Morrer Foi a Minha Vingança

Morrer Foi a Minha Vingança

Capítulo 1 – O Dia Em Que Eu Parei de Existir

Chovia.

Não muito — o tipo de chuva fina que borrava os vidros dos carros e deixava a cidade com cheiro de asfalto molhado e desilusão. Isadora olhava pela janela do táxi, o queixo apoiado na mão, os olhos perdidos entre os reflexos e as luzes embaçadas dos postes.

Não era comum voltar para casa naquele horário. Ela sempre saía mais tarde do trabalho às sextas. Mas algo naquele dia estava estranho.

Um silêncio. Uma ausência. Uma sensação incômoda na nuca, como se o universo cochichasse alguma coisa que ela ainda não podia entender.

O celular vibrava há horas no modo silencioso dentro da bolsa. Mensagens não lidas. Ligações não retornadas. Mas ela não pegou. Não queria contato com ninguém. Só queria chegar em casa, tomar banho, deitar no sofá com uma taça de vinho e assistir à série que ela e Henrique tinham combinado de começar juntos. Como todo casal que ainda finge que está tudo bem. Ela sabia que ele viajaria naquele dia, já tinha deixado as malas prontas como ele pediu. Ele apenas passaria em casa para pegar e seguiria viagem.

O motorista parou na frente do prédio e ela agradeceu com um sorriso fraco. Entrou pela garagem. Preferia subir pelo elevador interno quando queria passar despercebida. E naquela noite, mais do que nunca, queria ser invisível.

O apartamento estava em silêncio. Nenhum som de televisão. Nenhuma música de fundo. Nenhum cheiro de comida. Mas havia algo no ar. Algo que não era dela.

Ela deixou a bolsa sobre a mesa da entrada e ficou parada por alguns segundos. Escutou.

Risos. Dois.

Um masculino, abafado. Outro feminino, mais agudo.

O som vinha do andar de cima.

Do quarto.

Do quarto dela.

Subiu os degraus como quem caminha dentro de um sonho ruim. Cada passo era uma confirmação do que ela ainda não queria acreditar.

A porta estava entreaberta. E ela viu.

Sem precisar entrar.

Sem precisar ouvir nenhuma explicação.

Henrique estava ali.

Nu. Relaxado. Satisfeito.

E com ele… Clara.

Clara.

A mulher que segurou sua mão no dia do casamento.

A mulher que viu Isadora chorar de nervoso no provador do vestido.

A mulher que dizia frases doces e fazia cafés fortes, que sabia todos os detalhes da vida dela.

O tempo parou.

O coração também.

Eles riam. Tocavam-se com intimidade. Sussurravam como se o mundo não existisse do outro lado da porta.

Isadora observou em silêncio. Por um segundo, pensou que fosse gritar. Que fosse jogar tudo pelos ares. Mas não sentiu raiva.

Sentiu algo pior.

Sentiu o vazio.

Era como se, por dentro, estivesse morrendo de forma silenciosa, fria e definitiva.

Virou-se.

Desceu as escadas com a mesma calma com que subira.

Lá embaixo, o abajur ainda estava aceso. A luz suave iluminava os porta-retratos espalhados pela sala. Sorrisos congelados. Lembranças de uma vida que nunca foi tão real quanto ela imaginou. Havia uma foto dos três juntos: Isadora, Henrique e Clara. O trio inseparável.

Que ironia.

Ela pegou a bolsa de volta, abriu a gaveta da mesa de apoio e tirou um envelope com algum dinheiro guardado para emergências. Também pegou os documentos, o celular e um casaco leve.

Nada mais.

Nem joias.

Nem malas.

Nem adeus.

Abriu a porta devagar, respirando o ar úmido da rua como se fosse o último suspiro de quem decide renascer.

Andou até o ponto de ônibus da esquina, sem olhar para trás. Cada passo parecia arrancar um pedaço da mulher que havia sido até ali.

Não chorou.

Não correu.

Não hesitou.

Entrou no ônibus como uma sombra. Sentou na última fileira. Ninguém notou sua presença. Era como se já tivesse desaparecido do mundo.

E de certo modo… havia desaparecido mesmo.

Naquela noite, Isadora não morreu.

Mas deixou de existir.

E ninguém jamais seria capaz de encontrá-la.

Porque não era uma fuga qualquer.

Era a construção silenciosa da própria vingança.

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Comments

Alessandra Epifanio

Alessandra Epifanio

já gostei!

2025-07-25

1

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Capítulos
1 Capítulo 1 – O Dia Em Que Eu Parei de Existir
2 Capítulo 2 – O Começo do Fim
3 Capítulo 3 – A Mulher que Ninguém Conhecia
4 CAPÍTULO 4 – SILÊNCIO EM DEMASIA
5 Capítulo 5 – Fantasmas que eu escolhi não ver
6 Capítulo 6 – Onde ninguém me conhecia
7 Capítulo 7 – As Coisas Que Não Dizemos
8 Capítulo 8 – As Cores de Monte Azul
9 Capítulo 9 – A Ausência que se Tornou Silêncio
10 Capítulo 10 – O Velório de Uma Mulher que Ainda Respira
11 Capítulo 11 – Entre o Fim e o Recomeço
12 Capítulo 12 – Segredos Florescem em Silêncio
13 Capítulo 13 – Verdades que o Silêncio Sussurra
14 Capítulo 14 – Rastros Invisíveis
15 Capítulo 15 – A Mulher que Morreu
16 Capítulo 16 – A Arte de Permanecer Invisível
17 Capítulo 17 – O Peso do Início
18 Capítulo 18 – A Verdade que Sangra
19 Capítulo 19 – Feridas Abertas Não Sabem Silenciar
20 Capítulo 20 – Fugir Também É Resistir
21 Capítulo 21 – Quando o Silêncio Grita
22 Capítulo 22 – Quando as Escolhas Começam a Cobrar
23 Capítulo 23 – A Verdade Tem Voz
24 Capítulo 24 – Quando o Passado Toca a Porta
25 Capítulo 25 – Entre Linhas que Não Devem Ser Cruzadas
26 Capítulo 26 – Quando o Passado Insiste em Ficar
27 Capítulo 27 – Onde o Medo Tem Nome
28 Capítulo 28 – As Cinzas de um Nome
29 Capítulo 29 – O Peso de Se Chamar Isadora
30 Capítulo 30 – Quando a Verdade Respira
31 Capítulo 31 – O Fim das Correntes
32 Epílogo – Onde Florescem os Recomeços
Capítulos

Atualizado até capítulo 32

1
Capítulo 1 – O Dia Em Que Eu Parei de Existir
2
Capítulo 2 – O Começo do Fim
3
Capítulo 3 – A Mulher que Ninguém Conhecia
4
CAPÍTULO 4 – SILÊNCIO EM DEMASIA
5
Capítulo 5 – Fantasmas que eu escolhi não ver
6
Capítulo 6 – Onde ninguém me conhecia
7
Capítulo 7 – As Coisas Que Não Dizemos
8
Capítulo 8 – As Cores de Monte Azul
9
Capítulo 9 – A Ausência que se Tornou Silêncio
10
Capítulo 10 – O Velório de Uma Mulher que Ainda Respira
11
Capítulo 11 – Entre o Fim e o Recomeço
12
Capítulo 12 – Segredos Florescem em Silêncio
13
Capítulo 13 – Verdades que o Silêncio Sussurra
14
Capítulo 14 – Rastros Invisíveis
15
Capítulo 15 – A Mulher que Morreu
16
Capítulo 16 – A Arte de Permanecer Invisível
17
Capítulo 17 – O Peso do Início
18
Capítulo 18 – A Verdade que Sangra
19
Capítulo 19 – Feridas Abertas Não Sabem Silenciar
20
Capítulo 20 – Fugir Também É Resistir
21
Capítulo 21 – Quando o Silêncio Grita
22
Capítulo 22 – Quando as Escolhas Começam a Cobrar
23
Capítulo 23 – A Verdade Tem Voz
24
Capítulo 24 – Quando o Passado Toca a Porta
25
Capítulo 25 – Entre Linhas que Não Devem Ser Cruzadas
26
Capítulo 26 – Quando o Passado Insiste em Ficar
27
Capítulo 27 – Onde o Medo Tem Nome
28
Capítulo 28 – As Cinzas de um Nome
29
Capítulo 29 – O Peso de Se Chamar Isadora
30
Capítulo 30 – Quando a Verdade Respira
31
Capítulo 31 – O Fim das Correntes
32
Epílogo – Onde Florescem os Recomeços

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