O silêncio da manhã era quase ofensivo. O sol entrava pelas janelas grandes da sala como se não tivesse o menor pudor de iluminar ruínas.
Valentina estava sentada no sofá, pernas cruzadas, uma xícara de café esquecida sobre a mesinha de vidro. Usava a mesma roupa da noite anterior. Não tinha dormido. Não conseguia.
Ela passou a madrugada em claro, revirando cada memória, cada gesto, cada frase dita nos últimos meses. Era impressionante como o cérebro humano conseguia ligar os pontos com perfeição quando já era tarde demais.
Arthur chegou às 7h43 da manhã.
Entrou devagar, passos medidos, como se soubesse que algo o esperava. Talvez achasse que ela teria ido embora. Talvez esperasse uma crise de choro, um ataque de fúria. Mas ela estava ali. Serena. Fria.
Como gelo prestes a cortar.
— Val — disse ele, a voz baixa, cautelosa —, eu posso explicar.
Ela levantou os olhos lentamente, como se estivesse diante de um estranho.
— Explicar? — repetiu. — Claro. Senta. Me explica como você conseguiu olhar nos meus olhos por meses, dormir na minha cama, fazer promessas enquanto tinha outra mulher no seu colo.
Ele soltou o ar com força, massageando a nuca, tentando manter a postura.
— Eu não queria que fosse assim. Não era pra você descobrir dessa forma.
— Então existia uma forma certa? — ela arqueou uma sobrancelha. — Talvez com um café da manhã especial, flores na cama e o anúncio: "bom dia, amor, estou te traindo há meses"?
Arthur abaixou o olhar.
— As coisas entre nós estavam mudando. Eu... eu me sentia sufocado, Valentina. Você sempre foi perfeita. Sempre fez tudo por nós, e eu... eu comecei a me sentir como um figurante na minha própria vida. Eu precisava respirar.
Ela riu. Baixo. Um riso seco, quase cruel.
— E para respirar, você precisou transar com outra?
— Não foi só isso — ele rebateu, o tom um pouco mais alto agora. — Foi uma conexão que eu não esperava. A Isadora me ouve, me entende. Ela não me pressiona. Com ela, eu posso ser quem eu sou sem precisar... representar.
— Representar — repetiu ela, devagar. — Então nosso casamento é uma peça de teatro?
— Não foi o que eu quis dizer.
— Mas foi o que você fez.
Houve um silêncio espesso entre eles. Ele parecia prestes a falar algo, mas hesitava. E então, num impulso covarde, jogou a cartada que já vinha ensaiando.
— Talvez... talvez a gente só esteja em fases diferentes. Mas... eu não quero perder você. Eu pensei que... talvez pudéssemos tentar algo novo. Algo mais... aberto.
Valentina piscou, como se tivesse levado um tapa invisível.
— Você quer um casamento aberto?
— É só uma ideia. Não quero te forçar a nada. Mas... se a gente tivesse liberdade... talvez isso aliviasse essa tensão entre nós. Você poderia viver mais. Se divertir. Quem sabe até... conhecer alguém. E eu também. Mas ainda estaríamos juntos.
Ela o encarou por longos segundos.
— Então, deixa eu ver se eu entendi — disse, apoiando os cotovelos nos joelhos, olhando-o nos olhos. — Você me trai, me expõe, mente pra mim, e como prêmio... você quer transformar nosso casamento em um playground?
Arthur respirou fundo.
— Não é assim. É maturidade, Valentina. É evolução.
— Maturidade? — ela se levantou. A raiva começava a aquecer sob a pele, mas ela a segurava como uma lâmina afiada. — Você chama isso de evolução? Sabe o que seria evoluído? Ter tido a coragem de terminar comigo antes de pular na cama com outra.
Ele fechou os olhos por um instante, como se aquilo o tivesse atingido de verdade.
— Eu só não queria te perder.
— Mas perdeu.
Arthur deu um passo em direção a ela.
— Eu te amo, Valentina. De verdade. Só... só me deixa tentar consertar isso. Podemos tentar algo diferente. Sem rótulos. Sem pressão. Eu confio em você. Confia em mim também.
Ela o olhou com uma calma desconcertante.
E então, contra todas as previsões, sorriu.
— Tá bom.
Arthur piscou.
— O quê?
— Eu aceito — ela disse. — O casamento aberto.
Ele ficou parado. Parecia não ter entendido.
— Você... aceita?
— É. Por que não? — Ela deu de ombros. — Se é liberdade que você quer... então vamos brincar todos juntos.
— Val... eu não... achei que você fosse...
— Aceitar? — Ela riu. — Eu sei. Você achou que eu fosse me trancar no quarto, chorar por dias, implorar pra você voltar a ser “o homem que eu conheci”. Mas esse homem nunca existiu. E eu cansei de correr atrás de um fantasma.
Arthur ainda estava pasmo.
— Você tem alguém?
Ela caminhou até ele. Tocou o peito dele com o dedo, firme.
— Não ainda. Mas vou ter.
Deu meia-volta e subiu as escadas.
Lá em cima, no quarto, ela trancou a porta, encostou as costas nela, e fechou os olhos.
Por dentro, tremia. Mas não era medo. Era algo novo. Algo que se parecia perigosamente com liberdade.
E enquanto olhava para o teto, sentia uma única certeza florescer em sua mente:
Se ele achava que ela jamais diria "sim"...
A porta do quarto ainda estava trancada. Valentina não se mexia. Sentada diante do espelho da penteadeira, encarava a própria imagem com uma estranheza quase desconfortável. Como se visse, pela primeira vez, a mulher que existia por trás de todos os papéis que interpretou por tanto tempo.
Esposa perfeita. Filha obediente. Mulher leal.
Tudo isso havia desmoronado em poucas horas.
Ela pegou um lenço demaquilante, passou devagar pelo rosto. Os olhos estavam inchados, mas secos. As olheiras marcavam o cansaço de uma noite insone. E ainda assim… havia algo diferente em seu reflexo. Algo novo. A chama do que ela ainda não sabia que era vingança — mas que já ardia como uma promessa.
Seu celular vibrou. Notificação de mensagem.
Arthur:
"Obrigado por entender. Eu juro que isso pode funcionar pra gente. Ainda te amo."
Ela encarou aquela frase como se fosse uma piada de mau gosto.
Ele ainda a amava?
Não, pensou. Ele ama o controle. Ama a ideia de me manter por perto enquanto se diverte com outra. Mas não a mim. Nunca a mim.
Ela jogou o celular sobre a cama. Fechou os olhos. Respirou fundo.
E então, como uma lâmpada acendendo no escuro, veio o nome.
Nicolas Montenegro.
Ela abriu os olhos de súbito.
Não era apenas um nome. Era a chave.
Nicolas era tudo que Arthur detestava — e com razão. Os dois haviam sido rivais desde a faculdade, quando disputaram não apenas prêmios acadêmicos e negócios, mas também influência no meio empresarial. Enquanto Arthur vinha de uma família tradicional, dona de bancos e imóveis, Nicolas era o filho rebelde de um império construído com sangue e ousadia.
Herdeiro da Montenegro Holdings, Nicolas era o oposto do marido dela: imprudente, desbocado, provocador. Mas também extremamente inteligente, perigoso e irresistivelmente charmoso — e todos sabiam.
Arthur o odiava com uma intensidade quase infantil. Nicolas era a ferida do ego dele.
E agora, poderia ser a arma perfeita.
Valentina se levantou. Caminhou até o closet. Escolheu um vestido elegante, sóbrio, de um vermelho escuro que ela não usava há anos. Prendeu os cabelos, passou um batom discreto, mas firme. Ela não estava se arrumando para um encontro. Estava se preparando para uma guerra.
Pegou o celular. Pesquisou.
Nicolas Montenegro — participação confirmada no Fórum de Inovação Financeira, Hotel Harthon, às 15h.
Hoje.
Ela olhou para o relógio. 13h42.
Ainda dava tempo.
Na saída de casa, cruzou com Arthur na cozinha. Ele usava uma camiseta cinza, tomava café como se nada tivesse acontecido. Como se tivessem discutido sobre filmes, e não sobre traição.
— Vai sair? — ele perguntou, com um sorriso cauteloso.
— Vou — respondeu, seca.
— Com alguém?
Ela o olhou nos olhos, por tempo suficiente para fazê-lo se mexer desconfortável na cadeira.
— Ainda não. Mas estou aberta a possibilidades.
Arthur engoliu em seco, mas sorriu. Tentando parecer moderno. Maduro.
Ela passou direto.
Quando a porta da frente se fechou atrás dela, Valentina sentiu o vento bater contra o rosto. Não era apenas um passeio. Era um marco. O primeiro passo fora da prisão dourada onde viveu por anos.
Dessa vez, ela não era a mulher que corria atrás.
Era a mulher que iria ser escolhida.
Ela chegou ao hotel com o coração batendo firme. Tudo estava lotado de executivos, jornalistas, empresários. Pessoas com pastas, crachás, e olhares ambiciosos.
Ela não estava ali como esposa de ninguém.
Estava ali como Valentina. E isso bastava.
Seguiu para o auditório principal. A palestra havia acabado de terminar. Pessoas saíam aos poucos, e entre elas, ele.
Nicolas.
Alto. Terno impecável, sem gravata, com um charme displicente que fazia todos olharem. O olhar afiado, a barba por fazer, e aquele meio-sorriso irônico como se estivesse sempre um passo à frente de todo mundo.
Ela foi direto até ele.
— Senhor Montenegro.
Ele se virou, surpreso. A surpresa durou dois segundos. Depois veio o sorriso.
— Senhora Diniz... que prazer inesperado.
— O prazer pode ser seu, se quiser.
Ele arqueou uma sobrancelha.
— Isso foi... uma proposta?
Ela se aproximou mais.
— Isso foi um aviso.
Nicolas analisou cada traço do rosto dela. A postura. O tom. Era uma mulher ferida, sim. Mas também uma mulher decidida. E perigosamente lúcida.
— Vamos tomar um café? — ele sugeriu. — Parece que temos muito a conversar.
Valentina sorriu.
— Vamos sim. Eu tenho uma proposta pra te fazer.
E enquanto caminhavam lado a lado até o restaurante do hotel, ela soube, pela primeira vez em muito tempo, que quem estava no controle agora… era ela.
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Atualizado até capítulo 22
Comments
Sônia Ribeiro
Já me apaixonei pela história ♥️♥️👏👏👏👏 e já estou doidinha pra ver ela dar o troco 🤣♥️♥️🔥🔥🔥
2025-07-05
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Sandra Queiroz
simplesmente amandooo
2025-07-04
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