez.
- Samantha\, isso está o caos. – minha amiga\, Taís\, colocou a cabeça para dentro do quarto.
- Obrigada por avisar. – comentei sarcasticamente\, sem me distrair.
- Disponha. – ela foi se sentar ao lado da mala – Por que não fez isso ontem?
- Porque sou uma idiota. – bufei\, finalmente achando que tudo que eu precisava estava dentro da mala – Já vou indo. Meu ônibus sai as oito.
- São sete e meia. – ela me avisou\, preocupada.
- Pois é. – com esforço\, fechei a mala e a coloquei no chão.
- Eu levo você. – Taís ficou em pé de um pulo – Você nunca vai conseguir se for com um táxi.
- Jura? – senti um peso saindo dos meus ombros – Eu amo você! – exclamei.
- Vamos. – ela revirou os olhos.
Taís ainda estava de pijama, mas não se preocupou em trocar. Os cabelos, volumosos e escuros, estavam presos em um coque alto bagunçado. Ela só se preocupou em pegar os óculos escuros que estavam em cima da nossa mesa da cozinha junto com as chaves do carro e do apartamento.
Nós morávamos juntas desde o começo da faculdade, sem nunca nos mudarmos. O lugar era pequeno, com dois quartos minúsculos e um banheiro claustrofóbico, mas era muito bem localizado e seguro.
Os outros apartamentos, ocupados em sua maioria por outros estudantes, estavam silenciosos. Isso era por ser sábado de manhã do inicio das férias, com certeza. A maioria deveria ter ido embora para casa na noite anterior, os que ficaram estavam dormindo profundamente.
As ruas também não estavam muito movimentadas, então Taís conseguiu me deixar na rodoviária as sete e cinquenta. Saltei do carro, aliviada pela primeira parte do dia ter dado certo, e peguei minha mala pesada.
- Muito obrigada! – agradeci\, me abaixando para poder olhar pela janela – Vejo você em breve.
- Não deixe de mandar notícias! – ela sorriu – Estarei entediada e sozinha. – suspirou\, dramática.
- Tenho certeza que não. – pisquei para ela.
A rodoviária, por outro lado, estava lotada. Precisei correr para conseguir entrar no ônibus a tempo. Agradeci mentalmente por ter comprado a passagem antecipadamente assim que me sentei no meu lugar – a última a embarcar.
Ao meu lado estava uma senhora de uns setenta anos, usando uma bolsa como apoio para a cabeça, dormindo profundamente. Pelo menos, eu não precisaria preencher o tempo com conversa fiada.
Estava morta de fome, mas comer em movimento estava fora de questão, então dormir era justamente a melhor forma de passar o tempo. Inclinei meu banco, tentei relaxar o corpo e, suavemente, comecei a adormecer.
Acordei assustada um tempo depois, com um som de celular tocando muito alto. Só percebi que era o meu quando a senhora ao meu lado apontou para o aparelho no meu bolso.
- Desculpe\, desculpe... – murmurei\, atrapalhada – Alô?
- Samantha? – a voz da minha mãe estava animada – Está no ônibus\, querida?
- Oi\, mãe. Sim. – passei a mão pelo cabelo\, tentando despertar – Que horas são?
- Oito e quarenta. – escutei ela se movendo do outro lado.
- Então já estou chegando. – fiquei mais alerta.
- Que maravilha. – escutei sons de louça batendo contra a mesa – Estarei lá para te buscar!
- Certo\, mãe. Até daqui a pouco.
- Até! – ela quase cantarolou.
Vinte minutos depois, numa incomum pontualidade, o ônibus parou na rodoviária da minha cidade natal. Levei um tempo até conseguir descer e pegar minha mala, então minha mãe já estava impaciente quando finalmente pude me aproximar dela.
- Ah\, como é bom ver você. – ela passou os braços ao meu redor.
Minha mãe era alta, vários centímetros a mais do que eu, e estava usando saltos. Era quase como se eu tivesse voltado a ser criança.
- Também estou feliz por estar aqui. – correspondi seu abraço com a mesma animação.
Ela me guiou até o carro, tagarelando trivialidades. Apenas reparei no quanto ela parecia bem dessa vez, de verdade, e não apenas para me mostrar que eu não precisava ficar preocupada.
Passamos por um período muito difícil. Meu pai nos deixou quando eu tinha quinze anos, sem grandes explicações ou brigas. Minha mãe ficou completamente perdida até descobrir que ele estava morando com outra mulher, então ficou completamente arrasada e sem entender.
Fui para a faculdade com o coração apertado, com medo de deixá-la sozinha. Minha mãe era forte, e muito boa em demonstrar que estava bem e que eu deveria seguir com a minha vida. Mas eu era observadora e sabia o quanto ela se sentiria sozinha – o que realmente foi verdade pelos anos seguintes.
Mas, lá estávamos nós, entrando no seu carro, e ela parecia genuinamente feliz.
- O que aconteceu? – a interrompi.
- O que aconteceu...? – ela repetiu\, me olhando rapidamente.
- Você parece ótima. – elogiei – Alegre\, leve\, animada. – enumerei – Não que não fosse assim – me apressei em garantir que sua farsa continuasse em segredo -\, mas hoje parece ainda mais.
Ela riu, inesperadamente, e vi suas bochechas corarem. Definitivamente, alguma coisa havia mudado.
- Eu ia te contar mais tarde. – suas mãos deslizavam pelo volante\, ansiosas – Mas já que você está perguntando... Conheci uma pessoa. – sorriu\, radiante\, e me olhou mais uma vez rapidamente.
- Mãe! – exclamei\, alto – Isso é maravilhoso!
- Não é? – ela riu e eu a acompanhei.
Quase cinco anos depois do divórcio! Estava realmente na hora da minha mãe seguir em frente.
Ela parou em frente da casa e descemos. Respirei fundo, olhando para o lugar em que eu havia crescido. Era simples, mas eu sempre me sentia extremamente bem por voltar.
- Aposto que você ainda nem comeu. – minha mãe passou por mim para abrir a porta.
- Exatamente. – concordei\, já imaginando o que ela havia preparado.
Corri logo para a cozinha e vi a mesa preparada com tudo de que eu mais gostava, inclusive uns biscoitinhos caseiros que apenas a minha avó sabia fazer. Coloquei um na boca, sentindo-o desmanchar, de olhos fechados.
- Isso só é possível se... – falei\, de boca cheia.
- Samantha! – minha avó surgiu no corredor.
- Vó! – exclamei\, surpresa – Não acredito!
- Sua mãe me convidou. – ela veio me abraçar – Você está mais alta?
- Eu\, não. – encolhi os ombros.
- Bom\, eu devo ter encolhido. – ela estreitou os olhos.
Nesse momento minha mãe passou pela porta. Não deixei de reparar que ela estava com o celular na mão.
- Samantha. Noely. – anunciou – Eu chamei vocês duas aqui para casa porque queria apresentar meu novo namorado. – suas palavras exalavam felicidade – Ele tem uma casa maravilhosa e me convidou para passar as férias por lá. Quando contei que Samantha vinha para casa\, ele estendeu o convite a vocês duas.
Uau. Eu e minha avó ficamos totalmente sem palavras.
- Namorado\, Valentina? – minha vó questionou\, perplexa – Desde quando?
- Tem pouco tempo\, mãe. – explicou – Por vocês tudo bem? É uma casa grande\, afastada da cidade. Ele também gostaria que conhecessem o filho dele.
- Por mim tudo bem. – vovó deu de ombros e olhou para mim.
- Claro. – concordei\, levemente chateada por não aproveitar a minha casa\, mas disposta a colaborar com essa nova fase da minha mãe.
Depois disso, comi enquanto minha mãe separava as coisas que ia levar para a casa do namorado. Eu só esperava que o que estivesse na minha mala bastasse, já que ali eu não tinha mais nada que eu pudesse pegar.
Não eram nem dez horas quando nos acomodamos no carro para seguir viagem, mal tive tempo de dar uma olhada no meu antigo quarto.
Conforme nos afastávamos da cidade, pegando estradas da área rural da cidade, comecei a me preocupar com a possibilidade de estarmos indo em um sítio. Eu não me dava muito bem com a vida no campo, com certeza. Era uma garota da cidade, e não tinha nenhuma vontade de tirar leite da vaca e procurar ovos no galinheiro.
Poxa, tudo que eu queria eram férias tranquilas na casa da minha mãe.
- Nossa. – minha avó se segurou no banco enquanto o carro sacolejava – Quando tempo mais para chegarmos?
- Estamos quase. – minha mãe apertava o volante com força – Mais um pouquinho\, logo depois da curva... Lá está.
Me inclinei do banco de trás, entre as duas, para poder ver melhor. Avistei um muro alto com um portão totalmente fechado. Pelo menos não era uma cerca...
Minha mãe embicou o carro para o portão e apertou uma campainha.
- Sim? – uma voz de homem atendeu rapidamente.
- Sou eu. Valentina e a família. – ela respondeu\, levemente envergonhada.
- Olá\, querida! – ele cumprimentou – Que bom que chegaram.
O portão se abriu e o meu queixo, literalmente, caiu. Após uma extensão de grama impecavelmente aparada, havia a maior casa que eu já tinha visto em toda a minha vida.
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Atualizado até capítulo 43
Comments
Vanildo Campos
❤️❤️❤️❤️
2025-08-20
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