Capítulo 5 - Sorrisos Forçados e olhares que queimam

A festa continuava com todo o esplendor que o império podia oferecer. As mesas fartas, os violinos em sincronia perfeita, o chão reluzente refletindo os passos da nobreza. Para qualquer observador, seria uma noite memorável.

Para Alissa, porém, era apenas mais um teste.

Ela permanecia sentada ao lado do trono do imperador, ereta, elegante, os gestos contidos e o sorriso ensaiado, mesmo quando seu rosto já começava a doer. Diversos lords e ladys a abordavam em sequência, falando sobre alianças, terras, heranças, casamentos, tradições — tudo girava em torno do trono, nunca dela.

Ela respondia a todos com educação impecável, lembrando-se das aulas de etiqueta, da postura perfeita, das expressões neutras. O rei, ao seu lado, observava tudo com orgulho silencioso, a sombra de um sorriso em seu rosto rígido.

— “Muito bem, Alissa. Você está representando o império como se deve,” disse ele em certo momento, baixinho, satisfeito.

Mas dentro de si, Alissa estava exausta. A alma pesava mais que o vestido. Aquela noite estava longe de ser uma celebração — era uma vitrine. E ela, a joia principal.

Porém, havia algo que a fazia manter o olhar em alerta: um par de olhos a seguia o tempo todo.

Entre as conversas e cumprimentos, Alissa percebeu que Dante, o príncipe herdeiro do reino vizinho, raramente desviava os olhos dela. Ele não se escondia, não disfarçava — apenas observava, firme e silencioso, com uma expressão que misturava curiosidade intensa, análise... e algo mais.

Ela tentou ignorar, mas sempre que virava o rosto, ele ainda estava olhando. E aquilo, de alguma forma, a deixava intimidada. Não era o medo que sentia do avô, era diferente… algo mais instintivo, mais inquietante.

Porém, por mais que isso a incomodasse, também a atraía. Havia algo naquele príncipe — algo que não se revelava com palavras, mas que sua presença anunciava. E ela queria entender o que era.

Alissa se levantou com elegância, o tecido de seu vestido azul royal fluindo como ondas atrás de si.

— "Irei caminhar pelo salão, avô," disse, mantendo a voz baixa, mas firme.

O imperador nem olhou para ela, apenas acenou com a mão, sorrindo para os convidados ao redor.

— "Claro, vá. Afinal, esta festa é sua, minha querida."

Querida. A palavra soou vazia. Mais uma máscara do homem que a tratava como símbolo, não como neta.

Com passos graciosos, mas cada vez mais apressados, Alissa atravessou o salão lotado, desviando dos olhares famintos dos nobres. Eles cochichavam ao vê-la passar — ora admirando sua beleza, ora especulando sobre seu futuro. Cada sussurro parecia ecoar dentro de sua mente.

"Estrela da nação."

"Cabelo como neve..."

"Será que vai se casar com Dante?"

"Ouvi dizer que é tão fria quanto parece..."

Sufocante.

Ela saiu pela porta lateral do salão e adentrou os corredores silenciosos do castelo, onde os retratos das gerações passadas observavam a tudo com olhos imóveis e julgadores.

Caminhava pelo corredor nobre, onde retratos antigos adornavam as paredes douradas. Imperadores de olhar severo, imperatrizes de semblante altivo... figuras que moldaram a história do Reino da Estrela. E, agora, ela também estava prestes a entrar para aquela linhagem.

Seu olhar percorreu cada quadro, cada nome... até perceber uma ausência. Um espaço vazio na parede, cercado por marcas de pó e desbotamento.

Ela parou.

Sabia exatamente o que faltava ali.

— "Pai..." murmurou, quase sem voz. "Você também teve que suportar tudo isso, não foi?"

O silêncio respondeu.

Som de passos suaves a tirou do devaneio. Quando virou, encontrou Dante aproximando-se. Seus olhos vermelhos estavam mais intensos à luz das tochas que dançavam pelas paredes.

— Achei que talvez quisesse um momento longe da multidão — disse ele com um sorriso leve.

— Precisei de um respiro — respondeu Alissa, sua voz calma, mas com um fundo de nervosismo. A presença de Dante a deixava inquieta de uma maneira nova.

Ela se virou devagar, os olhos encontrando os dele sob a luz dourada das tochas do corredor. Ele estava ali, imponente, mas não ameaçador. O olhar intenso de antes ainda estava presente, mas agora havia algo mais: genuína curiosidade. E talvez... solidariedade?

— "Achei que ainda estivesse no salão, cercado por todos aqueles que querem agradar um príncipe herdeiro," disse ela, com um sorriso contido.

Dante riu brevemente, um som grave e suave.

— "E achei que estivesse no trono, cercada por todos que querem agradar a próxima imperatriz."

Houve um silêncio, confortável, denso. Ele olhou para o espaço vazio na parede.

— "Esse quadro... era do seu pai, não era?"

Alissa arregalou um pouco os olhos.

— "Você sabe sobre ele?"

Dante assentiu devagar.

— "Sei que foi o herdeiro que desistiu. E sei que, por isso, o nome dele é tratado como uma sombra neste castelo." Ele olhou para ela, sério. "Mas, às vezes, as sombras contam mais verdades do que a luz."

Ela o encarou por um momento longo. Pela primeira vez desde que o conheceu, Dante não parecia uma ameaça, nem um admirador cego. Parecia... alguém que compreendia.

— "Você é diferente do que imaginei," disse ela, finalmente.

— "E o que imaginou?"

— "Alguém perigoso."

Ele sorriu, mas seus olhos não sorriram.

— "E talvez eu seja. Mas hoje... só quis entender quem é a estrela que todos estão tentando alcançar."

Alissa sorriu, mas Dante não a olhava mais. Ele agora a encarava, como se cada traço de seu rosto fosse mais fascinante que qualquer pintura antiga.

— E você também é diferente do que eu imaginei, alteza — disse ele, sua voz mais baixa, quase um sussurro.

O coração de Alissa disparou. Ela virou o rosto devagar, encontrando os olhos dele. Tão próximos. Tão intensos. Dante levantou a mão com cuidado, tocando de leve a lateral do rosto dela. O toque era quente, firme e gentil.

— Mais real. Mais forte. E muito mais bela — continuou ele, os olhos cravados nos dela.

Alissa sentiu o calor subir por sua pele, corando levemente. O toque em seu rosto era suave, mas parecia acender algo dentro dela. As palavras dele ecoavam no peito como promessas não ditas.

— Vossa alteza... — ela tentou dizer algo, mas sua voz saiu quase como um suspiro.

— Dante — corrigiu ele, com um sorriso. — Só Dante... quando estivermos sozinhos.

Ela assentiu, sem conseguir tirar os olhos dele.

Por um instante, tudo ao redor desapareceu. Só havia os dois, naquele corredor de memórias, entre sombras do passado e o início de algo novo.

O silêncio caiu entre eles outra vez, denso e cheio de perguntas não ditas.

Alissa manteve os olhos nos de Dante, tentando entender o que ele escondia por trás daquela postura calma e daquele olhar que a atravessava como se pudesse vê-la por dentro.

— "Por que está tão interessado em mim, príncipe Dante?" — perguntou ela, sem rodeios.

Ele não hesitou.

— "Porque você é o tipo de pessoa que não pertence àquela sala. E ainda assim... está destinada a governá-la."

A resposta a deixou sem palavras por um instante. Ele continuou:

— "Desde que cheguei, ouvi histórias. Que era escondida, que era fraca, que era uma peça de xadrez que o rei mantinha trancada até o momento certo. Mas quando a vi descer aquelas escadas... percebi que você é muito mais perigosa do que pensam. Não por poder, mas por potencial."

O corpo de Alissa reagir — o calor subia por seu pescoço, o coração batia forte, e os pensamentos se embaralhavam. Os olhos vermelhos de Dante cravados nos seus pareciam queimar algo dentro dela.

Ela não conseguia se mover. Não queria se mover.

— “O que você está fazendo comigo?” — ela sussurrou, surpresa com a própria voz trêmula.

Dante sorriu de canto, os olhos escuros ainda fixos nela.

— “A mesma coisa que você está fazendo comigo, Alissa.”

Era a primeira vez que ele dizia seu nome sem títulos. Soou íntimo. Quase perigoso.

Alissa sentiu o ar rarear entre eles. A postura firme e treinada que tanto lhe exigiram desde criança estava desmoronando sob o peso de algo que não conseguia controlar. Um impulso primitivo, novo, vivo.

Alissa abaixou os olhos. Aquilo era novo. Ninguém nunca falava com ela assim — sem bajulações, sem ordens, sem medo.

— "O que quer de mim, Dante?" — ela perguntou, encarando-o novamente. — "Quer se casar comigo como os outros reinos esperam? Quer unir nossas coroas para dominar o continente? Ou só está curioso com o que há por trás da ‘estrela’?"

Dante se aproximou um passo, o suficiente para que sua voz saísse quase num sussurro:

— "Ainda estou decidindo."

Alissa sentiu o ar rarear entre eles. A postura firme e treinada que tanto lhe exigiram desde criança estava desmoronando sob o peso de algo que não conseguia controlar. Um impulso primitivo, novo, vivo.

Quando Dante ergueu a mão e a encostou em sua cintura, não foi com pressa, mas com a precisão de alguém que sabia o que estava fazendo — e sabia que ela não recuaria.

Ela não recuou.

— “Se não quiser... me diga agora” — murmurou ele.

Mas Alissa não disse nada. Em vez disso, sua mão subiu para o peito dele, sentindo o calor debaixo da roupa nobre, sentindo a pulsação acelerada sob sua palma. O silêncio entre os dois gritou mais alto do que qualquer palavra.

Os lábios estavam a um sopro de distância.

Eles não se beijaram. Ainda não. Mas estavam perigosamente próximos de cruzar uma linha sem volta.

— “Vamos dar falta de você no baile...” — ela sussurrou, sem fôlego, como se tentasse se lembrar da realidade.

Dante sorriu.

— “Eles que esperem. Eu encontrei algo muito mais interessante aqui.”

Alissa sorriu de volta. Um sorriso cheio de possibilidades.

Então, com o coração em chamas e a mente em um caos delicioso, ela se afastou um passo — não por força, mas por escolha.

— “Voltemos. Ainda não quero ser lenda... pelos motivos errados.”

Dante soltou uma risada baixa e a seguiu, os olhos ainda acesos. A dança havia começado, e não era mais com os pés.

Era com os corações.

Com o desejo.

E com o destino.

Um som ao longe ecoou pelo corredor. Um leve arrastar de tecido, o som de passos rápidos tentando não chamar atenção.

Ambos se viraram.

De longe, Helena — a serva real e espiã fiel do rei — parou por um segundo no fim do corredor, seus olhos encontrando os de Alissa por um breve instante.

Ela não disse nada, apenas deu um passo para trás e desapareceu na penumbra do castelo, como uma sombra que não deveria estar ali.

Alissa suspirou, seus ombros pesando com o lembrete de que nada no castelo era realmente privado.

— "Ela vai contar ao meu avô," disse Alissa, tensa.

Dante franziu o cenho.

— "Você teme o rei assim?"

— "Você não o conhece."

Dante a observou em silêncio por um momento, e então, algo mudou em sua expressão — uma nota de fúria controlada, de julgamento.

— "Não... Mas talvez seja hora de alguém conhecê-lo de verdade."

Alissa o olhou, surpresa, mas antes que pudesse questionar, ele fez uma reverência elegante.

— "Boa noite, princesa. Que as sombras da sua linhagem não sufoquem o brilho da estrela que você é."

E com isso, Dante se virou e caminhou de volta para o salão, deixando Alissa com o coração acelerado e os pensamentos em turbilhão.

O frio do corredor já não fazia mais efeito.

Arrepio percorreu a espinha de Alissa quando se lembrou de Helena. Aqueles olhos escuros e frios como aço haviam cruzado com os seus por um breve instante antes de ela desaparecer no salão novamente — e Helena nunca fazia algo sem intenção.

Alissa sabia o que aquilo significava.

— “Droga...” — sussurrou para si mesma, os dedos trêmulos alisando o tecido dourado de seu vestido.

Ela endireitou os ombros, tentando recuperar a postura. Não podia mostrar fraqueza. Não agora. Não com Helena rondando como uma serpente esperando o menor deslize para dar o bote.

Mas por dentro... o coração de Alissa ainda pulsava no ritmo de Dante.

O corpo de Alissa ardia em calor — mas não era o clima, e sim aquela sensação intensa que Dante deixara cravada em seu peito. As palavras dele ecoavam:

"Ainda estou decidindo."

As palavras de Dante ainda ecoavam nos ouvidos de Alissa, tão vívidas quanto o toque de suas mãos em sua cintura momentos antes. O calor ainda percorria sua pele, como se ele tivesse deixado uma marca invisível. Não era só o desejo que a deixava assim — era o perigo que vinha com ele. Dante era mais do que um príncipe encantador. Era fogo. Um fogo que podia tanto aquecer quanto queimar.

Alissa recostou-se por um momento na parede do longo corredor de mármore, com o coração acelerado e os pensamentos confusos.

"Estou rendida..." — pensou, quase em choque com a própria constatação.

Ela, que passou anos escondida, moldada por ordens e silêncios, agora sentia o coração saltar com apenas um olhar. E tudo isso por um homem que mal conhecia, mas que a via mais profundamente do que qualquer um jamais ousou ver.

Os olhos vermelhos dele...

A voz rouca e firme...

A segurança nos movimentos...

Tudo nele despertava nela sensações novas. Não era só desejo. Era uma atração que ultrapassava a lógica.

Mas, no fundo, ela sabia: não podia se entregar tão fácil. Estava numa arena política disfarçada de salão de baile. Um movimento em falso, e tudo poderia ser usado contra ela — principalmente por Helena.

Ainda assim...

Dante a fazia querer jogar o jogo.

E mais ainda… vencer.

Com um suspiro, Alissa se recompôs, passando a mão nos cabelos brancos arrumando os fios soltos que caíam em ondas pelos ombros. Precisava voltar. Precisava sorrir. Precisava continuar sendo a princesa perfeita — pelo menos até decidir se estava pronta para arriscar o coração.

Ela deu alguns passos, caminhando de volta ao salão com o rosto erguido e o queixo firme, como ensinara Helena durante todos os anos de etiqueta. No entanto, sua mente estava uma bagunça.

"Ela viu..."

"Ela vai usar isso."

"Ela vai distorcer tudo para o meu avô."

Alissa conhecia muito bem o jogo de intrigas daquele castelo. E sabia que para Helena, tudo era uma peça a ser movida no tabuleiro. E Alissa? Era uma ameaça em ascensão — e agora, com Dante envolvido, o perigo só aumentava.

Helena não era do tipo que fazia escândalo... mas ela era o olho do rei. Fria, silenciosa e letal quando precisava ser. A dúvida agora era: ela contaria ou não?

Se contasse, Alissa teria que se justificar. Explicar por que estava sozinha com o príncipe herdeiro em um corredor afastado. E não adiantaria dizer que nada aconteceu. Para o rei, o simples fato de ela estar longe do trono era falha suficiente.

Ela respirou fundo.

— “Não posso me deixar ser pega de surpresa.”

Voltou a caminhar pelos corredores em direção ao salão, seus passos agora mais calculados. Já não era a garota perdida nos próprios pensamentos. Era a princesa herdeira do império, e se Dante, Helena ou o próprio rei quisessem jogar, ela aprenderia a jogar também.

Mas antes, precisava descobrir por que seu pai tinha sido apagado da história.

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Helena caminhava pelos corredores internos do castelo, seus passos ecoando entre as paredes frias de pedra. Quando chegou até o trono do rei, foi recebida como de costume com um gesto de cabeça — mas sem palavras. Apenas se aproximou e se curvou.

— “Majestade… vi a princesa.”

O rei não se virou imediatamente. Continuou olhando pelas nobres dançando nosalão, as mãos cruzadas em seu colo, antes de falar em um tom calmo, quase desinteressado:

— “E o que exatamente você viu, Helena?”

Ela hesitou. Sabia que palavras demais seriam um erro… e palavras de menos, também.

— “Ela estava sozinha com o príncipe Dante. No corredor nobre.”

Um longo silêncio se seguiu. Mas então…

O rei sorriu.

Não era um sorriso caloroso, tampouco um riso leve de avô satisfeito. Era um daqueles sorrisos que Helena conhecia bem: frio, calculista, triunfante.

— “Então o herdeiro do trono de fogo está interessado…” ele murmurou para si mesmo, quase como quem saboreia uma taça de vinho raro. “Excelente.”

Helena manteve os olhos baixos, sentindo um arrepio subir pelas costas. Aquela reação... não era o que esperava. E era ainda pior. O rei não se incomodava com a aproximação — ele a queria. Já imaginava alianças, tratados, poder ampliado.

— “Pode se retirar, Helena.” disse ele por fim, ainda sorrindo.

Sem uma palavra, ela se curvou e saiu, engolindo em seco. Sabia que, ao servir esse rei, estava do lado errado da história — mas agora via quão longe ele estava disposto a ir. E usaria Alissa como uma peça no tabuleiro, sem hesitar.

Minutos Depois.

Alissa entrou no salão outra vez, mais centrada, mais firme. Já estava acostumada a usar máscaras, mas aquela noite estava sendo um desfile constante de rostos e falsos sorrisos. O que ela menos esperava era o olhar que recebeu.

O rei se levantou.

Com um sorriso que ela nunca tinha visto antes. Um sorriso orgulhoso. Um sorriso… perigoso.

— “Alissa, minha neta voltou… meu bem mais precioso.”

O coração de Alissa vacilou por um instante.

Ela parou, quase no meio do salão, os olhos fixos no rosto do avô. Aquilo não era normal. Ele nunca falava assim. Nunca a chamava daquela forma. Havia algo errado. Muito errado.

Ela forçou um sorriso, aproximando-se devagar.

— “Está tudo bem, avô?”

O rei passou o braço por trás dela, a conduzindo de volta ao trono como se fossem a imagem perfeita de uma família imperial unida.

— “Claro que sim, minha querida. Mais do que bem. Esta noite superou todas as expectativas.”

Alissa não respondeu. Apenas assentiu levemente, mas por dentro, o desconforto era como um nó apertando seu estômago.

Ela sentia. Sabia.

Seu avô estava tramando algo. E, dessa vez, envolvia diretamente o coração dela.

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O salão começava a esvaziar lentamente. As luzes douradas ainda dançavam pelas paredes, mas o brilho nos olhos de Alissa já havia desaparecido. O cansaço lhe pesava nos ombros, o vestido parecia mais pesado do que nunca, e o sorriso forçado de horas parecia ter deixado marcas em sua alma.

Foi quando Mariana surgiu entre os guardas, aproximando-se com sua postura humilde e firme, e se curvando com respeito absoluto diante do trono.

— "Eu me curvo diante do sol da nação, Majestade. Creio que devo levar a princesa aos seus aposentos. Já está na hora de uma dama dormir."

A voz dela era calma, mas carregava uma doçura protetora que Alissa reconhecia como seu único porto seguro ali.

O rei observou Mariana por um instante antes de assentir com um leve gesto.

— "Claro, Mariana. Pode se retirar, Alissa."

Disse com um aceno despreocupado, já voltando sua atenção para uma taça de vinho ao lado.

Alissa se curvou suavemente.

— "Boa noite, avô."

Mas, quando virou-se para partir, uma mão forte segurou seu braço.

Seu coração disparou.

O toque era firme, gelado e inesperado. Ela virou-se devagar, encarando os olhos do rei que agora estavam fixos nela com intensidade.

— "Estou muito orgulhoso do seu feito desta noite, Alissa."

Ele falou em um tom baixo, quase gentil — quase.

"Agora vá e descanse… minha estrela."

O tom não era cruel, mas havia algo ali. Algo nos olhos dele. Algo no modo como disse “minha estrela”.

Um arrepio percorreu a espinha de Alissa.

Ela sorriu levemente, forçado, recuando um passo quando ele soltou seu braço. Por dentro, tentava se convencer de que talvez fosse a bebida, talvez o vinho o tivesse deixado emotivo demais.

Mas ela sabia.

Aquilo não era emoção. Era controle. E ela estava sendo arrastada, centímetro por centímetro, para dentro de algo que ainda não compreendia.

Mariana percebeu o desconforto no olhar da princesa e a conduziu rapidamente para fora do salão.

Ao passarem pelos guardas, Alissa soltou um suspiro baixo. Sentia-se como uma prisioneira que acabara de ganhar uma trégua para respirar — até o sol nascer novamente.

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O quarto estava calmo, com a brisa suave da noite entrando pelas janelas entreabertas. As cortinas balançavam lentamente, como se sussurrassem segredos antigos que os muros do castelo se recusavam a esquecer.

Mariana estava sentada atrás de Alissa, penteando delicadamente seus longos cabelos brancos, retirando, com paciência e cuidado, cada adereço que os enfeitava. O silêncio entre as duas era confortável, até que Alissa quebrou-o com um suspiro de alívio.

— "Mariana... muito obrigada."

A voz era suave, quase um sussurro, mas carregada de gratidão.

Mariana sorriu, sem interromper o gesto gentil com a escova.

— "Que isso, minha querida. Estou sempre por você. Sempre estarei."

Com o último acessório retirado, ela se levantou e começou a ajeitar a cama da princesa.

— "Bom, agora é hora de descansar. Foi uma noite longa."

Mas Alissa não se moveu. Ficou sentada diante do espelho, encarando o próprio reflexo. Seus olhos azuis pareciam mais opacos do que nunca, e havia algo em sua expressão que Mariana conhecia bem: inquietação.

— "Mariana..."

A voz dela saiu trêmula, mas decidida.

— "Você sabe algo sobre meu pai?"

O ar pareceu congelar por um segundo.

Mariana parou de ajeitar os travesseiros. Seus dedos ficaram imóveis sobre o tecido por um breve instante, como se a própria pergunta tivesse um peso que ameaçava esmagá-la. Ela virou-se devagar.

— "Bom..." disse ela, buscando as palavras certas com muito cuidado.

— "Vi seu pai poucas vezes, Alissa. Eu era uma serva de baixo escalão na época. Não podia me aproximar muito do príncipe herdeiro."

Alissa sabia que aquilo não era toda a verdade. Havia algo mais. Um brilho nos olhos de Mariana, uma hesitação em sua voz — ela sabia mais. Mas não podia falar.

Ambas sabiam disso.

— "Entendo..."

Respondeu Alissa, frustrada. Sua voz saiu mais fria do que pretendia.

Mariana sorriu com tristeza, ela era uma garotinha assustada nos corredores gelados do castelo.

— "Irei me dormir agora, Mariana. Pode se retirar. Eu ficarei bem. Obrigada."

Mariana hesitou por um segundo, como se quisesse dizer algo mais... talvez contar a verdade, ou ao menos confortar com uma meia-verdade. Mas, no fim, apenas se curvou.

— "Claro, Vossa Alteza. Tenha uma boa noite."

Com passos silenciosos, saiu do quarto, deixando Alissa sozinha — cercada pelo luxo, pela história de sua família... e pelo vazio ensurdecedor da dúvida.

A porta se fechou com um leve clique.

Alissa olhou para o teto por um longo tempo, os olhos pesados, mas o sono distante.

A pergunta ainda queimava em seu peito:

"O que aconteceu com meu pai?"

---

A escuridão cedeu devagar, como um véu se desfazendo em luz suave. O som distante de risos infantis ecoava como um chamado. Alissa não sabia exatamente onde estava, mas a sensação era estranhamente familiar — como se estivesse voltando para um lugar que já conheceu.

Ela caminhava por um campo florido, onde lavandas dançavam ao vento. O céu acima era claro, e havia um calor suave, quase acolhedor. No centro daquele campo, uma figura masculina ajoelhava-se, segurando algo pequeno nos braços.

Quando ela se aproximou, viu: uma garotinha, com longos cabelos brancos, estava sendo erguida no ar por aquele homem de olhos azuis tão profundos quanto os dela.

— "Minha pequena estrela..."

A voz dele era firme, mas terna.

— "Você será a luz desse mundo. E mesmo que eu não esteja ao seu lado... você nunca estará sozinha."

Alissa parou.

Ela queria falar. Queria perguntar quem ele era. Mas, no fundo, já sabia.

Era ele.

Era seu pai.

A cena mudou como vento virando bruscamente. Agora ela estava nos corredores do castelo — ainda criança, deitada em um quarto escuro, ouvindo sussurros do lado de fora da porta. Duas vozes discutiam:

— "Ela é sangue do traidor."

Era a voz do rei.

— "Mas não é culpada por isso..." disse uma voz feminina. Mariana?

— "Ela será minha ferramenta. O símbolo que me fará imortal."

Disse o rei com frieza cortante.

Alissa sentiu o coração disparar no peito.

As sombras no sonho se tornaram mais pesadas. O ar, denso. E então, como num sussurro final, a voz de seu pai ecoou uma última vez:

— "Não confie na coroa, minha filha... nem todos que sorriem por você desejam seu bem."

Ela abriu os olhos de súbito, ofegante.

Estava em seu quarto. Sozinha.

O luar entrava pelas janelas, e o silêncio era profundo. Mas aquele calor no peito... aquela voz... aquelas palavras...

Não pareciam apenas um sonho.

Pareciam verdade.

--

No outro dia.

A água quente preenchia lentamente a banheira, o vapor subia em névoas suaves pelo quarto. Alissa permanecia sentada na beira da cama, imóvel, os olhos fixos em nada. Seu rosto ainda carregava os traços do choro da noite anterior: pálido, inchado, vulnerável. Mariana ajoelhada à sua frente, tocava seus cabelos com delicadeza, tentando passar-lhe conforto.

— "Eu sonhei com ele, Mariana..." — sussurrou Alissa. — "O rosto estava meio borrado... mas eu senti. Era ele. Era meu pai. É normal sentir tanta falta de alguém que você quase não se lembra?"

Mariana apertou os lábios, lutando contra a emoção. Ela queria dizer mais. Queria contar tudo que sabia — sobre o pai de Alissa, sobre o que aconteceu de verdade. Mas o medo das paredes com ouvidos, dos olhos do rei, era maior. Ainda assim, ela passou os dedos com ternura pelos cabelos brancos da princesa e disse, suavemente:

— "Não há nada mais normal do que sentir falta de quem se ama, mesmo que a lembrança seja um sussurro, minha menina."

Antes que pudesse dizer mais, a porta se abriu com força e passos firmes ecoaram pelo quarto.

— "Por que a princesa ainda não está no banho?" — disse Helena, com o tom afiado de sempre. Seus olhos percorreram o quarto com frieza, parando em Mariana e depois em Alissa. — "Chega de sentimentalismo. A princesa tem deveres."

As criadas se apressaram como formigas assustadas, correndo para completar a preparação do banho. Alissa apenas se levantou, sem dizer uma palavra. Mariana a ajudou a remover as vestes delicadamente, com o coração apertado. Helena apenas observava, impaciente.

Alissa entrou na água em silêncio. O calor tocava sua pele, mas não aquecia o que havia dentro. Ela mergulhou parte do rosto, tentando apagar o inchaço, tentando afastar a dor do sonho. A saudade, o vazio, a ausência de respostas. Tudo pesava mais do que a coroa invisível que já parecia carregar na cabeça.

Mariana, do lado de fora da banheira, observava com tristeza.

Helena, parada ao fundo, apenas bufou e saiu do quarto, murmurando algo sobre atrasos e compromissos.

E Alissa... apenas afundou um pouco mais na água, tentando esconder as lágrimas que voltavam, misturadas ao vapor.

---

O som das escovas deslizando pelos cabelos de Alissa era suave, quase terapêutico. As criadas trabalhavam em silêncio, respeitando o estado da princesa. Vestiram-na com um vestido verde oliva com detalhes brancos no centro, tecido leve que dançava com cada movimento, como se fosse parte da brisa que entrava pela janela aberta.

Mariana foi a última a se afastar, ajustando com cuidado a trança que prendia algumas mechas dos cabelos brancos da princesa, deixando o restante solto como ela gostava. Seu olhar encontrou o de Alissa pelo espelho, e ela viu ali o peso nos olhos azuis da jovem.

— "Alissa..." — disse Mariana suavemente. — "Talvez ver Oliver te faça melhor. Sei que ele também está esperando uma chance de vê-la."

Alissa a olhou com carinho, o primeiro sorriso sincero do dia surgindo em seus lábios, ainda que tímido. Ela sabia que Mariana tinha razão. Oliver era seu refúgio, o único que a fazia sentir-se Alissa, e não a "Estrela da Nação".

— "Você tem razão. Só de pensar nele já me sinto melhor." — disse Alissa, respirando fundo, tentando encontrar forças para encarar mais um dia no castelo.

Mas antes que pudesse se levantar, a porta do quarto se abriu bruscamente. Helena entrou com o rosto fechado e um pergaminho nas mãos.

— "Vossa alteza, seus planos para hoje foram alterados." — disse com a voz firme. — "Por ordem direta de Sua Majestade, você acompanhará o Conselheiro Zheran em uma visita diplomática à ala leste do castelo. Alguns emissários de reinos aliados desejam vê-la."

Alissa piscou, surpresa e frustrada. Ela mal havia respirado desde a noite anterior. Queria ver Oliver, queria falar com Mariana em paz, entender os sinais de seu sonho. Mas tudo parecia controlado... monitorado.

— "Agora?" — perguntou ela, tentando esconder o incômodo.

— "Sim. O rei quer que veja com seus próprios olhos o valor do seu papel, princesa." — respondeu Helena com um tom irônico, entregando o pergaminho a uma das servas e dando um passo à frente. — "A carruagem já aguarda no pátio interno."

Alissa apenas assentiu. O sorriso que havia dado a Mariana já tinha sumido de seu rosto. Com passos suaves, se ergueu da cadeira, as saias do vestido esvoaçando ao seu redor.

Mariana trocou um olhar preocupado com a princesa, como se quisesse dizer: "Fique firme."

Alissa sorriu de volta, mas era um sorriso forçado. O tipo de sorriso que já estava se tornando parte de seu rosto.

Enquanto caminhava em direção à saída, acompanhada por Helena e dois guardas, Alissa pensava em Oliver.

"Ele entenderá. Só espero que, quando eu conseguir vê-lo... ainda seja eu mesma."

Capítulos
1 Capítulo 1 - Luz em silêncio.
2 Capítulo 2 - A Herdeira Escondida.
3 Capítulo 3 - A Herdeira Será vista
4 Capítulo 4 - Dançando com Fogo.
5 Capítulo 5 - Sorrisos Forçados e olhares que queimam
6 Capítulo 6 - Visita Inesperada.
7 Capítulo 7 - Sentimentos Compartilhados.
8 Capítulo 8 - Liberdade momentânea.
9 Capítulo 9 - Segredos nas paredes do castelo.
10 Capítulo 10 - Sentimentos que Nunca chegaram.
11 Capítulo 11 - A voz que Move o reino.
12 Capítulo 12 - Chegada a Vila Colina azul
13 Capítulo 13 - Fios da corrupção.
14 Capítulo 14 - Julgamento
15 Capítulo 15 - Sussuros nas paredes.
16 Capítulo 16 - Início das sombras.
17 Capítulo 17 - Teia invisível
18 Capítulo 18 - Confidências e desconfianças
19 Capítulo 19 - Verdades Sepultadas
20 Capítulo 20 - O cavaleiro E nomeado.
21 Capítulo 21 - A luz antes da tempestade
22 Capítulo 22 - Sombras
23 Capítulo 23 - Máscaras e mentiras
24 Capítulo 24 - Trama silenciosa.
25 Capítulo 25 - Laços
26 Capítulo 26 - O Jogo de tabuleiro Começa
27 Capítulo 27 - Máscaras que caem
28 Capítulo 28 - Então e assim que acaba.
29 Capítulo 29 - Dor, fúria & negação.
30 Capítulo 30 - Dias Cinzentos
31 Capítulo 31 - Até outra vida.
32 Capítulo 32 - Julgamento e perdão.
33 Capítulo 33 - O amanhã Virá
34 Capítulo 34 - União dos reinos
35 Capítulo 35 - Uma Nova era.
36 Capítulo 36 - Dias Felizes
37 Capítulo 37 - Até a eternidade.
38 Capítulo 38 - Noite de felicidade.
39 Capítulo 39 - Sentimentos que Florescem
40 Capítulo 40 - Notícias Felizes
41 Capítulo 41 - Uma amor que Cresce.
42 Capítulo 42 - Nasce uma nova vida.
43 Capítulo 43 - A linhagem continua.
44 Agradecimento
Capítulos

Atualizado até capítulo 44

1
Capítulo 1 - Luz em silêncio.
2
Capítulo 2 - A Herdeira Escondida.
3
Capítulo 3 - A Herdeira Será vista
4
Capítulo 4 - Dançando com Fogo.
5
Capítulo 5 - Sorrisos Forçados e olhares que queimam
6
Capítulo 6 - Visita Inesperada.
7
Capítulo 7 - Sentimentos Compartilhados.
8
Capítulo 8 - Liberdade momentânea.
9
Capítulo 9 - Segredos nas paredes do castelo.
10
Capítulo 10 - Sentimentos que Nunca chegaram.
11
Capítulo 11 - A voz que Move o reino.
12
Capítulo 12 - Chegada a Vila Colina azul
13
Capítulo 13 - Fios da corrupção.
14
Capítulo 14 - Julgamento
15
Capítulo 15 - Sussuros nas paredes.
16
Capítulo 16 - Início das sombras.
17
Capítulo 17 - Teia invisível
18
Capítulo 18 - Confidências e desconfianças
19
Capítulo 19 - Verdades Sepultadas
20
Capítulo 20 - O cavaleiro E nomeado.
21
Capítulo 21 - A luz antes da tempestade
22
Capítulo 22 - Sombras
23
Capítulo 23 - Máscaras e mentiras
24
Capítulo 24 - Trama silenciosa.
25
Capítulo 25 - Laços
26
Capítulo 26 - O Jogo de tabuleiro Começa
27
Capítulo 27 - Máscaras que caem
28
Capítulo 28 - Então e assim que acaba.
29
Capítulo 29 - Dor, fúria & negação.
30
Capítulo 30 - Dias Cinzentos
31
Capítulo 31 - Até outra vida.
32
Capítulo 32 - Julgamento e perdão.
33
Capítulo 33 - O amanhã Virá
34
Capítulo 34 - União dos reinos
35
Capítulo 35 - Uma Nova era.
36
Capítulo 36 - Dias Felizes
37
Capítulo 37 - Até a eternidade.
38
Capítulo 38 - Noite de felicidade.
39
Capítulo 39 - Sentimentos que Florescem
40
Capítulo 40 - Notícias Felizes
41
Capítulo 41 - Uma amor que Cresce.
42
Capítulo 42 - Nasce uma nova vida.
43
Capítulo 43 - A linhagem continua.
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