O carro deslizou pelas ruas antigas do bairro onde a mãe de Isadora morava, e Henrique sentia um aperto no estômago desde o momento em que decidiu sair de casa. Não sabia ao certo o que esperava encontrar, mas precisava de algo — qualquer coisa — que dissesse onde Isadora estava.
Ao estacionar na frente da casa modesta, notou de imediato que havia algo diferente. O portão estava pintado, o jardim antes negligenciado agora era limpo e florido. Não havia o carro velho da mãe de Isadora na garagem.
Nada ali parecia o mesmo.
Tocou a campainha, esperando ver o rosto cansado da sogra. No lugar, uma mulher jovem apareceu, sorridente e surpresa.
— Pois não?
— Desculpe, eu… — Henrique coçou a nuca, confuso. — Essa casa… ela pertencia à dona Yolanda. A senhora ainda mora aqui?
— Ah, não. Dona Yolanda faleceu faz uns bons meses já.
— A mulher fez uma pausa. — Eu e meu marido compramos essa casa faz uns três meses. Foi a filha dela quem nos vendeu. Uma moça muito educada… Isadora, acho.
Henrique sentiu o chão vacilar.
— Ela… vendeu?
— Sim. Parecia muito sozinha. — A mulher suspirou, olhando para dentro da casa. — Deu até dó. Mas estava decidida a vender a casa
Ele agradeceu, atordoado, e voltou ao carro como quem caminha dentro de um pesadelo. Sentou no banco do motorista, as mãos firmes no volante, tentando reorganizar os próprios pensamentos.
A mãe de Isadora estava morta.
E ele nem soube.
Foi então que uma lembrança antiga o golpeou com força.
Estava num hotel com Clara, a poucos meses atrás. Uma viagem improvisada. Isadora ligou no meio da tarde. Ele atendeu contrariado, já abrindo o frigobar. A voz dela estava baixa, rouca… devastada.
"Minha mãe morreu, Henrique..."
E ele respondeu algo rápido, automático.
"Agora? Tá... depois a gente conversa, Isa. Tô ocupado agora."
Voltou para a cama com Clara como se nada tivesse acontecido.
Como se não fosse nada.
Agora, parado ali, ele sentiu o peso de cada palavra ignorada. De cada silêncio preenchido por egoísmo.
Ela estava sozinha. No luto, na venda da casa, na decisão de desaparecer.
E ele… simplesmente não viu.
Ou pior: escolheu não ver.
Henrique passou as mãos no rosto, o coração acelerado.
O que mais Isadora suportou em silêncio?
Quantos gritos engoliu enquanto ele escolhia o prazer, a conveniência, a amante?
O celular em seu bolso vibrava com notificações que ele nem quis olhar. Pela primeira vez em muito tempo, ele não queria distrações.
Ele só queria entender como… e quando… perdeu tudo.
Henrique permaneceu parado dentro do carro por longos minutos, observando o reflexo trêmulo de si mesmo no retrovisor. O rosto cansado, os olhos fundos e o peso nos ombros gritavam o que ele ainda se recusava a admitir em voz alta:
Isadora foi embora. E não pretendia voltar.
Pegou o celular no bolso, quase sem pensar. Abriu a galeria de fotos. Passou uma, duas, dez imagens. Selfies antigas, jantares comemorativos, fotos dela deitada na cama rindo de algo que ele disse.
Quantas vezes ele fingiu estar presente? Quantas vezes ela pediu atenção com os olhos, e ele simplesmente virou o rosto?
A culpa começou a ferver por baixo da pele.
Ligou novamente para Clara. A ligação caiu direto na caixa postal. Mandou uma mensagem curta:
“Você sabia que a mãe da Isadora morreu? Por que não me falou nada?”
Nenhuma resposta.
Voltou para casa em silêncio. Um silêncio incômodo, que se misturava ao som abafado dos pneus contra o asfalto. Ao chegar, passou direto pela sala e foi até o quarto. Estava tudo como ela deixou. Nenhuma mala, nenhuma pista, nenhum bilhete.
A única coisa dela que restava era o vazio.
Largou as chaves sobre a cômoda e puxou a gaveta onde ela costumava guardar documentos. Encontrou o porta-retratos virado ao contrário, a moldura com uma foto dos dois no casamento.
Tocou a imagem como se ela pudesse falar com ele.
Foi então que percebeu que algo estava diferente.
Havia um envelope ali. Sem nome, sem endereço. Apenas uma folha com o papel um pouco amassado.
Henrique o abriu com o coração acelerado, esperando encontrar uma carta de despedida.
Mas dentro só havia o comprovante da venda da casa da sogra.
Nada mais.
Nem uma linha, nem uma palavra sequer.
Ela não deixaria rastros. Não deixaria explicações.
Porque ele nunca deu ouvidos às palavras dela quando ainda estavam juntos.
Henrique largou o papel e se sentou na beira da cama, segurando a cabeça com as mãos.
Ali, naquele exato momento, percebeu uma verdade dolorosa:
Ele não fazia ideia de quem Isadora era.
Sabia do sorriso, do cheiro, da forma como ela amarrava o cabelo quando estava com raiva. Mas não conhecia seus silêncios. Não compreendia sua dor. E, acima de tudo, não a valorizou enquanto pôde.
Agora, ela era só uma ausência. Um eco que ele nem sabia como começar a seguir.
E pela primeira vez desde o desaparecimento, Henrique sentiu medo de verdade.
Medo de nunca mais encontrar Isadora.
Medo de tê-la perdido para sempre.
E pior: medo de que ela finalmente tivesse aprendido a viver sem ele.
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Atualizado até capítulo 32
Comments
MARIA RITA ARAUJO
eu no lugar dela, viveria sem ele pelo resto da minha vida e depois ainda tiraria tudo que tenho direito dele na maior classe
2025-07-22
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