Herdeira da Luz

Herdeira da Luz

Capítulo 1 - Luz em silêncio.

A infância de Alissa, embora cercada de riqueza e poder, era feita de silêncio, olhares duros e frio nas paredes de pedra.

Os servos a temiam.

Mesmo abençoada pela Deusa da Estrela, ou talvez justamente por isso, cochichavam sempre que ela passava. Seus cabelos brancos como a neve sagrada, seus olhos de estrela que brilhavam no escuro — tudo nela parecia divino, sim… mas também alienígena.

O medo era um manto pesado, e Alissa, desde muito jovem, aprendeu a vesti-lo calada.

Seu avô, o lorde Edran, não permitia fraqueza. Ele forçava a menina a treinar com seus poderes todos os dias, exigia resultados perfeitos, e quando falhava — o que era comum para uma criança —, era trancada em seu quarto. Sem comida. Sem descanso. Sem consolo.

Mas havia um único consolo, sim.

Oliver.

O filho de uma criada humilde, nascido apenas dois dias depois de Alissa. Ele invadia seu quarto em silêncio, com um sorriso e um pedaço de pão escondido dentro do casaco.

— “Por que você não tem medo de mim, Oliver?” — sussurrava Alissa, com os olhos marejados, comendo devagar. - Alissa 6 anos

Ele apenas sorria.

— “Eu te acho belíssima, Alissa. Assim como a própria deusa. E você… nunca me dará medo.” - Oliver 6 anos

Ele estendia a mão pequena e quente, e Alissa sempre a segurava como se fosse o único fio que a ligasse ao mundo. Ela não sabia que nome dar ao que sentia, mas o calor que Oliver trazia fazia seu peito doer de forma boa. Talvez aquilo fosse amor, ou talvez fosse só a prova de que, mesmo numa infância roubada, a esperança ainda florescia.

Os outros servos sussurravam mais alto à medida que ela crescia.

— “Uma mulher no trono? Absurdo.”

— “Ela não será imperatriz. O que o rei está pensando?”

Cada frase fazia o sangue de Oliver ferver. Ele via as mãos de Alissa apertadas contra o próprio peito, escondendo a dor, sempre em silêncio.

Um dia, cansado de ouvir e calar, ajoelhou-se diante dela no jardim escondido onde costumavam fugir.

— “Me curvo diante da estrela desta nação, vossa majestade Alissa,” disse com a voz firme e os olhos molhados. “Irei te proteger com meu sangue e suor.”

Ela ficou chocada, as bochechas rubras, a garganta apertada. Mas então sorriu — e pela primeira vez em dias, sorriu de verdade.

— “Então erga sua espada por mim quando for necessário, Oliver.”

E ele prometeu.

Fugiam sempre que podiam. Brincavam nos jardins, pulavam nos espelhos d’água, escalavam árvores proibidas, sonhavam com mapas e constelações desenhadas no chão.

Mas a liberdade durava pouco. O avô sempre descobria. Sempre repreendia. Trancava Alissa no quarto por dias com pilhas de livros — Deveres de uma Soberana, Estratégia de Guerra, A História das Rainhas que Falharam. Ela lia até os olhos arderem, até esquecer o som do riso de Oliver.

E mesmo assim, quando ele voltava, escondido pela noite, trazendo um pedaço de fruta, ou um desenho feito a carvão… tudo doía menos.

(...)

Com o passar dos anos, o poder de Alissa crescia como uma estrela prestes a explodir.

A Deusa da Estrela não dera à menina um presente qualquer. Era uma bênção rara e viva, que queimava por dentro. Alissa sentia, às vezes, como se houvesse um sol preso em seu peito — algo que ela mal compreendia, mas que pedia para ser libertado.

E quanto mais o avô a pressionava, quanto mais livros ela lia, quanto mais treinamentos forçados enfrentava… mais instável seu poder se tornava.

Até que um dia, tudo fugiu do controle.

Era uma tarde nublada. Ela e Oliver estavam escondidos na estufa dos fundos — seu refúgio secreto. Ele a fazia rir com alguma piada boba envolvendo o velho bibliotecário. Alissa, exausta das obrigações, se sentia leve por um instante.

Mas então, um lampejo de dor em sua cabeça. Uma fisgada. Um tremor de energia. Os olhos de estrela brilharam intensamente.

Ela gritou:

— “Afaste-se, Oliver!”

Mas era tarde demais.

Uma onda de luz saiu de suas mãos, involuntária, como uma explosão de cristal. Oliver voou para trás, atingido em cheio no peito, e caiu entre os vasos quebrados, inconsciente.

Alissa correu até ele, em pânico, com as mãos tremendo e o coração despedaçado. Uma queimadura em forma de estrela sangrava lentamente no lado esquerdo do peito de Oliver.

Ela o havia ferido. Ela.

Quando ele acordou horas depois, a viu encolhida no chão, os olhos inchados de tanto chorar.

— “Alissa…?”

— “Eu te machuquei… eu te machuquei…” — soluçava. — “Você precisa ir embora… não posso… não posso deixar isso acontecer de novo.”

Ela se arrastou até a porta do quarto, trancou por dentro e chorou em silêncio. Na escuridão.

Horas depois, ouviu os batidinhas suaves do lado de fora. A voz dele veio abafada:

— “Alissa… me escuta. Eu estou bem. Me veja… abra a porta e verá que estou bem.”

Nada.

— “Por favor… não me afaste, Alissa. Eu não tenho medo de você. Nem nunca terei.”

— “Vai embora, Oli. Eu não quero te machucar de novo…” — ela disse, sentada no chão frio, o rosto escondido nos joelhos.

Silêncio.

E então ela ouviu um som diferente. Um baque. Como se ele tivesse se encostado na porta, decidido a ficar ali a noite toda, só para provar que não a abandonaria.

E ele ficou.

No dia seguinte, ele ainda estava lá.

Eles esconderam o ferimento de todos. Disseram que Oliver havia se cortado com vidro da estufa. O curandeiro cuidou da cicatriz sem desconfiar. E ninguém jamais soube que a estrela dentro de Alissa havia quase destruído a única pessoa que ela amava.

Mas a culpa… essa ela carregaria por muito tempo.

E Oliver, agora marcado em carne viva pela luz da Deusa, carregaria a promessa de proteger não só uma princesa, mas uma tempestade de poder e dor que um dia… poderia engolir o mundo.

Foram três semanas de silêncio, distância e dor.

Após o acidente que deixara a cicatriz no peito de Oliver, Alissa havia se fechado como uma concha ferida. Temia o próprio toque, a própria existência. O poder da Deusa em seu sangue parecia indomável, cruel — um fardo que ela não queria carregar, especialmente se isso significasse machucar quem ela mais amava.

Mas Oliver nunca desistiu dela.

Todos os dias, batia à porta de seus aposentos. Todos os dias, pedia:

— "Por favor, Alissa. Me escuta. Me deixa te ajudar. Eu não tenho medo de você."

Na terceira semana, algo dentro dela cedeu. Era o medo… ou era o amor que venceu?

Talvez os dois.

Mas ela abriu a porta.

E ele estava ali.

Juntos, em segredo, começaram a treinar o controle. Oliver a ajudava a respirar, concentrar, ouvir o próprio coração. A magia da estrela dentro de Alissa reagia ao seu estado emocional — e aos poucos, ela começou a compreender isso.

Era a raiva que fazia a luz queimar. O medo a fazia tremer. Mas o amor... o amor silenciava tudo.

Numa manhã suave, ela conseguiu. Invocou uma esfera de luz estável entre as mãos, que brilhou suavemente, sem machucar, sem tremores.

Oliver a observava em silêncio, maravilhado, até perguntar:

— “O que você faz… para não perder o controle?”

Ela sorriu, ofegante, mas leve como nunca estivera em meses.

— “Eu penso em você. Em nossa amizade. No amor forte de irmão que temos.”

Seus olhos brilharam como o céu estrelado.

— “Você me mantém forte, Oli.”

Alissa o abraçou — pela primeira vez desde o acidente.

Oliver soltou um riso abafado, surpreso e emocionado.

— “Finalmente me abraçou, Ali… eu te amo muito. Não poderia ter pedido irmã melhor à deusa.”

 

O domínio dos poderes de Alissa não passou despercebido.

Lorde Edran, sempre atento, ficou satisfeito. Mas jamais demonstrava mais do que um aceno frio. E para ele, isso não era suficiente.

Ela teria que aprender também os deveres reais. Política, etiqueta, domínio da linguagem imperial, e principalmente, comportar-se como a “Estrela do Império”.

Quando soube que Alissa andava com Oliver pelos corredores, seus olhos se estreitaram de nojo.

— “Fiquei sabendo que você anda com um bichinho de estimação por aí...”

— “Você e seu pai são mesmo farinha do mesmo saco... envolvendo-se com plebeus. Que vergonha.”

Alissa engoliu a raiva. Não podia mostrar insatisfação. Estava treinada para se curvar, para sorrir, para ser útil. Mas por dentro… ardia.

— “Perdoe-me, avô. Mas estou fazendo tudo o que me pede. Então, por favor... permita-me ao menos ter um amigo neste palácio.” — disse, cerrando os punhos sob o manto prateado.

Lorde Edran gargalhou. Um som seco, cortante.

— “Amigo?”

— “Ele é apenas um cachorro que te seguirá até a morte. Bom… ao menos ele serve para algo. Soube que é bom com espadas. Perfeito.”

Pegou a taça de vinho que lhe foi servida, sem sequer olhar para ela.

— “Ele será seu guarda pessoal. Afinal, até você precisa de uma coleira.”

Alissa respirou fundo. Mas o golpe final viria logo em seguida:

— “Seu baile de apresentação se aproxima. Espero que não cometa erros…”

Ele girou a taça lentamente.

— “…ou me livro do seu cachorrinho pulguento.”

As palavras foram como gelo cravado no peito.

Alissa se curvou.

— “Irei me comportar, avô. Mas… peço, por tudo que é sagrado, que não mexa com Oliver. Eu lhe peço.”

Houve um silêncio desconfortável.

Ele fez um gesto vago com a mão, como quem espanta uma mosca.

— “Está bem. Saia.”

Ela saiu.

Mas não sem antes levar consigo a raiva amarga que crescia dentro do coração.

Não era mais medo. Não era mais só tristeza.

Era o início do ressentimento.

A centelha da estrela que um dia deixaria de obedecer.

Assim que Alissa deixou o salão imperial, uma figura alta e rígida surgiu do fundo do corredor. Seu vestido escuro contrastava com a pele pálida e os olhos austeros.

Helena.

A mulher escolhida por Lorde Edran para vigiá-la. Uma serva fiel… ao rei, não à princesa.

— “Vamos, criança. Está na hora de seus deveres como estrela desta nação.” — disse, sem emoção, girando nos calcanhares.

Alissa a seguiu em silêncio.

Não que tivesse escolha.

Foram semanas de treinos intermináveis: dança formal, etiqueta, leitura sobre a história imperial, estratégias diplomáticas e, principalmente, decoreba de nomes — lordes, ladys, príncipes e comandantes de reinos vizinhos. Todos que estariam presentes no Baile de Apresentação da Estrela.

Alissa sentia a mente entorpecida. Cada reverência, cada lição era como grilhões invisíveis prendendo seus pulsos.

Pior ainda: havia passado semanas sem ver Oliver.

Enquanto isso, do lado de fora, Oliver treinava como nunca.

Cada golpe de espada, cada bloqueio, cada corrida… não era apenas treino. Era uma promessa. Uma forma de estar à altura da estrela que ele havia jurado proteger.

— “Nossa, Oliver… você está cada vez melhor.” — disse Anthony, um dos cavaleiros veteranos, tocando seu ombro suado.

— “E ainda não é o suficiente.” — ofegou Oliver, limpando o suor da testa com o antebraço. — “Sei que não sou abençoado pela estrela da nação… mas darei o meu melhor para ser digno de estar ao lado dela.”

Anthony ergueu uma sobrancelha.

— “Você está falando da princesa herdeira…?” — perguntou com tom de surpresa.

Do fundo do campo de treino, uma risada seca interrompeu.

Alex.

O cavaleiro pessoal do rei. Um homem de olhos frios e ambição venenosa.

— “Você acha mesmo que uma mulher vai sentar no trono?” — disse com desdém.

Oliver o fitou. A mandíbula cerrada. O peito subindo e descendo, mas o olhar fixo, calmo. Contido.

Alex avançou dois passos, a espada pendurada na cintura.

— “Ela ainda não me deu motivo pra levantar minha espada por ela.” — riu. — “A não ser pra arrancar a coroa da cabeça.”

Os amigos de Alex riram com ele, sujos de suor e arrogância.

Oliver deu um passo à frente, olhos brilhando com um aviso frio.

— “Eu sugiro que lave a boca antes de falar da estrela desta nação.”

— “O que acha que o rei vai pensar de um cãozinho como você enfrentando um cavaleiro de verdade?” — provocou Alex, esbarrando nele de propósito.

Oliver soltou a espada no chão com um estalo metálico, se virando para ir embora. Mas antes, lançou um último olhar por cima do ombro:

— “Ah… e sim. Eu sou o cachorro dela.”

— “E eu mordo quem se aproxima demais da minha dona.”

Ele saiu, acompanhado de Anthony, deixando Alex com os punhos cerrados de raiva.

— “Maldito… quem ele pensa que é? Um servo… de uma mulher…” — resmungou, passando a mão pelos cabelos castanhos, os olhos queimando de ódio. — “O rei realmente perdeu a cabeça…”

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Comments

Daniela Miliane

Daniela Miliane

parabéns autora adorando até aqui

2025-07-23

1

Seebastiana Guilhermina Campos de França

Seebastiana Guilhermina Campos de França

Estou gostando da história

2025-07-20

1

Ver todos
Capítulos
1 Capítulo 1 - Luz em silêncio.
2 Capítulo 2 - A Herdeira Escondida.
3 Capítulo 3 - A Herdeira Será vista
4 Capítulo 4 - Dançando com Fogo.
5 Capítulo 5 - Sorrisos Forçados e olhares que queimam
6 Capítulo 6 - Visita Inesperada.
7 Capítulo 7 - Sentimentos Compartilhados.
8 Capítulo 8 - Liberdade momentânea.
9 Capítulo 9 - Segredos nas paredes do castelo.
10 Capítulo 10 - Sentimentos que Nunca chegaram.
11 Capítulo 11 - A voz que Move o reino.
12 Capítulo 12 - Chegada a Vila Colina azul
13 Capítulo 13 - Fios da corrupção.
14 Capítulo 14 - Julgamento
15 Capítulo 15 - Sussuros nas paredes.
16 Capítulo 16 - Início das sombras.
17 Capítulo 17 - Teia invisível
18 Capítulo 18 - Confidências e desconfianças
19 Capítulo 19 - Verdades Sepultadas
20 Capítulo 20 - O cavaleiro E nomeado.
21 Capítulo 21 - A luz antes da tempestade
22 Capítulo 22 - Sombras
23 Capítulo 23 - Máscaras e mentiras
24 Capítulo 24 - Trama silenciosa.
25 Capítulo 25 - Laços
26 Capítulo 26 - O Jogo de tabuleiro Começa
27 Capítulo 27 - Máscaras que caem
28 Capítulo 28 - Então e assim que acaba.
29 Capítulo 29 - Dor, fúria & negação.
30 Capítulo 30 - Dias Cinzentos
31 Capítulo 31 - Até outra vida.
32 Capítulo 32 - Julgamento e perdão.
33 Capítulo 33 - O amanhã Virá
34 Capítulo 34 - União dos reinos
35 Capítulo 35 - Uma Nova era.
36 Capítulo 36 - Dias Felizes
37 Capítulo 37 - Até a eternidade.
38 Capítulo 38 - Noite de felicidade.
39 Capítulo 39 - Sentimentos que Florescem
40 Capítulo 40 - Notícias Felizes
41 Capítulo 41 - Uma amor que Cresce.
42 Capítulo 42 - Nasce uma nova vida.
43 Capítulo 43 - A linhagem continua.
44 Agradecimento
Capítulos

Atualizado até capítulo 44

1
Capítulo 1 - Luz em silêncio.
2
Capítulo 2 - A Herdeira Escondida.
3
Capítulo 3 - A Herdeira Será vista
4
Capítulo 4 - Dançando com Fogo.
5
Capítulo 5 - Sorrisos Forçados e olhares que queimam
6
Capítulo 6 - Visita Inesperada.
7
Capítulo 7 - Sentimentos Compartilhados.
8
Capítulo 8 - Liberdade momentânea.
9
Capítulo 9 - Segredos nas paredes do castelo.
10
Capítulo 10 - Sentimentos que Nunca chegaram.
11
Capítulo 11 - A voz que Move o reino.
12
Capítulo 12 - Chegada a Vila Colina azul
13
Capítulo 13 - Fios da corrupção.
14
Capítulo 14 - Julgamento
15
Capítulo 15 - Sussuros nas paredes.
16
Capítulo 16 - Início das sombras.
17
Capítulo 17 - Teia invisível
18
Capítulo 18 - Confidências e desconfianças
19
Capítulo 19 - Verdades Sepultadas
20
Capítulo 20 - O cavaleiro E nomeado.
21
Capítulo 21 - A luz antes da tempestade
22
Capítulo 22 - Sombras
23
Capítulo 23 - Máscaras e mentiras
24
Capítulo 24 - Trama silenciosa.
25
Capítulo 25 - Laços
26
Capítulo 26 - O Jogo de tabuleiro Começa
27
Capítulo 27 - Máscaras que caem
28
Capítulo 28 - Então e assim que acaba.
29
Capítulo 29 - Dor, fúria & negação.
30
Capítulo 30 - Dias Cinzentos
31
Capítulo 31 - Até outra vida.
32
Capítulo 32 - Julgamento e perdão.
33
Capítulo 33 - O amanhã Virá
34
Capítulo 34 - União dos reinos
35
Capítulo 35 - Uma Nova era.
36
Capítulo 36 - Dias Felizes
37
Capítulo 37 - Até a eternidade.
38
Capítulo 38 - Noite de felicidade.
39
Capítulo 39 - Sentimentos que Florescem
40
Capítulo 40 - Notícias Felizes
41
Capítulo 41 - Uma amor que Cresce.
42
Capítulo 42 - Nasce uma nova vida.
43
Capítulo 43 - A linhagem continua.
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Agradecimento

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