Capítulo 5 — Guerra Fria

A primeira coisa que Arthur sentiu ao acordar naquela segunda-feira foi ausência. A ausência do perfume de Valentina no travesseiro. A ausência do som dos saltos dela no corredor. A ausência do bom-dia apático que ela sempre dava, com um beijo na bochecha que nunca passava disso.

Ela não estava lá.

E, pior: não fazia questão de estar.

Arthur Diniz não era o tipo de homem que perdia. Desde criança fora treinado para vencer — nas negociações, nas aparências, nas relações. Seus pais sempre disseram que sentimentos podiam atrapalhar, e que tudo era uma questão de controle.

E Valentina, por muitos anos, foi parte desse controle.

Mas agora ela era outra coisa.

Incontrolável.

Ao meio-dia, Valentina caminhava pelos corredores da empresa de arquitetura com a pasta de couro embaixo do braço e o blazer de linho claro contrastando com o batom vinho escuro. Parecia uma CEO. Parecia no comando. E estava.

Desde que reassumiu seu antigo escritório de arquitetura, ela mergulhou nos projetos abandonados como quem mergulha de volta à própria essência. Sabia que teria que provar seu valor — afinal, muitos achavam que ela só conseguira aquilo por ser esposa de um Diniz. Mas ela conhecia bem os cálculos estruturais, as maquetes digitais e os prazos apertados. E, mais do que isso, conhecia o gosto de ser subestimada.

— A cliente adorou o conceito da fachada com vegetação suspensa, Val — disse Luana, sua assistente, enquanto caminhavam.

— Claro que adorou — ela respondeu com um sorriso confiante. — Arquitetura é equilíbrio. Funcionalidade com beleza. Assim como a vida.

Luana riu.

— Desde quando você ficou tão filosófica?

— Desde que deixei de ser uma sombra bem vestida.

Naquela mesma tarde, Arthur chegou sem avisar ao escritório. Estava impecável: terno sob medida, gravata de linho italiano, e o mesmo olhar de quem costumava entrar em qualquer ambiente como se fosse dono dele.

A recepcionista engoliu seco.

— Oi, sr. Diniz. Posso ajudá-lo?

— Só estou aqui para ver minha esposa.

— A sra. Valentina está em reunião agora...

— Eu espero.

E esperou. Por quase uma hora. Sentado na recepção. Impaciente.

Valentina sabia que ele estava lá. Mas continuou a reunião normalmente, explicando o projeto para os investidores com calma, apontando detalhes técnicos, sugerindo soluções. Quando saiu da sala, já com a pasta nas mãos, o viu de pé, olhando para ela como um predador ferido.

— Que surpresa — disse, seca.

— Podemos conversar?

Ela fingiu pensar.

— Cinco minutos.

Entraram em sua sala. Ela fechou a porta com calma. Não ofereceu café, nem sorriso.

— O que você quer, Arthur?

— Você está me punindo.

Ela soltou uma risada curta.

— Isso é o que você acha? Que isso tudo é sobre você?

— Valentina, eu errei. Admito. Mas você está me expondo. Publicamente. Com... ele.

— Eu não preciso expor você, Arthur. Você faz isso muito bem sozinho.

— Você está dormindo com o meu inimigo só para me ferir.

— Estou dormindo com quem me respeita. A ferida foi você quem criou.

Arthur se aproximou. Não agressivo, mas tentando recuperar terreno emocional.

— Você ainda é minha esposa. Ainda somos uma família. Pense na nossa imagem...

Ela cruzou os braços.

— A imagem nunca te incomodou quando você saía pela porta dizendo que ia para uma reunião e ia se deitar com outra.

— Eu pensei que um casamento aberto nos daria liberdade...

— Você pensou que eu nunca teria coragem de aceitar.

Silêncio.

— Você ainda me ama? — ele perguntou.

Ela ficou imóvel. Por dentro, uma parte muito antiga gritou. Mas foi só isso: um eco.

— Eu não sei mais o que sinto por você. Mas sei o que sinto por mim.

E isso, para Arthur, era o maior golpe.

Naquela noite, ela chegou à casa de Nicolas com os olhos carregados, mas a postura ereta.

Ele abriu a porta e soube, só de olhar, que ela tinha enfrentado uma batalha.

— Vinho ou silêncio? — ele perguntou.

— Os dois.

Sentaram-se na varanda, como já era hábito. O barulho da cidade preenchia os vazios. Ela recostou-se na cadeira, com os pés descalços e o copo na mão.

— Ele foi até meu trabalho hoje.

— E?

— Tentou me fazer sentir culpada.

— Você sentiu?

— Não — ela disse. — Mas senti raiva de já ter sentido por tantos anos.

Nicolas se aproximou e se agachou à frente dela.

— Você está bem?

— Estou viva — respondeu. — Pela primeira vez, inteira.

— Isso é perigoso.

— Para ele?

— Para mim.

Ela olhou nos olhos dele.

— Você sabia desde o início que isso podia acontecer.

— Eu sabia que podia gostar de brincar com fogo. Mas não esperava me queimar.

— Então pare.

— Já está tarde.

Silêncio.

Ela se inclinou e o beijou. Sem pressa. Sem pressa nenhuma.

Dessa vez, foi diferente. Não era só desejo. Era conexão. Era coisa que assusta mais do que excita. E eles sentiram isso juntos, mesmo sem admitir.

Enquanto isso, Arthur ligava para Isadora. Chamou quatro vezes. Ela não atendeu.

Ligou de novo.

Nada.

Ele estava começando a perceber que as coisas não funcionavam mais como antes. Que talvez ele nunca tivesse tido tanto controle quanto imaginava. Que o mundo não girava ao redor dele — e muito menos Valentina.

Naquele exato momento, a mulher que sempre o esperou estava dormindo nos braços de outro. Não por vingança. Mas por escolha.

E essa era a verdadeira guerra: aquela que não fazia barulho, mas deixava cicatrizes que ninguém via.

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Comments

Marisa Sampaio

Marisa Sampaio

já diz o ditado quem mexe com fogo
acaba queimando!

2025-07-05

1

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