A infância de Alissa, embora cercada de riqueza e poder, era feita de silêncio, olhares duros e frio nas paredes de pedra.
Os servos a temiam.
Mesmo abençoada pela Deusa da Estrela, ou talvez justamente por isso, cochichavam sempre que ela passava. Seus cabelos brancos como a neve sagrada, seus olhos de estrela que brilhavam no escuro — tudo nela parecia divino, sim… mas também alienígena.
O medo era um manto pesado, e Alissa, desde muito jovem, aprendeu a vesti-lo calada.
Seu avô, o lorde Edran, não permitia fraqueza. Ele forçava a menina a treinar com seus poderes todos os dias, exigia resultados perfeitos, e quando falhava — o que era comum para uma criança —, era trancada em seu quarto. Sem comida. Sem descanso. Sem consolo.
Mas havia um único consolo, sim.
Oliver.
O filho de uma criada humilde, nascido apenas dois dias depois de Alissa. Ele invadia seu quarto em silêncio, com um sorriso e um pedaço de pão escondido dentro do casaco.
— “Por que você não tem medo de mim, Oliver?” — sussurrava Alissa, com os olhos marejados, comendo devagar. - Alissa 6 anos
Ele apenas sorria.
— “Eu te acho belíssima, Alissa. Assim como a própria deusa. E você… nunca me dará medo.” - Oliver 6 anos
Ele estendia a mão pequena e quente, e Alissa sempre a segurava como se fosse o único fio que a ligasse ao mundo. Ela não sabia que nome dar ao que sentia, mas o calor que Oliver trazia fazia seu peito doer de forma boa. Talvez aquilo fosse amor, ou talvez fosse só a prova de que, mesmo numa infância roubada, a esperança ainda florescia.
Os outros servos sussurravam mais alto à medida que ela crescia.
— “Uma mulher no trono? Absurdo.”
— “Ela não será imperatriz. O que o rei está pensando?”
Cada frase fazia o sangue de Oliver ferver. Ele via as mãos de Alissa apertadas contra o próprio peito, escondendo a dor, sempre em silêncio.
Um dia, cansado de ouvir e calar, ajoelhou-se diante dela no jardim escondido onde costumavam fugir.
— “Me curvo diante da estrela desta nação, vossa majestade Alissa,” disse com a voz firme e os olhos molhados. “Irei te proteger com meu sangue e suor.”
Ela ficou chocada, as bochechas rubras, a garganta apertada. Mas então sorriu — e pela primeira vez em dias, sorriu de verdade.
— “Então erga sua espada por mim quando for necessário, Oliver.”
E ele prometeu.
Fugiam sempre que podiam. Brincavam nos jardins, pulavam nos espelhos d’água, escalavam árvores proibidas, sonhavam com mapas e constelações desenhadas no chão.
Mas a liberdade durava pouco. O avô sempre descobria. Sempre repreendia. Trancava Alissa no quarto por dias com pilhas de livros — Deveres de uma Soberana, Estratégia de Guerra, A História das Rainhas que Falharam. Ela lia até os olhos arderem, até esquecer o som do riso de Oliver.
E mesmo assim, quando ele voltava, escondido pela noite, trazendo um pedaço de fruta, ou um desenho feito a carvão… tudo doía menos.
(...)
Com o passar dos anos, o poder de Alissa crescia como uma estrela prestes a explodir.
A Deusa da Estrela não dera à menina um presente qualquer. Era uma bênção rara e viva, que queimava por dentro. Alissa sentia, às vezes, como se houvesse um sol preso em seu peito — algo que ela mal compreendia, mas que pedia para ser libertado.
E quanto mais o avô a pressionava, quanto mais livros ela lia, quanto mais treinamentos forçados enfrentava… mais instável seu poder se tornava.
Até que um dia, tudo fugiu do controle.
Era uma tarde nublada. Ela e Oliver estavam escondidos na estufa dos fundos — seu refúgio secreto. Ele a fazia rir com alguma piada boba envolvendo o velho bibliotecário. Alissa, exausta das obrigações, se sentia leve por um instante.
Mas então, um lampejo de dor em sua cabeça. Uma fisgada. Um tremor de energia. Os olhos de estrela brilharam intensamente.
Ela gritou:
— “Afaste-se, Oliver!”
Mas era tarde demais.
Uma onda de luz saiu de suas mãos, involuntária, como uma explosão de cristal. Oliver voou para trás, atingido em cheio no peito, e caiu entre os vasos quebrados, inconsciente.
Alissa correu até ele, em pânico, com as mãos tremendo e o coração despedaçado. Uma queimadura em forma de estrela sangrava lentamente no lado esquerdo do peito de Oliver.
Ela o havia ferido. Ela.
Quando ele acordou horas depois, a viu encolhida no chão, os olhos inchados de tanto chorar.
— “Alissa…?”
— “Eu te machuquei… eu te machuquei…” — soluçava. — “Você precisa ir embora… não posso… não posso deixar isso acontecer de novo.”
Ela se arrastou até a porta do quarto, trancou por dentro e chorou em silêncio. Na escuridão.
Horas depois, ouviu os batidinhas suaves do lado de fora. A voz dele veio abafada:
— “Alissa… me escuta. Eu estou bem. Me veja… abra a porta e verá que estou bem.”
Nada.
— “Por favor… não me afaste, Alissa. Eu não tenho medo de você. Nem nunca terei.”
— “Vai embora, Oli. Eu não quero te machucar de novo…” — ela disse, sentada no chão frio, o rosto escondido nos joelhos.
Silêncio.
E então ela ouviu um som diferente. Um baque. Como se ele tivesse se encostado na porta, decidido a ficar ali a noite toda, só para provar que não a abandonaria.
E ele ficou.
No dia seguinte, ele ainda estava lá.
Eles esconderam o ferimento de todos. Disseram que Oliver havia se cortado com vidro da estufa. O curandeiro cuidou da cicatriz sem desconfiar. E ninguém jamais soube que a estrela dentro de Alissa havia quase destruído a única pessoa que ela amava.
Mas a culpa… essa ela carregaria por muito tempo.
E Oliver, agora marcado em carne viva pela luz da Deusa, carregaria a promessa de proteger não só uma princesa, mas uma tempestade de poder e dor que um dia… poderia engolir o mundo.
Foram três semanas de silêncio, distância e dor.
Após o acidente que deixara a cicatriz no peito de Oliver, Alissa havia se fechado como uma concha ferida. Temia o próprio toque, a própria existência. O poder da Deusa em seu sangue parecia indomável, cruel — um fardo que ela não queria carregar, especialmente se isso significasse machucar quem ela mais amava.
Mas Oliver nunca desistiu dela.
Todos os dias, batia à porta de seus aposentos. Todos os dias, pedia:
— "Por favor, Alissa. Me escuta. Me deixa te ajudar. Eu não tenho medo de você."
Na terceira semana, algo dentro dela cedeu. Era o medo… ou era o amor que venceu?
Talvez os dois.
Mas ela abriu a porta.
E ele estava ali.
Juntos, em segredo, começaram a treinar o controle. Oliver a ajudava a respirar, concentrar, ouvir o próprio coração. A magia da estrela dentro de Alissa reagia ao seu estado emocional — e aos poucos, ela começou a compreender isso.
Era a raiva que fazia a luz queimar. O medo a fazia tremer. Mas o amor... o amor silenciava tudo.
Numa manhã suave, ela conseguiu. Invocou uma esfera de luz estável entre as mãos, que brilhou suavemente, sem machucar, sem tremores.
Oliver a observava em silêncio, maravilhado, até perguntar:
— “O que você faz… para não perder o controle?”
Ela sorriu, ofegante, mas leve como nunca estivera em meses.
— “Eu penso em você. Em nossa amizade. No amor forte de irmão que temos.”
Seus olhos brilharam como o céu estrelado.
— “Você me mantém forte, Oli.”
Alissa o abraçou — pela primeira vez desde o acidente.
Oliver soltou um riso abafado, surpreso e emocionado.
— “Finalmente me abraçou, Ali… eu te amo muito. Não poderia ter pedido irmã melhor à deusa.”
O domínio dos poderes de Alissa não passou despercebido.
Lorde Edran, sempre atento, ficou satisfeito. Mas jamais demonstrava mais do que um aceno frio. E para ele, isso não era suficiente.
Ela teria que aprender também os deveres reais. Política, etiqueta, domínio da linguagem imperial, e principalmente, comportar-se como a “Estrela do Império”.
Quando soube que Alissa andava com Oliver pelos corredores, seus olhos se estreitaram de nojo.
— “Fiquei sabendo que você anda com um bichinho de estimação por aí...”
— “Você e seu pai são mesmo farinha do mesmo saco... envolvendo-se com plebeus. Que vergonha.”
Alissa engoliu a raiva. Não podia mostrar insatisfação. Estava treinada para se curvar, para sorrir, para ser útil. Mas por dentro… ardia.
— “Perdoe-me, avô. Mas estou fazendo tudo o que me pede. Então, por favor... permita-me ao menos ter um amigo neste palácio.” — disse, cerrando os punhos sob o manto prateado.
Lorde Edran gargalhou. Um som seco, cortante.
— “Amigo?”
— “Ele é apenas um cachorro que te seguirá até a morte. Bom… ao menos ele serve para algo. Soube que é bom com espadas. Perfeito.”
Pegou a taça de vinho que lhe foi servida, sem sequer olhar para ela.
— “Ele será seu guarda pessoal. Afinal, até você precisa de uma coleira.”
Alissa respirou fundo. Mas o golpe final viria logo em seguida:
— “Seu baile de apresentação se aproxima. Espero que não cometa erros…”
Ele girou a taça lentamente.
— “…ou me livro do seu cachorrinho pulguento.”
As palavras foram como gelo cravado no peito.
Alissa se curvou.
— “Irei me comportar, avô. Mas… peço, por tudo que é sagrado, que não mexa com Oliver. Eu lhe peço.”
Houve um silêncio desconfortável.
Ele fez um gesto vago com a mão, como quem espanta uma mosca.
— “Está bem. Saia.”
Ela saiu.
Mas não sem antes levar consigo a raiva amarga que crescia dentro do coração.
Não era mais medo. Não era mais só tristeza.
Era o início do ressentimento.
A centelha da estrela que um dia deixaria de obedecer.
Assim que Alissa deixou o salão imperial, uma figura alta e rígida surgiu do fundo do corredor. Seu vestido escuro contrastava com a pele pálida e os olhos austeros.
Helena.
A mulher escolhida por Lorde Edran para vigiá-la. Uma serva fiel… ao rei, não à princesa.
— “Vamos, criança. Está na hora de seus deveres como estrela desta nação.” — disse, sem emoção, girando nos calcanhares.
Alissa a seguiu em silêncio.
Não que tivesse escolha.
Foram semanas de treinos intermináveis: dança formal, etiqueta, leitura sobre a história imperial, estratégias diplomáticas e, principalmente, decoreba de nomes — lordes, ladys, príncipes e comandantes de reinos vizinhos. Todos que estariam presentes no Baile de Apresentação da Estrela.
Alissa sentia a mente entorpecida. Cada reverência, cada lição era como grilhões invisíveis prendendo seus pulsos.
Pior ainda: havia passado semanas sem ver Oliver.
Enquanto isso, do lado de fora, Oliver treinava como nunca.
Cada golpe de espada, cada bloqueio, cada corrida… não era apenas treino. Era uma promessa. Uma forma de estar à altura da estrela que ele havia jurado proteger.
— “Nossa, Oliver… você está cada vez melhor.” — disse Anthony, um dos cavaleiros veteranos, tocando seu ombro suado.
— “E ainda não é o suficiente.” — ofegou Oliver, limpando o suor da testa com o antebraço. — “Sei que não sou abençoado pela estrela da nação… mas darei o meu melhor para ser digno de estar ao lado dela.”
Anthony ergueu uma sobrancelha.
— “Você está falando da princesa herdeira…?” — perguntou com tom de surpresa.
Do fundo do campo de treino, uma risada seca interrompeu.
Alex.
O cavaleiro pessoal do rei. Um homem de olhos frios e ambição venenosa.
— “Você acha mesmo que uma mulher vai sentar no trono?” — disse com desdém.
Oliver o fitou. A mandíbula cerrada. O peito subindo e descendo, mas o olhar fixo, calmo. Contido.
Alex avançou dois passos, a espada pendurada na cintura.
— “Ela ainda não me deu motivo pra levantar minha espada por ela.” — riu. — “A não ser pra arrancar a coroa da cabeça.”
Os amigos de Alex riram com ele, sujos de suor e arrogância.
Oliver deu um passo à frente, olhos brilhando com um aviso frio.
— “Eu sugiro que lave a boca antes de falar da estrela desta nação.”
— “O que acha que o rei vai pensar de um cãozinho como você enfrentando um cavaleiro de verdade?” — provocou Alex, esbarrando nele de propósito.
Oliver soltou a espada no chão com um estalo metálico, se virando para ir embora. Mas antes, lançou um último olhar por cima do ombro:
— “Ah… e sim. Eu sou o cachorro dela.”
— “E eu mordo quem se aproxima demais da minha dona.”
Ele saiu, acompanhado de Anthony, deixando Alex com os punhos cerrados de raiva.
— “Maldito… quem ele pensa que é? Um servo… de uma mulher…” — resmungou, passando a mão pelos cabelos castanhos, os olhos queimando de ódio. — “O rei realmente perdeu a cabeça…”
Durante dezenove anos, Alissa viveu entre os altos muros do Castelo de Edran. Ali, o tempo passava devagar, como se o mundo lá fora não existisse. Seu avô, o imperador Edran, sempre dissera que o isolamento era por sua segurança. Mas, à medida que os anos passavam, Alissa começou a sentir que havia muito mais por trás daquela prisão dourada do que simples proteção.
A jovem princesa — a herdeira da luz — cresceu entre servas, livros e silêncios desconfortáveis. Foi criada com afeto apenas por Mariana, sua dama de companhia, uma mulher doce e firme que se tornou figura materna em sua vida. Já as aulas, essas eram conduzidas sob os olhos frios e meticulosos de Helena, conselheira do imperador, que tratava Alissa com educação forçada, mas olhar sempre calculista.
— Um dia você governará este reino, e precisa parecer digna disso — dizia Helena enquanto corrigia a postura de Alissa com uma régua de prata.
— E quando será esse dia? — Alissa perguntava.
— Quando seu avô decidir — respondia a mulher, como se cada palavra tivesse sido cravada com veneno.
Ao longo dos anos, Alissa estudou etiqueta, história dos reinos vizinhos, as antigas guerras entre o Fogo e a Estrela, diplomacia e política. Mas nunca viu o mundo além dos vitrais do castelo. Nunca caminhou por uma vila. Nunca sentiu o vento das montanhas sem as grades das sacadas.
E, ainda assim, ela sonhava.
Sonhava com liberdade, com seu povo, com propósito.
Agora, com seus 19 anos prestes a se completar, o imperador decidira, finalmente, apresentá-la ao mundo — um gesto que deixava Alissa dividida entre o medo e a esperança. Um baile seria realizado em sua homenagem. Não só para apresentá-la como herdeira da Estrela, mas também para atrair alianças com reinos vizinhos.
— O Reino do Fogo enviará seu príncipe herdeiro... — comentou Mariana enquanto penteava seus cabelos prateados diante do espelho.
— E o Reino do Ar e o da Terra também foram convidados — completou Helena, com seu típico tom frio, observando de longe.
Alissa prendeu a respiração.
Dante. O nome do príncipe do Fogo. Um nome que ouvira em seus estudos. Um guerreiro nato, mas justo. Seu reino, apesar de sua natureza ardente, lutava agora por equilíbrio e paz. Havia rumores de que Dante era tão intenso quanto as chamas que dominava — e que nenhuma aliança com ele seria por acaso.
— Está ansiosa, majestade? — perguntou Mariana, sorrindo gentilmente.
Alissa se olhou no espelho. Seus olhos azuis profundos, com um brilho quase celestial no centro, refletiam dúvidas, força e algo novo... uma centelha de liberdade prestes a se acender.
— Sim — respondeu. — Mas também estou pronta.
A estrela escondida por quase duas décadas estava prestes a brilhar.
Alissa passeava pelos jardins internos, vestida com um manto leve de seda azul. O céu estava limpo, mas o vento que vinha das montanhas trazia uma pontada de inquietação ao seu peito.
Mariana caminhava ao seu lado, descrevendo cada um dos convidados que chegariam para o grande baile. Os reinos do Fogo, da Terra e do Ar estariam presentes. Príncipes, generais e nobres — todos ansiosos por conhecer a herdeira escondida da Estrela.
— Mariana... — Alissa interrompeu, com os olhos fixos no horizonte. — E o Reino do Gelo? Por que eles não foram convidados?
Mariana parou por um instante. Seu sorriso gentil sumiu, substituído por um vislumbre de surpresa e desconforto. Ela hesitou, abaixando os olhos.
— O Reino do Gelo...
— Foi destruído. — A voz cortante de Helena surgiu às costas de ambas, fria como o próprio assunto. — Há quinze anos. Pela Estrela.
Alissa se virou lentamente para encarar Helena.
— Destruído...? — sua voz saiu como um sussurro. — Como assim destruído?
— Estavam criando armas com magia proibida — disse Helena, com indiferença. — O conselho decidiu que representavam uma ameaça às nações. Então agimos. Rápido e eficiente. Não sobrou muito.
Mariana cerrou os punhos discretamente. Seu rosto denunciava que algo naquela explicação não estava certo, mas ela se calou. Não era permitido contrariar Helena em público — especialmente diante da princesa.
Alissa, no entanto, sentiu um nó no estômago. O tom de Helena era frio demais... frio como se aquele massacre tivesse sido um simples número, e não milhares de vidas.
— Eu... nunca ouvi falar disso nas aulas. — disse Alissa com a testa franzida.
— Porque foi enterrado, como todo erro que o império cometeu em nome da “paz” — murmurou Mariana baixinho, mas Helena a encarou com um olhar de advertência antes que a dama pudesse continuar.
— O que foi feito foi necessário — disse Helena, com a voz firme. — E a princesa não deve se ocupar com assuntos antigos e sangrentos. Foque no que importa: sua apresentação. Sua imagem. Seu futuro como imperatriz.
Alissa não respondeu. Mas seus olhos se mantiveram fixos em Helena, atentos... desconfiados.
Alissa apenas acenou com a cabeça, sem dizer uma palavra. Seus olhos azuis, marcados pela estrela no centro, agora pareciam mais distantes. Um turbilhão de pensamentos se agitava dentro dela, mas ela manteve o semblante sereno — como aprendera a fazer desde pequena.
Helena a observou por um instante, como se buscasse confirmar que a jovem não faria mais perguntas. Então, retomou o passo com postura impecável.
— Muito bem, princesa. Precisamos retomar os nomes dos lordes e ladies que estarão presentes. — disse ela, fria e prática. — Já revisamos os representantes do Reino do Fogo e da Terra, agora falta o Reino do Ar. Preste atenção.
Mariana, calada, caminhava um pouco atrás. Seus olhos estavam fixos no chão de pedra polida, como se cada palavra de Helena tivesse lhe deixado um peso no peito. Ela sabia mais do que podia dizer — e isso a corroía por dentro.
Enquanto Helena começava a ditar os nomes com sua voz firme e fria, Alissa mantinha a compostura, mas seu pensamento estava longe.
“Por que me esconderam isso? Por que esse silêncio sobre o Reino do Gelo...?”
Ela não sabia ainda, mas aquela pergunta plantada naquele momento seria o estopim para uma série de revelações que mudariam tudo o que ela acreditava sobre o império — e sobre Helena.
Alissa estava exausta. Já havia memorizado os nomes de todos os lordes e ladies, os títulos e suas respectivas casas. A cabeça latejava e os pés doíam sob o vestido de treinamento. Mas, enfim, Helena havia se afastado, ocupada com algum assunto junto ao avô da princesa.
Alissa aproveitou o primeiro momento de liberdade em semanas. Saiu apressada pelos corredores de pedra, o som de seus passos ecoando sob os vitrais dourados do fim da tarde. Um brilho diferente tomava seu olhar. Ela sabia exatamente para onde ia.
— Oli! — gritou com alegria ao avistar a silhueta conhecida no campo de treinamento.
Oliver se virou ao ouvir a voz. Seu rosto se iluminou instantaneamente, e ele abaixou a espada, sorrindo.
— Ali... — respondeu ele, deixando o treino para trás.
Ela correu até ele, e os dois se encontraram num abraço leve, natural, como velhos amigos que compartilhavam segredos desde a infância.
— Faz um tempo, né? — disse Alissa rindo, ofegante.
— Tempo demais. — respondeu Oliver, com um tom leve, mas sincero.
— Como estão as coisas lá dentro? — perguntou ele, ajeitando a espada na cintura, como se já soubesse a resposta.
Alissa suspirou, dramática, jogando a cabeça para trás.
— Um completo caos. Consegui fugir de Helena só porque ela foi resolver alguma coisa com meu avô. — rolou os olhos com humor. — Se você soubesse o quanto aquela mulher fala... Eu quase pedi para ser levada por um dos dragões do Reino do Fogo só para escapar.
Oliver riu alto, balançando a cabeça.
— Ah, princesa... Um dia ainda vou te ver jogando a tiara no chão e saindo cavalgando sozinha. — provocou ele.
— Se depender de mim, esse dia está mais próximo do que imagina.
Os dois riram juntos, e pela primeira vez em dias, Alissa sentiu que respirava de verdade. Longe das paredes frias do castelo, dos olhares de julgamento, e das mentiras veladas... ali, com Oliver, ela era apenas Alissa.
Depois de algumas risadas e provocações leves, o riso de Alissa foi se desfazendo aos poucos, dando lugar a um suspiro profundo. Ela olhou para o céu limpo acima das muralhas e depois para as próprias mãos.
— Eu estou com medo, Oliver. — confessou em voz baixa, quase como se temesse ser ouvida por mais alguém. — É a primeira vez que as pessoas do reino vão ter conhecimento de quem eu sou... de como eu sou. Isso me assusta. Depois de tanto tempo escondida, presa como um animal pelo meu avô... — disse, soltando o ar com o peso de quem carregava um segredo há anos.
Oliver a olhou em silêncio por um instante, sentindo a dor nas entrelinhas de suas palavras. Ele se aproximou devagar, segurando sua mão com firmeza e carinho.
— Não fique com medo. — respondeu com convicção, seus olhos castanhos encontrando os dela. — Eu estarei lá com você. E se as coisas ficarem difíceis, se um só olhar for torto demais… eu mesmo resolvo.
Alissa sorriu, um sorriso pequeno, mas genuíno. A presença dele sempre a fazia se sentir menos sozinha.
— Isso me alivia... — sussurrou, apertando de leve os dedos dele.
Após alguns segundos de silêncio confortável, ela o olhou de lado, arqueando uma sobrancelha.
— E como vai o treinamento? Fiquei sabendo que teve desavenças com Alex... — sua expressão agora era mais séria, carregada de uma preocupação verdadeira. Ela conhecia bem o cavaleiro arrogante e competitivo que não aceitava ver Oliver subir tão rápido na hierarquia.
Oliver deu um meio sorriso, com um toque de ironia.
— Ah, ele tentou, mas eu não precisei de muito pra afastar ele de mim. — deu de ombros. — Apenas o ignorei e o ego dele se recolheu por um tempo. — fez graça, mas os olhos ainda mantinham uma sombra de alerta.
— Não confio nele. — disse Alissa com firmeza.
— Nem eu. — respondeu Oliver, dessa vez mais sério. — Mas não se preocupe com isso. Eu estou quase lá, Ali... — seus olhos brilharam. — Logo vou receber minha insígnia e ser seu cavaleiro de guarda pessoal. Não só por juramento, mas por escolha.
Alissa sorriu largo, emocionada com a lealdade que sempre sentiu em Oliver. Aquele era o lar que ela tinha escolhido, onde se sentia segura: ao lado dele.
— Obrigada, Oli. Por tudo.
— Sempre. — respondeu ele, tocando de leve a lateral do rosto dela com os dedos, num gesto de afeto silencioso.
Os dias se arrastavam no castelo, mas ao mesmo tempo pareciam voar. Havia um frenesi constante nos corredores — costureiras, músicos, criados, cavaleiros... todos apressados, preparando o tão esperado Baile de Apresentação da Estrela.
No quarto real, Alissa sentia o peso do momento se assentar sobre seus ombros. Seus dedos tremiam levemente ao tocar os longos cabelos brancos que Mariana ajudava a trançar. Seu coração batia como tambores de guerra, e o estômago estava inquieto.
Então, um mensageiro bateu à porta.
— Sua Alteza, o imperador deseja vê-la imediatamente.
Alissa respirou fundo e se levantou, ajeitando a postura. Ao entrar na câmara de seu avô, encontrou-o rodeado por dois conselheiros, que rapidamente se afastaram assim que ela adentrou.
— Alissa, hoje é o dia. — disse ele, firme, sem emoção. — Espero que não haja deslizes de sua parte.
A jovem se curvou em respeito, mantendo a cabeça abaixada.
— Não haverá deslizes, avô. Passei semanas em treinamento. — respondeu ela com serenidade, mas sem encará-lo diretamente.
— Ótimo. — ele disse simplesmente, como se estivesse avaliando um soldado antes da batalha. Em seguida, estalou os dedos. — Tenho algo para você usar hoje. Um presente.
Um servo se aproximou com uma caixa retangular de madeira nobre, adornada com detalhes dourados. Ele a entregou nas mãos de Mariana, que estava ao lado de Alissa.
Mariana abriu a caixa com cuidado, revelando um colar deslumbrante: uma corrente de prata fina com um pingente em formato de estrela cintilante, incrustada com uma gema azul-dourada que parecia conter o brilho do próprio céu noturno.
— Este colar pertenceu à sua avó, a antiga imperatriz. — disse o imperador, com um leve sorriso. — Ele deve lembrar ao povo que você carrega o sangue da linhagem estelar. Use-o com dignidade.
Alissa, surpreendida com a simbologia daquele gesto, finalmente levantou os olhos para o avô.
— Obrigada, vossa majestade. — disse com respeito, mas em sua voz havia uma ponta de cautela. Ela sabia que nenhum gesto dele era inteiramente livre de intenção.
O imperador a observou em silêncio por um momento e então disse:
— Você será o símbolo desta nação, Alissa. Hoje, todos os olhos estarão sobre você. Faça com que se lembrem do que é realeza.
Alissa apenas assentiu.
— Agora vá. — disse o imperador, com um leve aceno de mão, sem nem ao menos virar o rosto. — Sei que tem que ver o que vai usar. Estou contando com você, Alissa.
As palavras, frias como sempre, encerraram a conversa. Alissa curvou-se mais uma vez, contendo a tensão no maxilar, e saiu em silêncio, acompanhada de Mariana.
O som dos próprios passos ecoava pelos corredores enquanto caminhavam em direção aos aposentos reais. Mariana, como sempre, caminhava ao lado da princesa como uma sombra leal.
— Você foi firme, minha querida, — sussurrou a dama de companhia. — E está linda com o colar. Sua avó também ficaria orgulhosa.
Alissa apenas sorriu de leve, apertando o colar contra o peito como se buscasse alguma coragem ali.
Ao abrir as grandes portas dos aposentos, o cheiro suave de lavanda envolveu Alissa como um abraço. As servas já a esperavam em silêncio reverente, de cabeça baixa, com tudo preparado: o banho fumegante em uma banheira de mármore clara, pétalas flutuando sobre a água e toalhas macias estendidas cuidadosamente.
— Majestade, — disse uma das jovens, abrindo espaço ao lado da banheira. — Seu banho está pronto.
Mariana conduziu Alissa até o biombo de seda floral, ajudando-a a retirar as vestes do dia. Em silêncio, Alissa entrou na água morna, sentindo os músculos relaxarem pela primeira vez em dias. Seus olhos se fecharam brevemente, deixando escapar um suspiro profundo. Pela primeira vez, permitiu-se sentir: ansiedade, esperança, receio… e um fio de empolgação que atravessava tudo isso.
Mariana e as outras servas lavavam com delicadeza seus longos cabelos brancos, agora soltos, escorrendo como prata derretida. As mãos cuidadosas das servas limpavam seus braços e ombros com esponjas de linho e água perfumada. Era o ritual de purificação antes da grande noite.
— Hoje você renasce diante do povo. — disse Mariana com ternura. — Não apenas como princesa, mas como a estrela que nasceu para guiar esta nação.
Alissa abriu os olhos, encarando o teto adornado com pinturas de constelações. Aquelas palavras ecoaram dentro dela como uma promessa.
— Então que vejam a estrela. — sussurrou.
Após o banho, Alissa foi envolvida em toalhas brancas e macias, enquanto o aroma de lavanda ainda pairava no ar. Seu corpo estava limpo, mas sua mente seguia inquieta. Mariana a guiou até a chaise longue ao lado do biombo, onde as servas já se apressavam em entrar uma a uma, carregando vestidos dos mais diversos estilos e cores.
— Trouxemos as opções que a senhora pediu, — disse uma das costureiras com um sorriso tímido. — E também algumas sugestões... feitas especialmente para esta noite.
Vestidos de seda, cetim, tule, bordados com pedras preciosas e fios dourados. Modelos com saias volumosas, cinturas marcadas, decotes suaves, capas longas e mangas rendadas. Azuis, vermelhos, dourados, marfim. Uma verdadeira chuva de elegância.
— “Tenho mesmo que usar algo tão... imenso?” — murmurou, suspirando enquanto encarava mais um modelo volumoso, repleto de bordados exagerados e cristais pendurados.
— “Claro que sim, Vossa Alteza. O rei deseja que esteja impecável.” — respondeu Mariana, sua serva pessoal. Ela era a única que a tratava com um resquício de ternura. A única que parecia se importar de verdade.
De longe, Helena observava como uma sombra silenciosa. Sempre presente. Sempre rígida.
Sempre fria.
— “Claro... meu avô quer me exibir como uma joia de vitrine para os nobres." — Alissa disse baixinho, fitando o céu cinzento além da grande janela do quarto.
Ela se pegou pensando em Oliver.
Será que ele também está preso em obrigações? Será que está bem?
— “Vossa Alteza... e este aqui?” — perguntou Mariana, com um brilho tímido nos olhos. Em suas mãos, ela carregava um vestido azul royal, mais simples, mas elegante e deslumbrante. Tinha o mesmo tom profundo do céu ao entardecer, e um leve brilho, como a poeira das estrelas.
Alissa ficou encantada.
O vestido não era um exagero como os outros. Era... dela. Um vestido Azul-royal surgiu, simples e ao mesmo tempo majestoso. O tecido fluía como a brisa de inverno, leve como luz. Detalhes em dourado bordavam as mangas e o centro do vestido, formando desenhos delicados como constelações. O corte delineava a cintura de maneira elegante, e a saia longa, sem volume excessivo, parecia deslizar pelo chão como névoa.
— “Este é perfeito.” — disse com um sorriso discreto, tocando o tecido leve com os dedos. Era brilhante, quase como os seus olhos de estrela.
Pelo menos nisso, seu avô não interferiu. Ela pôde escolher o que queria vestir. Uma pequena vitória.
Por fora, parecia calma.
Por dentro... um furacão. O coração batia descompassado.
“E se eu tropeçar?”
“E se minha magia escapar?”
“E se... ninguém me aceitar?”
Foi quando Mariana se aproximou com um toque gentil no ombro de Alissa.
— “Não se preocupe. Oli estará lá.” — disse com um sorriso terno, que lembrava calor de mãe.
Alissa abaixou os olhos, com um nó na garganta.
Mariana.
Mãe de Oliver. A mulher que a alimentava nos dias em que o rei permitia. Que a vestia com cuidado. Que lhe dava palavras suaves quando o mundo parecia cruel.
Alissa a via como algo mais.
Uma mãe que ela nunca teve.
“Será que minha mãe sorriria assim para mim?”
“Será que meu pai me pegaria no colo?”
Seu avô nunca falava deles. E quando falava... era com desprezo.
Principalmente ao mencionar seu pai.
Ela apertou os dedos com força.
Por que tanto ódio? O que meu pai fez para ser apagado da minha vida…?
Do lado de fora, o vento uivava.
A noite estava chegando.
E com ela, o destino da Estrela da Nação começaria a brilhar — mesmo que, para isso, ela tivesse que enfrentar a escuridão.
O castelo fervilhava. Músicos afinavam seus instrumentos com precisão, ensaiando pela última vez antes da grande noite. Cozinheiros e servos corriam de um lado para o outro, carregando bandejas, flores e tecidos. Cada canto do salão era cuidadosamente decorado — afinal, não era apenas um baile, mas a apresentação oficial da herdeira do Reino da Estrela.
Do lado de fora, carruagens luxuosas chegavam uma a uma sob o portão real.
Reino da Terra: trouxeram presentes em joias e pedras encantadas. O representante era o jovem príncipe Gael, um diplomata justo e observador.
Reino do Ar: chegou em aeronavios flutuantes, com suas roupas leves e presença elegante. A princesa Ayra veio em nome da rainha-mãe.
Reino do Fogo: por último, em uma carruagem negra de detalhes dourados, chegou Dante, príncipe herdeiro. Cabelos escuros, olhos vermelhos como brasas, com uma postura firme, mas olhar curioso. Ele havia ouvido falar da princesa escondida e quis ver com seus próprios olhos.
Enquanto isso Mariana arrumava Alissa para o grande dia.
O vestido foi colocado com reverência, peça por peça, ajustado como se tivesse sido costurado sob a luz da própria estrela da deusa.
Mariana finalizava o coque de Alissa com pequenos cristais presos entre os fios brancos como a neve. As mechas soltas emolduravam o rosto da jovem, agora levemente maquiado.
— "Sabe..." — disse Mariana suavemente — "Eu sempre quis ter uma menininha para fazer penteados assim."
Alissa sorriu com doçura no espelho. Estava diferente... quase não se reconhecia. Não por causa das joias que seu avô lhe mandou, ou do vestido azul como o céu noturno.
Mas por dentro. Ela estava mudando.
Mais forte.
Mais firme.
Mesmo que ainda sentisse o coração vacilar.
Ela sabia o motivo das joias. Não era um presente. Era um símbolo.
“Vejam como o Império é rico. Vejam como minha neta é poderosa.”
Era só mais uma parte da encenação.
Alissa suspirou, passando a mão sobre o colar pesado com o brasão da deusa estrela. Seus olhos, reluzentes, encontraram os de Mariana no espelho.
— "Você acha que consigo?"
— "Alissa... você nasceu para brilhar. Não porque o rei mandou. Mas porque você é a estrela. A verdadeira." — respondeu Mariana com firmeza. Alissa sorri em resposta mas, ansiedade tomava conta da princesa.
O salão imperial estava abarrotado. O brilho dos lustres refletia nos vestidos, nas joias e nos olhos curiosos dos nobres. A música clássica preenchia o ar, mas mesmo as notas mais suaves não conseguiam esconder o verdadeiro som da noite: as línguas afiadas dos aristocratas.
Rumores corriam de um canto ao outro, como serpentes invisíveis.
— “Ouvi dizer que a herdeira tem olhos de cristal...”
— “Outros dizem que brilha como uma maldição...”
— “Talvez o rei tenha escondido a garota por ser... deformada?”
Oliver, parado em um canto da parede com as mãos cruzadas, ouvia cada palavra com o maxilar travado.
"Deformada?"
Idiotas... pensou, bufando pelo nariz. Se eles ao menos soubessem o quanto Alissa lutou para chegar ali... quantas noites ela passou reprimindo seus poderes, engolindo a dor e o desprezo daquele trono que agora a chamava de “estrela”.
— "Que todos se curvem ao Sol da Nação!" — anunciou um servo com a voz inflada de orgulho.
O salão silenciou. Todos se curvaram.
O Imperador surgiu com a imponência de quem controlava destinos. Seus olhos varreram o salão como lâminas.
— "Podem se levantar."
Ele ergueu os braços. Todos obedeceram. Ele caminhou lentamente até o trono no centro da plataforma elevada. Seu manto escuro parecia devorar a luz ao redor.
— "Hoje..." — começou, com a voz firme — "...vocês conhecerão minha querida neta, Alissa. A Estrela da nossa Nação. Hoje, ela completa dezenove anos, e em breve... será Imperatriz desta terra."
Um burburinho de surpresa e choque percorreu o salão. Imperatriz? Ele a anunciar assim, de maneira tão direta, pegou até os mais influentes de surpresa.
— "Abençoada pela Deusa, Alissa irá proteger e guiar nossa terra para uma nova era. Comam, bebam e celebrem... pois em breve, minha querida neta se juntará a nós."
Oliver sentiu uma pontada no estômago. Neta querida? Quase cuspiu no chão. Aquele velho jamais tratou Alissa com carinho, e agora a usava como peça central de sua encenação imperial.
Enquanto o salão retornava à festa, uma presença nova cruzou as portas principais.
Dante.
O salão pareceu parar. As conversas cessaram por um instante, como se o próprio tempo tivesse prendido o fôlego.
Ele era alto, de pele pálida como porcelana, cabelos negros lisos e olhos cor de âmbar — intensos e selvagens. Trajava um manto carmesim com bordados dourados que reluziam como fogo. Ele andava com a graça de um predador, cercado por três guardas pessoais, mas claramente... não precisava de proteção.
— "É ele..." sussurrou uma lady.
— "Dante, o príncipe do reino de fogo aquele que venceu o campo de Marelos sozinho..."
O príncipe herdeiro de um império inimigo.
Temido. Respeitado.
E agora... convidado pessoal do Imperador.
Oliver ficou em alerta. O olhar de Dante parecia avaliar tudo ao redor como se caçasse algo — ou alguém. Ele não sorriu. Não fez reverência. Apenas encarou o trono com um aceno breve, e se posicionou no salão como se fosse dele.
Enquanto isso no quarto da estrela
Alissa virou-se para o espelho.
E ali estava ela.
Não uma prisioneira dos muros, não uma neta moldada pelas exigências de um rei, mas a herdeira da luz.
— Você está radiante. — disse Mariana, os olhos úmidos.
— Hoje, — respondeu Alissa com voz firme — o mundo verá quem eu sou.
Lá fora, os sinos tocaram.
Estava na hora.
— "Venha, minha menina..." — disse Mariana, abrindo as portas do quarto.
A Estrela da Nação daria seus primeiros passos diante do mundo.
O som da orquestra diminuiu como um sussurro na brisa.
Dante, encostado com elegância no parapeito do segundo andar do salão, olhava para o centro do baile com tédio discreto. Seu cálice de vinho oscilava em sua mão, enquanto ele escutava nobres bajuladores discutindo rumores sobre a “princesa escondida”.
— “Dizem que ela nasceu deformada, por isso o rei nunca a mostrou ao mundo.”
— “Ou talvez seja uma criança fraca... incapaz de controlar o dom da deusa.”
Dante ouviu tudo em silêncio, com um meio sorriso irônico. Ele já não esperava muito da noite — mais uma reunião diplomática cheia de rostos falsos, alianças forçadas e mentiras educadas.
Até que o anúncio ecoou:
— “Com o coração da estrela e a bênção da luz... se curvem diante da herdeira da nação: Vossa Alteza, Princesa Alissa.”
O salão ficou em silêncio.
As portas do grande salão se abriram com solenidade.
Tambores rufaram suavemente, seguidos pelo soar delicado das harpas. Os convidados, em seus trajes mais nobres e enfeitados, voltaram-se para a escadaria principal do salão, decorada com flores da estação e lanternas mágicas flutuantes. O murmúrio cessou.
Alissa surgiu no topo da escadaria com a elegância de um sonho.
Dante virou a cabeça com descaso... mas seus olhos se prenderam ao topo da escadaria.
E então ele a viu.
Alissa.
Vestida em um azul celestial que brilhava como safiras sob as luzes do grande lustre. Seus cabelos brancos como a neve caíam em mechas suaves, e os olhos… ah, os olhos.
Dante sentiu o tempo parar.
Aquele olhar o atravessou como uma lâmina de luz. Um azul profundo com uma estrela viva no centro.
Era como encarar o céu da noite e ver, de verdade, a presença de uma deusa diante de si.
Seu coração deu um salto — não de amor, mas de algo mais raro em Dante: admiração verdadeira.
— “Impossível...” ele murmurou, sem perceber que havia parado de respirar por alguns segundos.
A imagem que tinha criado na mente — da filha escondida, frágil e maldita — foi totalmente destruída. O que se erguia agora diante dos nobres era uma jovem que emanava poder, beleza e dignidade. Abençoada. Intocável.
Ele não desviava os olhos dela.
E naquele momento, decidiu:
“Essa princesa... não é uma peça. É uma jogadora.”
E, como bom estrategista, Dante não via beleza como obstáculo — mas como arma.
“Se ela é mesmo a estrela do Império... então vou fazê-la orbitar ao meu redor.”
O cálice de vinho em sua mão tremeu um pouco quando ele deu o primeiro passo na multidão.
Seu interesse agora era claro — e perigoso.
Todos se curvaram. Um silêncio reverente tomou o salão.
A princesa do Reino do Ar, Lady Arya, observava com os olhos roxos arregalados. Seus cabelos dourados em cascata pareciam brilhar sob as luzes, e mesmo sendo conhecida por sua beleza celestial, ela não conseguiu conter o suspiro ao ver Alissa.
— Ela é... divina, — murmurou Arya, encantada, como se visse uma lenda viva.
Do outro lado do salão, o príncipe do Reino da Terra, príncipe Gael, também observava com olhos atentos. Forte e elegante, com traços firmes e uma aura de nobreza, ele manteve sua expressão serena, mas seus olhos revelavam admiração.
— Então esta é a herdeira escondida... — pensou ele. — O mundo finalmente verá a luz.
Alissa desceu cada degrau sentindo todos os olhares sobre si, mas não se encolheu. Por dentro, seu coração acelerava — mas por fora, ela era pura realeza. Quando chegou ao último degrau, seu olhar se encontrou com o do rei. Ele sorriu, frio e orgulhoso. Ela respondeu com um leve aceno.
O salão explodiu em aplausos.
Alissa caminhou entre os nobres como uma estrela atravessando a escuridão. Ela era a promessa do novo tempo. E todos ali, dos reinos do Ar, da Terra e do Fogo, sabiam: aquela noite marcava o início de uma nova era.
Os sussurros vieram quase que imediatamente, como vento entre folhas, carregando comentários de deslumbramento, surpresa e ambição velada:
— “Impressionante... então era isso que o velho imperador escondia?”
— “Nunca vi olhos assim... parece que carrega a bênção da própria deusa em cada fio de cabelo.”
— “Ela parece uma visão... quase etérea.”
— “Aquela menina tem o sangue da antiga linhagem divina. Agora entendo por que o rei a manteve afastada.”
Outros, mais interesseiros, já murmuravam entre goles de vinho:
— “Se ela realmente subir ao trono, será a mais poderosa imperatriz da história.”
— “Qualquer reino aliado ao dela será invencível...”
— “Imagine só se ela casar com um dos nossos... isso mudaria toda a balança política do continente.”
Até mesmo lordes veteranos, calejados e desconfiados, se mostravam impressionados:
— “A aura dela é inquietante. Como se a própria deusa estivesse nos observando através dela.”
— “É uma estrela, mas também uma arma. O rei forjou bem sua sucessora.”
Sentado em seu trono dourado, com uma taça de vinho rubro em mãos, o Imperador observava tudo com um sorriso vitorioso.
Os olhos semicerrados de prazer, quase como um tigre satisfeito após a caçada.
— “Agora todos veem... a força da minha linhagem.” — murmurou ele para um de seus conselheiros mais próximos, que estava ao seu lado.
— “A nação jamais esquecerá esta noite, majestade. A princesa é o próprio reflexo da deusa.”
O rei bebeu lentamente, saboreando a vitória.
— “Ela não é só bela. É o símbolo do meu poder.”
— “E será usada como tal.”
Alissa passou a caminhar entre os nobres com graça inata. Como uma estrela entre as constelações, sua presença atraía olhares, sorrisos e reverências por onde passava. Nobres, lordes e damas murmuravam elogios, encantados com sua beleza e postura — a herdeira que por tantos anos vivera nas sombras agora brilhava diante de todos.
Entre cumprimentos e palavras gentis, uma figura se destacou em meio à multidão.
A princesa Ayra do Reino do Ar — tão bela quanto uma aurora — aproximou-se com leveza. Seus cabelos dourados reluziam, e seus olhos de um roxo etéreo refletiam verdadeira admiração. Ela se curvou delicadamente diante de Alissa.
— Me curvo diante da estrela da nação. É um prazer finalmente te conhecer, Vossa Alteza, — disse com voz suave e graciosa.
Alissa retribuiu com uma leve reverência e um sorriso gentil.
— O prazer é meu, Alteza. E agradeço imensamente pelos presentes enviados — sua gentileza honra nosso reino, — respondeu com sincera cortesia, encantada com a beleza e postura da princesa.
Ayra sorriu, os olhos cintilando.
— Espero que possamos conversar mais adiante, talvez discutir maneiras de melhorar nossos reinos... juntas.
Alissa assentiu, sentindo uma inesperada afinidade com a jovem princesa.
— Pode ter certeza disso. Será uma honra, princesa.
Ambas sorriram com delicadeza, e antes que o momento fosse encerrado, uma nova presença se aproximou.
príncipe Gael, do Reino da Terra.
Alto, de ombros largos, cabelos longos cor de mel presos em um meio-rabo nobre, e olhos verdes intensos como campos floridos. Ele se curvou diante de Alissa com um charme respeitoso.
— Me curvo diante da estrela da nação. Está deslumbrante, princesa. Sua beleza me deixou completamente sem ar, — disse com um sorriso cativante, tomando a mão de Alissa com reverência e depositando um beijo educado em seus dedos.
Alissa corou levemente, mantendo sua compostura com um sorriso cortês.
— Agradeço suas palavras, príncipe Gael. É uma honra tê-lo em nosso reino. Espero que possamos discutir em breve algumas questões que ficaram adormecidas entre nossos povos.
Gael arqueou as sobrancelhas, surpreso com a firmeza e elegância de Alissa. Logo sorriu, genuíno.
— Aguardo ansiosamente, Vossa Alteza. E permita-me dizer... feliz aniversário.
— Obrigada, — respondeu Alissa, com leveza, e a troca de olhares revelou o respeito imediato que nascia entre eles.
Ao longe, Helena observava com um sorriso que escondia pensamentos sombrios, enquanto o rei, em seu trono elevado, apenas analisava em silêncio. E em algum ponto do salão, disfarçado entre os nobres, alguém de olhos vermelhos e cabelo negro já se aproximava silenciosamente... mas sua hora ainda não havia chegado.
Enquanto os nobres disputavam a atenção de Alissa com elogios, promessas e alianças disfarçadas de elogios educados, o rei apenas observava, como um jogador de xadrez satisfeito ao ver sua peça mais preciosa brilhar sob os olhos do mundo.
Ele sabia que agora, todos queriam um pedaço da estrela. E isso... o deixava no controle.
Alissa caminhou até o trono ao som de aplausos e murmúrios encantados. Os olhos de todos estavam sobre ela, mas os que mais pesavam eram os de seu avô — o homem que moldava sua vida desde o berço.
Ela se curvou diante dele com toda a graça que Mariana lhe ensinara.
— “Eu me curvo diante do sol do Império.”
— “Alissa... está deslumbrante. Como uma verdadeira imperatriz.” — disse o Imperador, com um sorriso satisfeito nos lábios.
Ele estendeu a mão e indicou o assento menor ao lado do seu trono principal — o lugar reservado à futura soberana.
Alissa se sentou, sentindo o peso do ouro que carregava — não apenas o das joias, mas o das expectativas. Seu olhar manteve-se altivo, como treinara, mas por dentro o coração batia com inquietação.
— “Não decepcionou, minha estrela.” — disse ele num tom mais baixo, apenas para ela ouvir, enquanto acenava para os nobres. — “Está vendo todos esses rostos? Estão fascinados. Encantados. Subjugados. Como eu queria.”
Alissa olhou para o salão, os olhos atentos aos sorrisos falsos, às taças erguidas, aos sussurros cobiçosos.
— “Eles não me conhecem, avô. Só veem o que querem ver.”
— “É o suficiente, por enquanto.” — retrucou o rei, frio. — “Eles não precisam conhecer seu coração, Alissa. Só precisam seguir sua luz.”
Ela engoliu em seco.
— “E quanto à minha vontade, ao que eu quero?”
Ele soltou uma risada abafada, sem nem virar o rosto para ela.
— “Vontade é um luxo que líderes não têm, minha querida.”
— “Você nasceu com um dom. E como o próprio destino, vai carregar o peso dele até o fim. Sozinha, se for preciso.”
Alissa apertou as mãos no colo. Sabia que discutir ali era inútil — o rei já a moldava como ferramenta desde o nascimento. Mas não podia impedir o nó em sua garganta.
Ela desviou o olhar para o salão... e encontrou Oliver, ao longe.
Sorrindo para ela. Silencioso. Fiel.
Foi como um sopro de ar fresco.
O rei continuava, satisfeito com sua obra-prima:
— “Logo, começarão as ofertas de alianças. Propostas de casamento. Pactos. Todos a seus pés. Todos querendo sua luz. Use isso, Alissa. É para isso que você nasceu.”
Ela não respondeu.
Mas em sua mente, uma certeza começava a crescer como fogo aceso sob a neve:
— “Eu não fui abençoada para ser uma peça. Fui escolhida para mudar esse império.”
E ao seu lado, o rei sorria, sem imaginar a força que acabara de acender.
Os nobres ainda murmuravam encantados com a beleza celestial de Alissa. Entre eles, os olhos do príncipe Dante estavam fixos nela desde o momento em que ela adentrara o salão — hipnotizado pelo brilho sereno e ao mesmo tempo desafiador daquela presença.
Vestido com trajes formais em tons escuros bordados em prata, o príncipe caminhou pelo tapete dourado com passos firmes, deixando o salão em silêncio conforme se aproximava do trono.
Diante do Imperador, Dante se curvou com elegância, sem tirar os olhos de Alissa.
— "Majestade," disse ele com voz firme, porém respeitosa, "se não for abuso de confiança, gostaria de pedir a honra da primeira dança com a princesa Alissa."
O rei, recostado em seu trono, ergueu a sobrancelha — mas logo seus lábios se curvaram num sorriso satisfeito. Estava exatamente como ele esperava: o príncipe herdeiro do reino mais influente presente era o primeiro a se aproximar da estrela que ele mantivera oculta por tanto tempo.
— "Claro que sim, príncipe Dante." — respondeu o Imperador, com tom orgulhoso.
— "Será mais do que digno de conduzir minha neta na primeira dança desta noite."
Ele então virou-se para Alissa com um olhar firme e autoritário — não era um convite, era uma ordem silenciosa.
Alissa se levantou, seu coração acelerado. Olhou para Dante — seus olhos rubros como brasas, intensos, a observavam como se enxergassem algo além da coroa.
Ele estendeu a mão.
— "Permite-me, estrela da nação?" — disse ele, com um leve sorriso nos lábios.
Ela hesitou por um instante, surpresa pelo jeito como ele a olhava, como se visse a garota por trás da lenda. E então, com delicadeza, colocou sua mão sobre a dele.
— "Com honra, príncipe Dante."
Eles caminharam para o centro do salão, os olhares de todos os presentes acompanhando cada passo. As vozes sussurravam entre si:
— “Ela é mesmo real...!”
— “Parece uma visão divina…”
— “Será que o rei a está prometendo ao príncipe Dante?”
— “Imaginem essa aliança… dois impérios unidos pela estrela e pelo fogo!”
E no trono, o rei apenas observava. O vinho descansava em sua taça intocada.
Seu olhar era de pura vitória.
— "Deixe que todos se curvem. Ela vai brilhar, e brilhar por minha vontade."
Mas ao longe, um outro olhar assistia em silêncio: Oliver.
Firme. Imóvel. Seu coração apertado com a imagem de Alissa dançando com outro.
Mas ele sabia… uma estrela não pode ser enjaulada — nem por amor.
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