CAPÍTULO 4 – SILÊNCIO EM DEMASIA

Henrique abriu o portão com o controle remoto, manobrando o carro com habilidade para dentro da garagem. Estava cansado. Dois dias de reuniões intensas, jantares de negócios e, claro, algumas horas a mais com Clara. Tudo o que ele queria agora era um banho quente e o conforto do seu lar. Ou melhor, da sua rotina.

Desligou o carro, pegou o celular e a pasta de documentos e entrou em casa.

O silêncio o recebeu com um abraço frio.

Esperava ouvir o som da televisão ligada, passos no andar de cima, alguma música suave vinda da cozinha ou o cheiro de café.

Mas não havia nada.

Fechou a porta atrás de si, soltando um suspiro impaciente. Jogou a pasta sobre o aparador e gritou da escada:

— Isa? Cheguei!

Nenhuma resposta.

Subiu os degraus esperando vê-la no quarto. Talvez estivesse dormindo — ela costumava aproveitar os dias em que ele viajava para descansar cedo. Mas o quarto estava arrumado, sem sinal de uso.

A cama feita. As almofadas no lugar. O banheiro seco. Nem mesmo uma toalha no chão, como era costume dela.

Estranhou, mas não se alarmou.

Desceu novamente. Procurou pela bolsa dela na sala. Nada. A chave do carro ainda estava pendurada no gancho. Os sapatos dela no mesmo lugar.

Abriu a geladeira.

Tudo como ele deixou.

As mesmas frutas, os mesmos potes, nenhum prato novo. Nenhuma panela usada.

Henrique franziu a testa.

Pegou o celular e abriu a conversa com Isadora. A última mensagem recebida era de quatro dias atrás.

“Boa viagem.”

Somente isso. Curta, educada, impessoal.

Rolou a conversa para cima, tentando se lembrar de quando tinham conversado pela última vez.

Nada além de mensagens pontuais. Nenhuma ligação. Nenhum vídeo.

Nenhuma queixa.

Digitou:

“Cheguei. Está tudo bem?”

A mensagem não foi entregue. Um único tique. Nenhum sinal de leitura.

Tentou ligar.

Chamou uma vez. Caiu na caixa postal.

Repetiu. Nada.

A irritação começou a surgir em ondas curtas, mas insistentes.

— Que merda é essa?

Foi até o escritório. O espaço estava limpo. Tudo em seu lugar. Abriu a gaveta onde Isadora guardava documentos. A maioria ainda estava ali — pastas organizadas, envelopes lacrados.

Mas a pasta preta. Aquela que ele sempre vira trancada. Sumira.

Voltou ao closet. Todas as roupas estavam no lugar. Os vestidos, os sapatos, os perfumes. Nada faltando. Nem joias, nem bolsas, nem malas.

Até mesmo a escova de cabelo continuava com fios dourados enroscados.

Nada indicava que ela havia saído.

E, ainda assim… ela não estava ali.

Um arrepio gelado desceu pela nuca de Henrique.

Ele se sentou na beirada da cama, olhando o celular, esperando que ela respondesse.

Mas o tempo passou. Longos minutos. Nada.

Tentou ligar para a sogra. Caixa postal.

Procurou por alguma amiga no histórico de chamadas. Ninguém recente.

Isadora estava sumida… e ele não sabia exatamente desde quando.

A sensação de descontrole se intensificava.

Aquela mulher sempre estivera ali, mesmo em silêncio. Sempre à disposição, previsível, dócil.

E agora... sumida.

Voltou para o andar de baixo, observando a casa com outros olhos. O lugar parecia intacto. Como um cenário montado. Como se a vida tivesse congelado.

Olhou para o sofá.

Para a xícara na estante.

Para o pequeno porta-retrato com uma foto dos dois no casamento.

Era como se tudo estivesse esperando por ela… menos ele.

Henrique passou as mãos pelos cabelos, respirando fundo.

Pela primeira vez, percebeu que não sabia quem Isadora realmente era.

E, pior: que talvez nunca tivesse prestado atenção o suficiente para saber o que ela poderia estar planejando.

A ausência dela não tinha cheiro de abandono.

Tinha cheiro de estratégia.

O desconforto se transformou em incômodo real.

Henrique ficou algum tempo ali, parado no meio da sala, sentindo a casa como um corpo sem alma. Os quadros nas paredes, os móveis impecáveis, os objetos em seus devidos lugares. Tudo denunciava uma rotina inabalável… exceto a ausência dela.

Levou o celular ao ouvido mais uma vez, escutando a voz eletrônica da caixa postal.

— Droga, Isadora…

Deslizou o contato de Clara e pressionou para ligar.

A chamada demorou mais do que o normal. Quando finalmente a amante atendeu, a voz dela veio suave, quase preguiçosa.

— Henrique? Achei que você estivesse ocupado com o jantar da empresa.

— Já cheguei em casa. — Ele tentou manter o tom neutro. — Está tudo bem?

— Tudo ótimo. E você?

Ele hesitou.

— Você… por acaso falou com a Isadora nesses últimos dias?

Clara silenciou por alguns segundos.

— A Isadora? Claro que não. Por quê?

— Só por curiosidade. — Ele esfregou os olhos, impaciente. — Achei estranho ela não me responder desde que saí. E agora que cheguei, a casa tá meio… sei lá, diferente.

— Diferente como?

— Tá tudo igual. Igual demais. — Respondeu, seco. — Parece que ela congelou a casa e saiu andando. Só que sem levar nada.

— Você está dizendo que ela sumiu?

Henrique bufou.

— Não sei. Só estou achando estranho. Ela não responde, não atende, não deixou bilhete, não levou mala, roupa, nada. Nem parece que saiu… mas também não está aqui.

Clara soltou uma risada nervosa.

— Você está paranoico, amor. Aposto que ela foi passar uns dias com a mãe, ou se trancou em algum retiro espiritual desses que ela vive dizendo que tem vontade de fazer.

— A mãe dela também não atende. E Isadora não é de sair sem avisar.

Mais silêncio. Clara pigarreou do outro lado da linha.

— Você está preocupado, é isso?

— Eu não estou preocupado. — Ele respondeu rápido demais. — Só achei esquisito.

— Talvez ela só esteja cansada de tudo. Você vive dizendo que ela anda estranha.

Henrique mordeu a parte interna da bochecha. Cansada? Isadora?

Ela sempre esteve ali, como uma sombra discreta. Nunca reclamava, nunca impunha vontades. Até parecia satisfeita com o pouco que recebia. Mas agora… ele não sabia o que pensar.

— Se ela aparecer, me avisa. — concluiu, num tom firme.

— Claro. Mas, Henrique… — Clara fez uma pausa. — Você acha que ela descobriu?

A pergunta ficou no ar como uma bomba prestes a explodir. Ele fechou os olhos, sentindo o estômago revirar.

— Não tem como. Eu fui cuidadoso.

Mas mesmo enquanto dizia, uma pontada incômoda surgiu no fundo do peito.

— Tá bom. Qualquer coisa, me liga. — Clara disse, antes de desligar.

Henrique largou o celular sobre a mesa e encarou o reflexo escuro da janela. A noite estava fechada, sem vento, sem estrelas.

E dentro dele… o mesmo vazio.

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Comments

Celi

Celi

tá animada em autora três históricas ao mesmo tempo, a que mais tô gostando é essa, apesar que acho que Henrique deveria saber que Isadora descobriu a traição

2025-07-20

1

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Capítulos
1 Capítulo 1 – O Dia Em Que Eu Parei de Existir
2 Capítulo 2 – O Começo do Fim
3 Capítulo 3 – A Mulher que Ninguém Conhecia
4 CAPÍTULO 4 – SILÊNCIO EM DEMASIA
5 Capítulo 5 – Fantasmas que eu escolhi não ver
6 Capítulo 6 – Onde ninguém me conhecia
7 Capítulo 7 – As Coisas Que Não Dizemos
8 Capítulo 8 – As Cores de Monte Azul
9 Capítulo 9 – A Ausência que se Tornou Silêncio
10 Capítulo 10 – O Velório de Uma Mulher que Ainda Respira
11 Capítulo 11 – Entre o Fim e o Recomeço
12 Capítulo 12 – Segredos Florescem em Silêncio
13 Capítulo 13 – Verdades que o Silêncio Sussurra
14 Capítulo 14 – Rastros Invisíveis
15 Capítulo 15 – A Mulher que Morreu
16 Capítulo 16 – A Arte de Permanecer Invisível
17 Capítulo 17 – O Peso do Início
18 Capítulo 18 – A Verdade que Sangra
19 Capítulo 19 – Feridas Abertas Não Sabem Silenciar
20 Capítulo 20 – Fugir Também É Resistir
21 Capítulo 21 – Quando o Silêncio Grita
22 Capítulo 22 – Quando as Escolhas Começam a Cobrar
23 Capítulo 23 – A Verdade Tem Voz
24 Capítulo 24 – Quando o Passado Toca a Porta
25 Capítulo 25 – Entre Linhas que Não Devem Ser Cruzadas
26 Capítulo 26 – Quando o Passado Insiste em Ficar
27 Capítulo 27 – Onde o Medo Tem Nome
28 Capítulo 28 – As Cinzas de um Nome
29 Capítulo 29 – O Peso de Se Chamar Isadora
30 Capítulo 30 – Quando a Verdade Respira
31 Capítulo 31 – O Fim das Correntes
32 Epílogo – Onde Florescem os Recomeços
Capítulos

Atualizado até capítulo 32

1
Capítulo 1 – O Dia Em Que Eu Parei de Existir
2
Capítulo 2 – O Começo do Fim
3
Capítulo 3 – A Mulher que Ninguém Conhecia
4
CAPÍTULO 4 – SILÊNCIO EM DEMASIA
5
Capítulo 5 – Fantasmas que eu escolhi não ver
6
Capítulo 6 – Onde ninguém me conhecia
7
Capítulo 7 – As Coisas Que Não Dizemos
8
Capítulo 8 – As Cores de Monte Azul
9
Capítulo 9 – A Ausência que se Tornou Silêncio
10
Capítulo 10 – O Velório de Uma Mulher que Ainda Respira
11
Capítulo 11 – Entre o Fim e o Recomeço
12
Capítulo 12 – Segredos Florescem em Silêncio
13
Capítulo 13 – Verdades que o Silêncio Sussurra
14
Capítulo 14 – Rastros Invisíveis
15
Capítulo 15 – A Mulher que Morreu
16
Capítulo 16 – A Arte de Permanecer Invisível
17
Capítulo 17 – O Peso do Início
18
Capítulo 18 – A Verdade que Sangra
19
Capítulo 19 – Feridas Abertas Não Sabem Silenciar
20
Capítulo 20 – Fugir Também É Resistir
21
Capítulo 21 – Quando o Silêncio Grita
22
Capítulo 22 – Quando as Escolhas Começam a Cobrar
23
Capítulo 23 – A Verdade Tem Voz
24
Capítulo 24 – Quando o Passado Toca a Porta
25
Capítulo 25 – Entre Linhas que Não Devem Ser Cruzadas
26
Capítulo 26 – Quando o Passado Insiste em Ficar
27
Capítulo 27 – Onde o Medo Tem Nome
28
Capítulo 28 – As Cinzas de um Nome
29
Capítulo 29 – O Peso de Se Chamar Isadora
30
Capítulo 30 – Quando a Verdade Respira
31
Capítulo 31 – O Fim das Correntes
32
Epílogo – Onde Florescem os Recomeços

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