Capítulo 2 – O Começo do Fim

A rodoviária estava quase vazia. Assim como Isadora se sentia naquele momento.

Isadora sentou-se no banco de metal, encolhida no casaco leve que trouxera às pressas. O ar da madrugada cortava como navalha, mas ela mal sentia o frio. O estômago estava embrulhado, mas não era fome.

Ela olhava o letreiro luminoso que anunciava os próximos destinos como quem observa uma vitrine de vidas possíveis. Era madrugada de sábado. O mundo dormia. E ela, pela primeira vez em muito tempo, estava acordada de verdade. Havia despertado do sonho que ate pouco tempo atrás achava que vivia.

Pela primeira vez… livre.

Não havia plano. Nenhum roteiro. Nenhuma mala feita com cuidado. Mas havia uma certeza imutável: ela não voltaria.

Tirou o celular do bolso. Ainda estava intacto. Nenhuma notificação, mas ela sabia que era só uma questão de tempo até que os chamados começassem a chegar. Por isso, sem hesitar, desligou o aparelho, retirou o chip com dedos trêmulos e o partiu em dois com uma mordida seca, como se selasse o fim de uma era. Jogou os pedaços na lixeira mais próxima, sem olhar para trás.

A partir daquele momento, Isadora estava oficialmente incomunicável.

Nem Henrique.

Nem Clara.

Nem seus pais, seus amigos, seus conhecidos.

Ninguém.

Todas as mensagens ficaram para trás, repousando em um dispositivo que já não teria mais utilidade. Fotos, conversas, áudios, lembranças digitais de uma vida que se encerrava ali mesmo, entre a plataforma fria e o estalido dos alto-falantes anunciando partidas.

Foi até o guichê com passos decididos e comprou a passagem em dinheiro. Nenhum cartão, nenhum registro. Um destino aleatório, escolhido com os olhos fechados. Uma cidade esquecida no mapa, onde ela jamais pensou em pisar. Era isso que queria agora: ser ninguém, em lugar nenhum.

O ônibus partiu às 3h14 da manhã. O horário exato não importava, mas ela o gravaria para sempre. Era o momento em que deixava de ser quem o mundo conhecia. Sentou-se ao lado da janela, o corpo encolhido, os braços envolvendo o próprio tronco como se pudesse impedir a alma de se despedaçar.

Não chorou.

Já tinha derramado lágrimas demais.

Do lado de fora, a cidade escorria pela janela em tons borrados de luzes e chuva. O asfalto molhado refletia as lembranças que ela se recusava a carregar. Ruas que contavam sua história, agora viravam estranhas, apagadas pela água e pela escuridão.

No bolso interno do casaco, apenas os documentos essenciais. Nome completo. CPF. RG. Tudo ainda estava intacto, tudo ainda dizia “Isadora Vasconcellos”. Mas ela sabia que, em breve, isso também teria que desaparecer. Se quisesse sumir de verdade, teria que morrer. Não de corpo, mas de existência.

Desaparecer sendo mulher, rica, casada, conhecida… não era simples. Não se tratava apenas de sumir, mas de arquitetar o sumiço com precisão. Um erro, uma ponta solta, e todo o esforço se desmancharia como areia entre os dedos.

Sumir com inteligência exigia estratégia.

E ela aprenderia.

Mesmo que precisasse pagar o preço mais alto.

Adormeceu por intervalos curtos, entre solavancos da estrada e pensamentos que vinham como punhais. Acordava com o rosto colado ao vidro gelado, tentando lembrar de quem era antes de tudo desmoronar. Antes de Henrique transformar amor em prisão. Antes de Clara roubar dela o que havia de mais precioso. Antes de o mundo virar de cabeça para baixo.

Horas depois, o ônibus parou.

O céu ainda estava cinzento, o sol nascendo tímido por trás de nuvens pesadas. O cheiro de terra molhada invadia tudo, misturando-se com o bafo quente do motor. Ela desceu do ônibus com os mesmos poucos pertences que carregava desde o início. Uma bolsa pequena, um casaco leve, e uma decisão definitiva.

Agora ela precisava de um novo nome. Uma nova história. Uma nova pele. Um lugar onde pudesse recomeçar… sem rastros. Sem desconfianças. Onde pudesse existir de novo sem a sombra de quem foi.

Ali, naquela cidade esquecida pelo tempo, cercada por montanhas e silêncios, ela escolheu renascer.

Mas a mulher que caminhava pela calçada úmida, com passos calmos e um olhar que escondia cicatrizes profundas, já não era mais Isadora Vasconcellos.

Era outra.

E o mundo jamais descobriria quem.

Capítulos
1 Capítulo 1 – O Dia Em Que Eu Parei de Existir
2 Capítulo 2 – O Começo do Fim
3 Capítulo 3 – A Mulher que Ninguém Conhecia
4 CAPÍTULO 4 – SILÊNCIO EM DEMASIA
5 Capítulo 5 – Fantasmas que eu escolhi não ver
6 Capítulo 6 – Onde ninguém me conhecia
7 Capítulo 7 – As Coisas Que Não Dizemos
8 Capítulo 8 – As Cores de Monte Azul
9 Capítulo 9 – A Ausência que se Tornou Silêncio
10 Capítulo 10 – O Velório de Uma Mulher que Ainda Respira
11 Capítulo 11 – Entre o Fim e o Recomeço
12 Capítulo 12 – Segredos Florescem em Silêncio
13 Capítulo 13 – Verdades que o Silêncio Sussurra
14 Capítulo 14 – Rastros Invisíveis
15 Capítulo 15 – A Mulher que Morreu
16 Capítulo 16 – A Arte de Permanecer Invisível
17 Capítulo 17 – O Peso do Início
18 Capítulo 18 – A Verdade que Sangra
19 Capítulo 19 – Feridas Abertas Não Sabem Silenciar
20 Capítulo 20 – Fugir Também É Resistir
21 Capítulo 21 – Quando o Silêncio Grita
22 Capítulo 22 – Quando as Escolhas Começam a Cobrar
23 Capítulo 23 – A Verdade Tem Voz
24 Capítulo 24 – Quando o Passado Toca a Porta
25 Capítulo 25 – Entre Linhas que Não Devem Ser Cruzadas
26 Capítulo 26 – Quando o Passado Insiste em Ficar
27 Capítulo 27 – Onde o Medo Tem Nome
28 Capítulo 28 – As Cinzas de um Nome
29 Capítulo 29 – O Peso de Se Chamar Isadora
30 Capítulo 30 – Quando a Verdade Respira
31 Capítulo 31 – O Fim das Correntes
32 Epílogo – Onde Florescem os Recomeços
Capítulos

Atualizado até capítulo 32

1
Capítulo 1 – O Dia Em Que Eu Parei de Existir
2
Capítulo 2 – O Começo do Fim
3
Capítulo 3 – A Mulher que Ninguém Conhecia
4
CAPÍTULO 4 – SILÊNCIO EM DEMASIA
5
Capítulo 5 – Fantasmas que eu escolhi não ver
6
Capítulo 6 – Onde ninguém me conhecia
7
Capítulo 7 – As Coisas Que Não Dizemos
8
Capítulo 8 – As Cores de Monte Azul
9
Capítulo 9 – A Ausência que se Tornou Silêncio
10
Capítulo 10 – O Velório de Uma Mulher que Ainda Respira
11
Capítulo 11 – Entre o Fim e o Recomeço
12
Capítulo 12 – Segredos Florescem em Silêncio
13
Capítulo 13 – Verdades que o Silêncio Sussurra
14
Capítulo 14 – Rastros Invisíveis
15
Capítulo 15 – A Mulher que Morreu
16
Capítulo 16 – A Arte de Permanecer Invisível
17
Capítulo 17 – O Peso do Início
18
Capítulo 18 – A Verdade que Sangra
19
Capítulo 19 – Feridas Abertas Não Sabem Silenciar
20
Capítulo 20 – Fugir Também É Resistir
21
Capítulo 21 – Quando o Silêncio Grita
22
Capítulo 22 – Quando as Escolhas Começam a Cobrar
23
Capítulo 23 – A Verdade Tem Voz
24
Capítulo 24 – Quando o Passado Toca a Porta
25
Capítulo 25 – Entre Linhas que Não Devem Ser Cruzadas
26
Capítulo 26 – Quando o Passado Insiste em Ficar
27
Capítulo 27 – Onde o Medo Tem Nome
28
Capítulo 28 – As Cinzas de um Nome
29
Capítulo 29 – O Peso de Se Chamar Isadora
30
Capítulo 30 – Quando a Verdade Respira
31
Capítulo 31 – O Fim das Correntes
32
Epílogo – Onde Florescem os Recomeços

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