Quando acordei na manhã de domingo, estava totalmente relaxada. A cama era mesmo espetacular.
Me levantei e abri as cortinas. O dia estava nublado e ventando, ótimo para eu ter uma desculpa para ficar o dia todo no quarto – que era o que eu tinha feito no resto do sábado, com exceção apenas do jantar, onde tive que aguentar Adam e seu mau humor e as tentativas da minha mãe de se aproximar.
Amarrei o cabelo em um coque, coloquei um moletom por cima do pijama e desci as escadas para o café da manhã. Através da janela de vidro, vi minha avó sentada em uma esteira na beira da piscina, ao lado de minha mãe e do namorado. Os três pareciam absortos em uma conversa e nem prestaram atenção em mim. Ótimo.
- Olha só quem apareceu. – Adam estava sentado na mesa\, apenas de camiseta e uma calça de moletom.
Suspirei em resposta. Sem ninguém ao redor, eu não precisava fingir que o tolerava.
- Estou com a impressão de que não gosta de mim. – ele me olhava com divertimento.
- Só quero comer. – peguei um pão e comecei a passar a faca.
- Por que não fala um pouco sobre você enquanto isso? – ele sugeriu\, escorregando na cadeira.
Continuei concentrada no pão.
- Olha\, você é a hóspede. – Adam prosseguiu – Você deveria ser simpática com os donos da casa.
- Escuta aqui. – perdia a paciência – Ai! – soltei a faca e o pão. Havia um corte na palma.
Olhei para o sangue escorrendo, não parecia ser muito grave, mas eu não gostava de ver sangue e isso já foi suficiente para me fazer sentir uma vertigem.
- Deixa eu ver isso. – Adam surgiu ao meu lado\, tocando minha mão com a sua.
- Me deixa. – reclamei\, ligeiramente mole\, puxando a mão.
- Não seja idiota. Eu sou médico. – ele passou a outra mão ao meu redor e começou a me levar em direção ao lavabo.
Quando nossos pais entraram na casa, eu já estava sentada no sofá com um curativo e bebendo um copo de água enquanto esperava as mãos pararem de tremer. Adam não tinha precisado fazer nada elaborado, nada que eu não pudesse fazer sozinha.
- O que aconteceu? – Luiz Antônio perguntou quando me viu sentada com seu filho em pé\, milagrosamente calado.
- Ela se cortou. – Adam deu de ombros.
- Meu Deus. – minha mãe se aproximou – Você está bem?
- Não foi nada\, mãe. – forcei um sorriso.
- Mas você está pálida feito um papel. – seu rosto estava preocupado.
Vi Adam se afastando por trás dos dois, novamente com aquele seu olhar entediado.
- Não gosto de ver sangue. – respondi\, um pouco tarde demais – E ainda não tinha comido nada.
- Então vamos comer. – Luiz Antônio me ofereceu a mão.
Enquanto eu comia, sentia um estranho desconforto – o tipo de desconforto quando se sabe que tem que fazer uma coisa que não quer. Eu precisava agradecer ao Adam por ter cuidado do corte.
Claro que eu enrolei o máximo que pude. Conversei com minha avó do lado de fora, respondi perguntas sobre a faculdade e a rotina dividindo o apartamento com Taís, vi minha mãe e o namorado andando pela propriedade de mãos dadas... Até uma chuva fininha começar a cair.
Voltamos todos para o lado de dentro. Minha avó descobriu as maravilhas de uma televisão moderna e foi procurar um de seus filmes antigos para assistir, minha mãe e Luiz Antônio foram se sentar em outro sofá, bem juntinhos e conversando em voz baixa. Resignada, subi as escadas.
A porta do quarto de Adam estava aberta, não totalmente, apenas uma fresta. Na minha mente, seria menos estranho apenas abrir a porta do que bater e chamar o seu nome – e não tenho nenhuma explicação para isso.
O quarto estava escuro e silencioso. Vazio. Será que nós não o tínhamos visto sair mais cedo?
Olhei ao redor, curiosa. Nada estava fora do lugar. Eu imaginaria que um garoto como ele teria revirado tudo em apenas algumas horas, mas apenas a cama dava sinais de uso.
Nesse momento, andando até mais perto da cama, escutei a porta do banheiro se abrindo. Me virei, já arrependida por aquilo, e me deparei com Adam vindo na minha direção.
- Ai\, meu Deus! – rapidamente me virei porque ele não estava vestindo absolutamente nada.
- O que está fazendo no meu quarto? – a voz dele apenas demonstrava uma leve irritação.
- Eu só queria... – gaguejei\, cobrindo os olhos com as mãos – Agradecer. Agradecer pela ajuda mais cedo.
Escutei o som de sua respiração e o guarda-roupa abrindo.
- Não foi nada. – o eterno mau humor estava presente – Pode abrir os olhos.
Abri com cuidado, um de cada vez. Adam estava parado, com as mãos apoiadas na cintura, vestindo apenas uma calça preta. Sua testa estava franzida com os fios de cabelo molhado espalhados.
- Você é muito estranha. – comentou.
Revirei os olhos.
- Era só isso mesmo. – marchei para a porta – Agradeço\, mas agora vamos voltar a manter distância.
- Ei... – ele andou até mim rapidamente – Você não gosta de mim.
Continuei olhando para ele, com a mão na porta.
- Eu não sei porquê. – continuou quando percebeu que eu não diria nada.
- Como não sabe? – sussurrei\, instintivamente – Você me disse que seu pai troca de namorada como troca de cueca.
- E...?
- Como assim “e”? – usei a mão para empurrar um pouco a porta\, fechando-a – Não é bem o tipo de homem que eu quero para minha mãe.
Ele cruzou os braços na frente do peito.
- Meu pai não vai fazer nenhum mal a sua mãe. Ele vai cuidar dela\, fazer todas as vontades\, mimos e o que mais achar que ela precisa.
- Até encontrar algo melhor. – completei\, azeda.
- E daí? – Adam deu de ombros – Não é sempre assim?
Soltei um som entre chocada e surpresa.
- Então acha que as pessoas são descartáveis?
- Acho que pessoas se unem por interesses. – ele continuava firme.
- Está dizendo que minha mãe é interesseira? – precisei me controlar para não elevar a voz.
- Você é mesmo esquentadinha. – ele sorriu\, se divertindo – Eu não disse isso.
- E o que disse? – cruzei meus braços também e cheguei mais perto.
Agora estávamos tão próximos que eu podia sentir o cheiro de perfume caro exalando de seu corpo.
- Eu disse interesses em comum. – falou lentamente\, como se eu tivesse algum problema para entender – Sua mãe está tendo benefícios\, com toda certeza. Coisas caras\, passeios\, a temporada nessa casa... – enumerou – E meu pai deve ter os interesses dele. Sei lá\, companhia\, ou coisas que você provavelmente não vai querer me ouvir dizer.
Senti meu rosto esquentar. Eu queria tanto dar um tapa naquele rosto irônico.
- Você não vale a pena. – dei as costas e saí pela porta.
A chuva durou a tarde toda. No almoço, para minha alegria, Adam não apareceu. Mas vi minha mãe e Luiz Antônio cheios de carinhos e não consegui deixar de lado as coisas que ele havia dito. Será que era verdade? Aquele homem apenas usava as mulheres pelo tempo que lhe era conveniente?
Também passei algumas horas com Taís no telefone, tentando expressar minhas preocupações, mas ela só queria saber como Adam era.
- Em quantas línguas vou ter que aprender a falar “babaca” para você entender? – reclamei.
- Certo\, mas é um babaca bonitinho? – eu escutava o som das panelas da cozinha e quase podia ver os detalhes do nosso apartamento.
- Possivelmente. – rolei no colchão\, para ficar de barriga para cima.
- Possivelmente já é o bastante para mim. – algo chiou do outro lado.
- Sério\, Taís. – suspirei – Se não fosse tão importante para Valentina\, eu voltaria para o apartamento hoje mesmo.
Ela fez silêncio por um instante.
- Samantha\, acho que você deveria relaxar. – seu tom mudou\, ela estava tentando me dar um conselho – Sua mãe é adulta e\, você sabe\, talvez Adam tenha razão.
- Não acredito que estou ouvindo isso. – reclamei\, incrédula\, me sentando.
- Não exagere. – ela prosseguiu\, cuidadosamente – A relação pode ser vantajosa para os dois.
Respirei fundo para não rebater.
- Olha... – Taís continuou\, provavelmente reconhecendo que eu estava irritada – Só estou dizendo que eles podem muito bem ter tudo combinado e você estar sofrendo por nada. Deixa sua mãe viver.
Minha irritação suavizou um pouco.
- Talvez. – cedi.
- Deixa rolar mais um pouco antes de pensar em se intrometer. – Taís finalizou.
- Vou fazer isso. – concordei.
- E agora eu vou comer.
- Bom apetite. – sussurrei\, finalizando a ligação.
Coloquei o celular de lado e me levantei para olhar pela janela. A chuva tinha se intensificado um pouco, deixando tudo de um tom meio cinza. Mesmo assim o lugar era bonito e aconchegante.
Desejei que Taís estivesse certa, que minha mãe estivesse apenas tendo uma relação leve com Luiz Antônio e que, quando acabasse, ela não saísse machucada. Não era a mesma situação do meu pai, agora ela era mais velha, mais experiente.
- Já que você não bate\, também não vou bater. – Adam passou pela porta\, sem nenhuma espécie de aviso.
- Isso é incrível. – me virei\, cruzando os braços – Não concordamos em ignorar a existência um do outro?
- Quando falamos sobre isso? – ele franziu a testa\, se aproximando.
- Foi um acordo não dito. – o observei se aproximando\, decidindo que Taís o acharia muito bonito. Balancei a cabeça afastando a ideia rapidamente.
- Bom\, eu não fiz acordo nenhum. – ele parou bem na minha frente – Meu pai resolveu jantar fora hoje. Sua mãe vai\, sua avó vai... – Adam exalava impaciência – Ele me fez vir perguntar se você quer ir.
Interagir com Adam em um restaurante chique? Não, muito obrigada.
- Não\, obrigada. – me virei e fui até a escrivaninha\, onde estava minha bolsa – Tenho algumas coisas para resolver e prefiro ficar.
- Tudo bem. – ele se virou e saiu sem fazer perguntas.
Pouco depois meu celular vibrou com uma mensagem de Valentina.
“Estamos prontos para ir. Tem certeza que não quer? Ainda estamos esperando sua avó descer.”
Suspirei, encarando a tela.
“Não, mãe. Tenho algumas coisas pendentes da faculdade para entregar até amanhã. Não quero me preocupar. Oficialmente, as férias começam amanhã.”
“Tudo bem, teremos outras oportunidades. Se precisar, é só ligar.”
“Divirta-se.”
Deixei alguns minutos passarem, por precaução, depois resolvi descer e procurar alguma coisa para comer. Luiz tinha contado no almoço que a empregada morava nos fundos, em uma casa separada, e que folgava aos domingos. Oficialmente, a casa era todinha minha.
Passei pela porta misteriosa da cozinha e descobri que era imensa e bem equipada. Tudo muito moderno. A despensa era enorme e cheia de coisas. Separei alguns chocolates para comer como sobremesa e encontrei os ingredientes para fazer um macarrão – que era uma das poucas coisas que ficava tolerável quando eu cozinhava.
Coloquei a água para ferver em uma panela e abri a geladeira de duas portas em busca de queijo.
- Vê se não queima a outra mão. – a voz me surpreendeu.
Me virei, o coração aos pulos, e vi Adam parado na porta com o quadril apoiado no batente.
- O que está fazendo aqui? – fechei a geladeira.
- Assistindo você explorar a cozinha. – ele se moveu na minha direção.
- Pensei que tinha ido jantar. – dei as costas\, indo colocar o macarrão dentro da panela.
- Se você se sentiu confortável para negar\, eu também podia. – escutei ele se aproximando.
Me concentrei no que estava fazendo por alguns instantes, enquanto me preparava psicologicamente para ter que lidar com Adam, e quando me virei ele estava picando tomates.
- O que está fazendo?
- Colaborando. – respondeu sem me olhar.
- Esse macarrão é meu. – reclamei.
- Agora é nosso. – ele me olhou rapidamente – Vai\, para de ficar tão na defensiva.
Deixei meus ombros relaxarem.
- Certo. – cedi.
Pouco depois, Adam estava ralando queijo em cima dos nossos pratos. O aroma estava incrível, e meu estômago roncou de expectativa.
- Vamos. – ele disse\, pegando seu prato.
- Vamos onde? – segurei o meu com cuidado porque estava quente.
Ele não respondeu, então o segui, me controlando para não reclamar.
Adam foi até o sofá e se acomodou com uma coberta que estava jogada lá. Em seguida ligou a televisão.
- Esse é o grande plano? – fiquei parada.
- Senta aí. – ele bateu com a mão livre ao seu lado.
Me sentei, não sem antes dar um suspiro insatisfeito, no canto mais distante dele possível. Comecei a comer antes mesmo dele parar em um filme qualquer, de terror.
Minutos depois de terminar de saborear o macarrão – que estava incrível, preciso confessar que o molho de Adam era surreal -, eu estava encolhida no canto tentando não pular de susto a cada evento ridículo do filme.
- Toma. – Adam me jogou alguns dos chocolates que eu tinha separado. Eu nem mesmo tinha visto ele colocar no bolso – Você está com frio? – franziu a testa\, me olhando pela primeira vez desde que sentamos.
- Não. – respondi\, orgulhosa\, colocando um chocolate na boca.
Escutei a risada dele enquanto se aproximava um pouco para jogar a ponta da coberta em cima das minhas pernas. Um calor agradável me envolveu.
- Então talvez esteja com medo do filme. – sugeriu\, sussurrando.
Ignorei o comentário, mantendo meus olhos fixos nas cenas absurdas que arrancavam tremores involuntários de mim. A cada vez que acontecia, eu via os lábios de Adam se repuxarem em um sorriso.
Soltei um grito quando a porta da sala abriu.
- O que foi? – Noely perguntou\, alarmada.
- Ah\, nada. – respondi\, me levantando.
Adam estava rindo, jogando a cabeça para trás.
Nossos pais apareceram atrás de minha avó, de mãos dadas e sorrindo.
- Que bom que está acordada! – Valentina disse assim que me viu.
- Adam? – Luiz pareceu surpreso por ver o filho perto de mim.
O rapaz apenas suspirou e se virou no sofá com um sorrisinho cínico.
- Que bom que estão acordados! – minha mãe exclamou\, animada – Temos novidades?
- Novidades? – repeti\, encarando o rosto animado de minha mãe e do namorado. Minha avó parecia neutra\, talvez até pensativa.
Notei que Adam ficou sério, mais atento do que costumava ficar. Talvez ele estivesse sentindo a mesma coisa que eu. Uma vibração diferente, uma onda de alegria mais intensa do que a do dia anterior, uma mudança em...
- Nós vamos nos casar! – Valentina ergueu a mão\, exibindo um anel de noivado extravagante.
- O quê? – Adam e eu falamos ao mesmo tempo.
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Atualizado até capítulo 43
Comments
Solange Borkovski
Mas já? Será que a Valentina não está indo rápido demais...
2025-08-07
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