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O Dia em que Ela Mudou

Capítulo 1 — Como Nos Contos de Fadas

Valentina sempre acreditou que o amor era algo que se conquistava com esforço. Não florescia por acaso, não se mantinha sozinho. Era como uma planta rara: exigia cuidado, paciência... e fé.

E foi assim que ela amou Arthur.

Desde o colégio, quando ele passava pelos corredores como se fosse feito de luz, ela se encantou. Ele nunca olhava para ela — não de verdade — mas bastava um sorriso torto ou um "bom dia" educado para que o coração dela disparasse como se tivesse ganhado a loteria.

Alguns chamariam de obsessão. Outros, de ilusão. Valentina chamava de destino.

Anos depois, quando finalmente se tornaram um casal, ela acreditou que todo o seu esforço havia valido a pena. Arthur era tudo o que ela imaginava: educado, gentil, carismático. O homem que todo mundo queria — e que ela conquistou.

O casamento deles foi um evento digno de revista. Flores brancas, um pôr do sol cinematográfico, e promessas ditas com a voz embargada de emoção. Ela se lembrava perfeitamente do momento em que ele disse: "Você sempre foi o meu porto seguro." E ela acreditou. Porque queria acreditar.

Agora, sentada à beira da cama imaculadamente arrumada, em um quarto tão silencioso quanto um túmulo, Valentina olhava para o porta-retratos em cima do criado-mudo. Os dois sorriam naquela imagem. Felizes. Ou, ao menos, bem treinados para parecer.

Ela passou os dedos pela moldura dourada. Um arrepio correu por sua espinha.

Arthur estava atrasado.

De novo.

O relógio marcava 2h18 da madrugada. A desculpa era sempre a mesma: reuniões, compromissos, "coisas da empresa". E ela, por anos, aceitou tudo isso como parte da vida de um homem ocupado.

Mas algo mudara nos últimos meses. O cheiro dele. As ausências mais longas. As mensagens que ele passava a digitar sorrindo, sem perceber que ela observava. O perfume feminino que às vezes impregnava a gola de sua camisa — e que com certeza não era dela.

Valentina não era burra. Só estava cansada de fingir que não via.

Levantou-se. Foi até o closet. Escolheu uma calça jeans, uma blusa preta básica e prendeu o cabelo em um coque baixo. Pegou as chaves do carro.

O ar da madrugada tinha um cheiro frio e úmido, como se estivesse prestes a chover. Valentina dirigia pelas ruas silenciosas da cidade como se estivesse em transe, os dedos firmes no volante, o coração batendo num compasso estranho — como se já soubesse o que encontraria.

Ela não queria acreditar. Ainda havia uma parte dela que se agarrava à esperança, que torcia para estar errada. Talvez ele estivesse mesmo em uma reunião. Talvez fosse só paranoia. Talvez...

Ela freou o carro bruscamente. Não por algo na pista, mas por dentro.

Quantas vezes ela havia repetido essas mentiras para si mesma? Quantas noites sozinha ela precisou justificar? Quantas desculpas engoliu, como pílulas amargas, para manter a aparência de uma vida perfeita?

A resposta estava estampada nos próprios olhos, refletidos no espelho retrovisor. Olhos cansados. Uma mulher que deu tudo de si a um homem que só soube consumir.

Ela respirou fundo. Pegou o celular. Abriu o aplicativo de localização.

Sim. Arthur estava com o GPS ligado — descuido de quem nunca precisou se esconder de verdade.

O ponto piscava em uma região badalada do centro. Uma boate. Mirage Club. Lugar caro, exclusivo, e, segundo ele, “muito barulhento” para o gosto dele. Pois lá estava o carro dele.

Valentina não hesitou. Acelerou.

O som grave das batidas da música reverberava no peito, mesmo do lado de fora. Valentina entrou pela lateral, como se quisesse passar invisível, mas sua presença era difícil de ignorar. Usava pouca maquiagem, mas havia algo no jeito como ela andava — decidida, elegante, com o queixo erguido — que fazia as pessoas abrirem espaço.

Ela vasculhava o ambiente com os olhos, desviando dos corpos dançantes, das luzes coloridas, da fumaça artificial. Até que viu.

Arthur. Em uma área reservada. Camisa social aberta no colarinho, rindo. Ao lado dele, colada, estava a mulher que ela já suspeitava há meses. Jovem. Linda. Olhos arregalados e boca exageradamente vermelha. A amante que ele dizia ser apenas "uma amiga de eventos".

A mulher passou a mão pelos cabelos dele. Arthur se inclinou e sussurrou algo no ouvido dela. Ela riu alto, jogando a cabeça para trás.

Aquela risada foi a faca.

Valentina não sentiu o chão. As mãos tremiam, mas ela se recusava a chorar. Na verdade, algo dentro dela começou a congelar. Como se aquela cena tivesse desligado o último interruptor de ilusão que restava em seu peito.

Ela andou devagar até ficar próxima o bastante para que ele a visse.

E ele viu.

Arthur arregalou os olhos, pálido. Tentou disfarçar. Se levantou, rápido demais.

— Valentina... o que você está fazendo aqui?

— Eu que te pergunto — respondeu ela, com a voz firme. Seus olhos pousaram brevemente na amante. — Achei que você estava em reunião.

Ele gaguejou alguma coisa, mas ela nem escutou. Não precisava. Já sabia tudo o que precisava saber.

Ela deu um passo para trás. Depois outro. Sem gritar. Sem escândalo.

Ela não precisava explodir. Só precisava ir embora.

Naquela noite, Valentina não voltou para casa. Dirigiu por horas sem rumo, até o céu começar a clarear. A dor queimava dentro dela, mas sob a superfície, havia algo mais. Uma força silenciosa. Um tipo de raiva contida que, por algum motivo, não a deixava chorar.

E foi nesse exato momento, enquanto estacionava em frente à casa da irmã e desligava o motor, que ela sussurrou para si mesma:

— Acabou.

Mas ela não sabia que esse “acabou” não era apenas o fim do casamento. Era o fim de quem ela havia sido até agora. A garota que implorava por amor. Que aceitava migalhas. Que colocava o outro sempre em primeiro lugar.

Valentina não sabia, mas ali começava a mulher que ela ainda estava prestes a se tornar.

Capítulo 2 — O Protocolo da Traição

O silêncio da manhã era quase ofensivo. O sol entrava pelas janelas grandes da sala como se não tivesse o menor pudor de iluminar ruínas.

Valentina estava sentada no sofá, pernas cruzadas, uma xícara de café esquecida sobre a mesinha de vidro. Usava a mesma roupa da noite anterior. Não tinha dormido. Não conseguia.

Ela passou a madrugada em claro, revirando cada memória, cada gesto, cada frase dita nos últimos meses. Era impressionante como o cérebro humano conseguia ligar os pontos com perfeição quando já era tarde demais.

Arthur chegou às 7h43 da manhã.

Entrou devagar, passos medidos, como se soubesse que algo o esperava. Talvez achasse que ela teria ido embora. Talvez esperasse uma crise de choro, um ataque de fúria. Mas ela estava ali. Serena. Fria.

Como gelo prestes a cortar.

— Val — disse ele, a voz baixa, cautelosa —, eu posso explicar.

Ela levantou os olhos lentamente, como se estivesse diante de um estranho.

— Explicar? — repetiu. — Claro. Senta. Me explica como você conseguiu olhar nos meus olhos por meses, dormir na minha cama, fazer promessas enquanto tinha outra mulher no seu colo.

Ele soltou o ar com força, massageando a nuca, tentando manter a postura.

— Eu não queria que fosse assim. Não era pra você descobrir dessa forma.

— Então existia uma forma certa? — ela arqueou uma sobrancelha. — Talvez com um café da manhã especial, flores na cama e o anúncio: "bom dia, amor, estou te traindo há meses"?

Arthur abaixou o olhar.

— As coisas entre nós estavam mudando. Eu... eu me sentia sufocado, Valentina. Você sempre foi perfeita. Sempre fez tudo por nós, e eu... eu comecei a me sentir como um figurante na minha própria vida. Eu precisava respirar.

Ela riu. Baixo. Um riso seco, quase cruel.

— E para respirar, você precisou transar com outra?

— Não foi só isso — ele rebateu, o tom um pouco mais alto agora. — Foi uma conexão que eu não esperava. A Isadora me ouve, me entende. Ela não me pressiona. Com ela, eu posso ser quem eu sou sem precisar... representar.

— Representar — repetiu ela, devagar. — Então nosso casamento é uma peça de teatro?

— Não foi o que eu quis dizer.

— Mas foi o que você fez.

Houve um silêncio espesso entre eles. Ele parecia prestes a falar algo, mas hesitava. E então, num impulso covarde, jogou a cartada que já vinha ensaiando.

— Talvez... talvez a gente só esteja em fases diferentes. Mas... eu não quero perder você. Eu pensei que... talvez pudéssemos tentar algo novo. Algo mais... aberto.

Valentina piscou, como se tivesse levado um tapa invisível.

— Você quer um casamento aberto?

— É só uma ideia. Não quero te forçar a nada. Mas... se a gente tivesse liberdade... talvez isso aliviasse essa tensão entre nós. Você poderia viver mais. Se divertir. Quem sabe até... conhecer alguém. E eu também. Mas ainda estaríamos juntos.

Ela o encarou por longos segundos.

— Então, deixa eu ver se eu entendi — disse, apoiando os cotovelos nos joelhos, olhando-o nos olhos. — Você me trai, me expõe, mente pra mim, e como prêmio... você quer transformar nosso casamento em um playground?

Arthur respirou fundo.

— Não é assim. É maturidade, Valentina. É evolução.

— Maturidade? — ela se levantou. A raiva começava a aquecer sob a pele, mas ela a segurava como uma lâmina afiada. — Você chama isso de evolução? Sabe o que seria evoluído? Ter tido a coragem de terminar comigo antes de pular na cama com outra.

Ele fechou os olhos por um instante, como se aquilo o tivesse atingido de verdade.

— Eu só não queria te perder.

— Mas perdeu.

Arthur deu um passo em direção a ela.

— Eu te amo, Valentina. De verdade. Só... só me deixa tentar consertar isso. Podemos tentar algo diferente. Sem rótulos. Sem pressão. Eu confio em você. Confia em mim também.

Ela o olhou com uma calma desconcertante.

E então, contra todas as previsões, sorriu.

— Tá bom.

Arthur piscou.

— O quê?

— Eu aceito — ela disse. — O casamento aberto.

Ele ficou parado. Parecia não ter entendido.

— Você... aceita?

— É. Por que não? — Ela deu de ombros. — Se é liberdade que você quer... então vamos brincar todos juntos.

— Val... eu não... achei que você fosse...

— Aceitar? — Ela riu. — Eu sei. Você achou que eu fosse me trancar no quarto, chorar por dias, implorar pra você voltar a ser “o homem que eu conheci”. Mas esse homem nunca existiu. E eu cansei de correr atrás de um fantasma.

Arthur ainda estava pasmo.

— Você tem alguém?

Ela caminhou até ele. Tocou o peito dele com o dedo, firme.

— Não ainda. Mas vou ter.

Deu meia-volta e subiu as escadas.

Lá em cima, no quarto, ela trancou a porta, encostou as costas nela, e fechou os olhos.

Por dentro, tremia. Mas não era medo. Era algo novo. Algo que se parecia perigosamente com liberdade.

E enquanto olhava para o teto, sentia uma única certeza florescer em sua mente:

Se ele achava que ela jamais diria "sim"...

A porta do quarto ainda estava trancada. Valentina não se mexia. Sentada diante do espelho da penteadeira, encarava a própria imagem com uma estranheza quase desconfortável. Como se visse, pela primeira vez, a mulher que existia por trás de todos os papéis que interpretou por tanto tempo.

Esposa perfeita. Filha obediente. Mulher leal.

Tudo isso havia desmoronado em poucas horas.

Ela pegou um lenço demaquilante, passou devagar pelo rosto. Os olhos estavam inchados, mas secos. As olheiras marcavam o cansaço de uma noite insone. E ainda assim… havia algo diferente em seu reflexo. Algo novo. A chama do que ela ainda não sabia que era vingança — mas que já ardia como uma promessa.

Seu celular vibrou. Notificação de mensagem.

Arthur:

"Obrigado por entender. Eu juro que isso pode funcionar pra gente. Ainda te amo."

Ela encarou aquela frase como se fosse uma piada de mau gosto.

Ele ainda a amava?

Não, pensou. Ele ama o controle. Ama a ideia de me manter por perto enquanto se diverte com outra. Mas não a mim. Nunca a mim.

Ela jogou o celular sobre a cama. Fechou os olhos. Respirou fundo.

E então, como uma lâmpada acendendo no escuro, veio o nome.

Nicolas Montenegro.

Ela abriu os olhos de súbito.

Não era apenas um nome. Era a chave.

Nicolas era tudo que Arthur detestava — e com razão. Os dois haviam sido rivais desde a faculdade, quando disputaram não apenas prêmios acadêmicos e negócios, mas também influência no meio empresarial. Enquanto Arthur vinha de uma família tradicional, dona de bancos e imóveis, Nicolas era o filho rebelde de um império construído com sangue e ousadia.

Herdeiro da Montenegro Holdings, Nicolas era o oposto do marido dela: imprudente, desbocado, provocador. Mas também extremamente inteligente, perigoso e irresistivelmente charmoso — e todos sabiam.

Arthur o odiava com uma intensidade quase infantil. Nicolas era a ferida do ego dele.

E agora, poderia ser a arma perfeita.

Valentina se levantou. Caminhou até o closet. Escolheu um vestido elegante, sóbrio, de um vermelho escuro que ela não usava há anos. Prendeu os cabelos, passou um batom discreto, mas firme. Ela não estava se arrumando para um encontro. Estava se preparando para uma guerra.

Pegou o celular. Pesquisou.

Nicolas Montenegro — participação confirmada no Fórum de Inovação Financeira, Hotel Harthon, às 15h.

Hoje.

Ela olhou para o relógio. 13h42.

Ainda dava tempo.

Na saída de casa, cruzou com Arthur na cozinha. Ele usava uma camiseta cinza, tomava café como se nada tivesse acontecido. Como se tivessem discutido sobre filmes, e não sobre traição.

— Vai sair? — ele perguntou, com um sorriso cauteloso.

— Vou — respondeu, seca.

— Com alguém?

Ela o olhou nos olhos, por tempo suficiente para fazê-lo se mexer desconfortável na cadeira.

— Ainda não. Mas estou aberta a possibilidades.

Arthur engoliu em seco, mas sorriu. Tentando parecer moderno. Maduro.

Ela passou direto.

Quando a porta da frente se fechou atrás dela, Valentina sentiu o vento bater contra o rosto. Não era apenas um passeio. Era um marco. O primeiro passo fora da prisão dourada onde viveu por anos.

Dessa vez, ela não era a mulher que corria atrás.

Era a mulher que iria ser escolhida.

Ela chegou ao hotel com o coração batendo firme. Tudo estava lotado de executivos, jornalistas, empresários. Pessoas com pastas, crachás, e olhares ambiciosos.

Ela não estava ali como esposa de ninguém.

Estava ali como Valentina. E isso bastava.

Seguiu para o auditório principal. A palestra havia acabado de terminar. Pessoas saíam aos poucos, e entre elas, ele.

Nicolas.

Alto. Terno impecável, sem gravata, com um charme displicente que fazia todos olharem. O olhar afiado, a barba por fazer, e aquele meio-sorriso irônico como se estivesse sempre um passo à frente de todo mundo.

Ela foi direto até ele.

— Senhor Montenegro.

Ele se virou, surpreso. A surpresa durou dois segundos. Depois veio o sorriso.

— Senhora Diniz... que prazer inesperado.

— O prazer pode ser seu, se quiser.

Ele arqueou uma sobrancelha.

— Isso foi... uma proposta?

Ela se aproximou mais.

— Isso foi um aviso.

Nicolas analisou cada traço do rosto dela. A postura. O tom. Era uma mulher ferida, sim. Mas também uma mulher decidida. E perigosamente lúcida.

— Vamos tomar um café? — ele sugeriu. — Parece que temos muito a conversar.

Valentina sorriu.

— Vamos sim. Eu tenho uma proposta pra te fazer.

E enquanto caminhavam lado a lado até o restaurante do hotel, ela soube, pela primeira vez em muito tempo, que quem estava no controle agora… era ela.

Capítulo 3 — O Inimigo do Meu Marido

O restaurante do hotel era sofisticado, discreto, com janelas amplas e toalhas brancas de linho. O tipo de lugar onde grandes acordos são firmados sob sorrisos suaves e taças de vinho.

Valentina sentou-se primeiro. Estava com as costas eretas, o olhar firme, como se tivesse passado a vida fazendo isso. Mas, por dentro, o coração batia como um tambor de guerra. Ela não estava acostumada a jogar — mas estava aprendendo rápido.

Nicolas se sentou à frente dela, relaxado, quase divertido. Era o tipo de homem que parecia confortável em qualquer ambiente. Como se soubesse que o mundo sempre acabava girando em torno dele.

— Tenho que admitir — disse ele, cruzando os braços sobre a mesa —, quando te vi na entrada do evento, achei que fosse engano. Ou um golpe baixo do destino. Mas agora que você está aqui, me chamando para um café... estou curioso.

Valentina ergueu uma sobrancelha.

— Curioso é um bom começo.

— Não é todo dia que a esposa perfeita de Arthur Diniz aparece querendo conversar comigo — ele sorriu, inclinado para frente. — Vocês ainda estão casados, certo? Ou você finalmente acordou?

Ela manteve o olhar frio.

— Ainda estamos casados. E, acredite, o fato de eu estar aqui diz muita coisa.

O garçom chegou, e eles pediram. Café para ela. Whisky para ele. Às três da tarde.

— Então me diga — Nicolas apoiou o queixo sobre a mão —, o que você quer de mim, Valentina?

Ela respirou fundo, cruzando as pernas de maneira elegante.

— Quero fazer um acordo. Um arranjo. Um jogo, se preferir.

— Um jogo?

— Sim — ela respondeu, sem desviar os olhos. — Arthur me traiu. Com outra mulher. Isadora.

Ele soltou um assobio silencioso.

— Isadora? A secretária?

— A própria.

— Claro. Sempre soube que ela era um problema.

— Descobri ontem. Ele me propôs um casamento aberto. Achou que eu jamais aceitaria. Que eu ficaria magoada, encolhida. Submissa.

— Mas você disse sim.

— E agora quero você.

O silêncio que se seguiu foi denso.

Nicolas a encarou como se quisesse ver além das palavras, escavar o que havia por trás daquela proposta inesperada. Depois, deu uma risada baixa.

— Isso está ficando interessante.

— Não estou propondo um caso — ela disse, firme. — Estou propondo uma parceria.

— Continua parecendo um caso disfarçado.

— Não. Eu quero jogar o jogo de Arthur contra ele. Quero que ele sinta cada insegurança que me fez engolir. Quero que cada desculpa que ele usou contra mim se volte contra ele. Quero que, pela primeira vez na vida, ele perca.

— E por que eu?

Ela o fitou.

— Porque você é o único homem que ele odeia mais do que ama a si mesmo.

A risada de Nicolas veio mais forte dessa vez, verdadeira.

— Isso foi bom — ele disse. — Poético, até.

Ela manteve o tom sério.

— Eu sei que vocês têm um passado. Que houve negócios mal resolvidos. Que ele te sabotou na época da fusão da Diniz Holdings com o Banco Tavares.

— Ele mentiu para o conselho — Nicolas disse, a voz de repente mais fria. — Me passou por incompetente, manipulou dados, destruiu minha credibilidade naquele círculo. Sim, temos um passado. E uma dívida aberta.

Valentina se inclinou sobre a mesa.

— Então me ajuda a cobrá-la.

Ele a observou por longos segundos.

— E o que eu ganho com isso além de diversão?

— Você ganha prestígio. Ganha exposição. Vai jantar na minha casa. Vai ser visto comigo. Vai entrar no círculo social do qual ele sempre quis te tirar. Vai mostrar que não apenas você venceu — mas que ele perdeu tudo.

— Incluindo a esposa.

— Incluindo a esposa.

Ele girou o copo de whisky entre os dedos.

— E você? O que realmente quer com isso?

Valentina hesitou. Pela primeira vez, sua expressão suavizou.

— Quero me ver livre.

— Livre de Arthur?

Ela sorriu, sem humor.

— Livre de mim mesma. Da mulher que fui por ele. Quero me reinventar. Quero sentir o gosto do poder. Do desejo sem culpa. Do risco. Quero... descobrir quem eu sou quando não estou tentando ser o ideal de alguém.

Nicolas a olhou de um jeito diferente agora. Como se finalmente visse além da esposa traída. Como se visse uma mulher à beira da revolução pessoal. E ele respeitava revoluções.

— Isso é mais do que um jogo — ele disse. — Isso é vingança com roteiro.

— E você adora um bom roteiro, não é?

— Amo.

Eles brindaram. Café e whisky.

Um novo pacto selado.

Nos dias seguintes, Valentina não parou. Atualizou suas redes sociais. Apareceu em eventos discretos. E, ao lado dela, Nicolas Montenegro.

Arthur assistia tudo com um sorriso tenso, tentando se manter sereno. À noite, perguntava com sutileza onde ela tinha estado. Valentina devolvia com a mesma moeda:

— Fiquei na cobertura do Nicolas. Ele se sente inseguro quando eu durmo fora.

E dizia isso olhando nos olhos. Sem remorso. Sem medo.

Ela não precisava fingir mais.

Nicolas era tudo o que Arthur jamais foi: espontâneo, imprevisível, perigoso. E mesmo que, no início, fosse só um acordo… Valentina estava descobrindo que, pela primeira vez, ser desejada não era um fardo.

Era poder.

E ela gostava da sensação.

Dois dias depois, Valentina desceu da cobertura de Nicolas com um vestido preto justo, salto alto e o cabelo solto como nunca usava quando saía com Arthur. O motorista particular do marido a esperava na frente do prédio, já informado de que deveria buscá-la ali.

Ela entrou no carro sem hesitar.

O motorista a olhou pelo retrovisor, surpreso, mas educado.

— Senhora Diniz, devo levá-la direto para casa?

— Pode parar antes no shopping. Quero comprar algumas roupas novas.

— Sim, senhora.

Valentina olhou a própria imagem refletida no vidro da janela: ainda era ela — mas mais solta. Mais ousada. Mais dona de si.

Ela abriu o Instagram. Havia uma nova notificação: uma foto dela e Nicolas no evento de lançamento de um novo fundo de investimento. A legenda era neutra, mas os comentários ferviam.

@luanacosta: Gente, essa não é a esposa do Arthur Diniz?

@carol_braga: O que ela tá fazendo com o Montenegro?

@joaoricardo: Fogo no parquinho, hein.

Ela sorriu. Sabia que Arthur veria. E viu.

À noite, quando ela entrou em casa, Arthur estava na sala com um copo de vinho e o olhar pesado.

— Preciso conversar com você — ele disse, direto.

— Diga.

— Isso... — ele apontou o celular —, você e o Nicolas? Isso faz parte mesmo do que combinamos?

Ela se aproximou calmamente, tirando os brincos como se aquilo fosse uma conversa casual.

— Você queria um casamento aberto, Arthur. Eu só aceitei os termos.

— Mas ele? — Arthur se levantou, nervoso. — Justo ele?

Valentina deu de ombros.

— Não pensei que você tivesse imposto restrições. Afinal, você está com a Isadora, que, por sinal, continua usando o mesmo perfume barato que me enjoava.

Arthur apertou os punhos. A máscara de tranquilidade dele estava começando a rachar.

— Você está fazendo isso só para me atingir?

— No começo, talvez. Mas agora… — Ela sorriu. — Estou me divertindo.

Arthur passou a mão pelos cabelos, irritado.

— Ele está usando você.

— E você não?

Silêncio.

Ela cruzou os braços.

— Você me traiu, Arthur. Achou que eu fosse te perdoar, te agradecer pela liberdade que me ofereceu de presente embrulhada em dor. Mas a liberdade é minha agora. E você vai assistir.

— Isso não vai terminar bem — ele murmurou.

— Para quem? — ela rebateu. — Para mim, já começou muito melhor do que eu imaginava.

Mais tarde naquela noite, Valentina ligou para Nicolas. Ela estava na cama, de robe, com a luz do abajur acesa e uma taça de vinho nas mãos.

— Aposto que ele está surtando — Nicolas disse do outro lado da linha, com aquele tom divertido.

— Ele tentou manter a pose, mas... está desmoronando por dentro.

— Você está jogando melhor do que eu esperava.

— Porque não é só jogo. É vida real. E essa, Nicolas, eu tô aprendendo a viver agora.

— Cuidado — ele disse, num tom mais sério. — Não se perca no caminho.

Ela ficou em silêncio por um segundo. Depois respondeu, com firmeza:

— Eu não tô me perdendo. Tô me encontrando.

Do outro lado da linha, Nicolas ficou em silêncio. Não porque discordava — mas porque começava a entender que talvez ela estivesse certa. Que aquilo não era só sobre Arthur. Nem só sobre vingança.

Era sobre ela.

E, de alguma forma estranha, ele começava a se importar.

No fim de semana, Valentina recebeu um convite inesperado: um jantar beneficente, tradicional entre as famílias da elite. Um evento formal, com listas fechadas, mesas separadas por sobrenomes de peso.

Ela deveria ir com Arthur.

Mas confirmou presença com Nicolas.

No salão iluminado por lustres de cristal, ela surgiu ao lado dele como um escândalo silencioso. Um sussurro que virava grito em cada olhar.

Arthur, sentado à mesa dos Diniz, travou o maxilar ao vê-los.

Valentina passou por ele com a cabeça erguida, o braço entrelaçado no de Nicolas, e um sorriso discreto no canto dos lábios.

Uma das madrinhas do evento cochichou:

— Eu pensei que ela fosse recatada...

A outra respondeu:

— Ela era. Até perceber que pode ser muito mais do que isso.

Durante o jantar, Nicolas tocou levemente a mão de Valentina, sob a mesa.

— Você está bem?

— Melhor do que nunca.

— Ele está te olhando como se quisesse matar alguém.

— Que bom. Eu também já quis.

Nicolas riu.

— Gosto da sua frieza. Mas cuidado pra não congelar por dentro.

Valentina ergueu a taça.

— Não se preocupe. O fogo tá bem aceso aqui dentro.

Eles brindaram.

E quando os olhares se cruzaram mais uma vez, já não havia só estratégia ou conveniência. Havia faíscas.

A fronteira entre o plano e o desejo começava a ruir.

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