O Dia em que Ela Mudou
Valentina sempre acreditou que o amor era algo que se conquistava com esforço. Não florescia por acaso, não se mantinha sozinho. Era como uma planta rara: exigia cuidado, paciência... e fé.
E foi assim que ela amou Arthur.
Desde o colégio, quando ele passava pelos corredores como se fosse feito de luz, ela se encantou. Ele nunca olhava para ela — não de verdade — mas bastava um sorriso torto ou um "bom dia" educado para que o coração dela disparasse como se tivesse ganhado a loteria.
Alguns chamariam de obsessão. Outros, de ilusão. Valentina chamava de destino.
Anos depois, quando finalmente se tornaram um casal, ela acreditou que todo o seu esforço havia valido a pena. Arthur era tudo o que ela imaginava: educado, gentil, carismático. O homem que todo mundo queria — e que ela conquistou.
O casamento deles foi um evento digno de revista. Flores brancas, um pôr do sol cinematográfico, e promessas ditas com a voz embargada de emoção. Ela se lembrava perfeitamente do momento em que ele disse: "Você sempre foi o meu porto seguro." E ela acreditou. Porque queria acreditar.
Agora, sentada à beira da cama imaculadamente arrumada, em um quarto tão silencioso quanto um túmulo, Valentina olhava para o porta-retratos em cima do criado-mudo. Os dois sorriam naquela imagem. Felizes. Ou, ao menos, bem treinados para parecer.
Ela passou os dedos pela moldura dourada. Um arrepio correu por sua espinha.
Arthur estava atrasado.
De novo.
O relógio marcava 2h18 da madrugada. A desculpa era sempre a mesma: reuniões, compromissos, "coisas da empresa". E ela, por anos, aceitou tudo isso como parte da vida de um homem ocupado.
Mas algo mudara nos últimos meses. O cheiro dele. As ausências mais longas. As mensagens que ele passava a digitar sorrindo, sem perceber que ela observava. O perfume feminino que às vezes impregnava a gola de sua camisa — e que com certeza não era dela.
Valentina não era burra. Só estava cansada de fingir que não via.
Levantou-se. Foi até o closet. Escolheu uma calça jeans, uma blusa preta básica e prendeu o cabelo em um coque baixo. Pegou as chaves do carro.
O ar da madrugada tinha um cheiro frio e úmido, como se estivesse prestes a chover. Valentina dirigia pelas ruas silenciosas da cidade como se estivesse em transe, os dedos firmes no volante, o coração batendo num compasso estranho — como se já soubesse o que encontraria.
Ela não queria acreditar. Ainda havia uma parte dela que se agarrava à esperança, que torcia para estar errada. Talvez ele estivesse mesmo em uma reunião. Talvez fosse só paranoia. Talvez...
Ela freou o carro bruscamente. Não por algo na pista, mas por dentro.
Quantas vezes ela havia repetido essas mentiras para si mesma? Quantas noites sozinha ela precisou justificar? Quantas desculpas engoliu, como pílulas amargas, para manter a aparência de uma vida perfeita?
A resposta estava estampada nos próprios olhos, refletidos no espelho retrovisor. Olhos cansados. Uma mulher que deu tudo de si a um homem que só soube consumir.
Ela respirou fundo. Pegou o celular. Abriu o aplicativo de localização.
Sim. Arthur estava com o GPS ligado — descuido de quem nunca precisou se esconder de verdade.
O ponto piscava em uma região badalada do centro. Uma boate. Mirage Club. Lugar caro, exclusivo, e, segundo ele, “muito barulhento” para o gosto dele. Pois lá estava o carro dele.
Valentina não hesitou. Acelerou.
O som grave das batidas da música reverberava no peito, mesmo do lado de fora. Valentina entrou pela lateral, como se quisesse passar invisível, mas sua presença era difícil de ignorar. Usava pouca maquiagem, mas havia algo no jeito como ela andava — decidida, elegante, com o queixo erguido — que fazia as pessoas abrirem espaço.
Ela vasculhava o ambiente com os olhos, desviando dos corpos dançantes, das luzes coloridas, da fumaça artificial. Até que viu.
Arthur. Em uma área reservada. Camisa social aberta no colarinho, rindo. Ao lado dele, colada, estava a mulher que ela já suspeitava há meses. Jovem. Linda. Olhos arregalados e boca exageradamente vermelha. A amante que ele dizia ser apenas "uma amiga de eventos".
A mulher passou a mão pelos cabelos dele. Arthur se inclinou e sussurrou algo no ouvido dela. Ela riu alto, jogando a cabeça para trás.
Aquela risada foi a faca.
Valentina não sentiu o chão. As mãos tremiam, mas ela se recusava a chorar. Na verdade, algo dentro dela começou a congelar. Como se aquela cena tivesse desligado o último interruptor de ilusão que restava em seu peito.
Ela andou devagar até ficar próxima o bastante para que ele a visse.
E ele viu.
Arthur arregalou os olhos, pálido. Tentou disfarçar. Se levantou, rápido demais.
— Valentina... o que você está fazendo aqui?
— Eu que te pergunto — respondeu ela, com a voz firme. Seus olhos pousaram brevemente na amante. — Achei que você estava em reunião.
Ele gaguejou alguma coisa, mas ela nem escutou. Não precisava. Já sabia tudo o que precisava saber.
Ela deu um passo para trás. Depois outro. Sem gritar. Sem escândalo.
Ela não precisava explodir. Só precisava ir embora.
Naquela noite, Valentina não voltou para casa. Dirigiu por horas sem rumo, até o céu começar a clarear. A dor queimava dentro dela, mas sob a superfície, havia algo mais. Uma força silenciosa. Um tipo de raiva contida que, por algum motivo, não a deixava chorar.
E foi nesse exato momento, enquanto estacionava em frente à casa da irmã e desligava o motor, que ela sussurrou para si mesma:
— Acabou.
Mas ela não sabia que esse “acabou” não era apenas o fim do casamento. Era o fim de quem ela havia sido até agora. A garota que implorava por amor. Que aceitava migalhas. Que colocava o outro sempre em primeiro lugar.
Valentina não sabia, mas ali começava a mulher que ela ainda estava prestes a se tornar.
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Atualizado até capítulo 22
Comments
Marisa Sampaio
gostei do primeiro capítulo!
2025-07-05
0
Vanildo Campos
🙄🙄🙄😭😭😭💪💪💪💪
2025-07-10
0