A primeira coisa que Arthur sentiu ao acordar naquela segunda-feira foi ausência. A ausência do perfume de Valentina no travesseiro. A ausência do som dos saltos dela no corredor. A ausência do bom-dia apático que ela sempre dava, com um beijo na bochecha que nunca passava disso.
Ela não estava lá.
E, pior: não fazia questão de estar.
Arthur Diniz não era o tipo de homem que perdia. Desde criança fora treinado para vencer — nas negociações, nas aparências, nas relações. Seus pais sempre disseram que sentimentos podiam atrapalhar, e que tudo era uma questão de controle.
E Valentina, por muitos anos, foi parte desse controle.
Mas agora ela era outra coisa.
Incontrolável.
Ao meio-dia, Valentina caminhava pelos corredores da empresa de arquitetura com a pasta de couro embaixo do braço e o blazer de linho claro contrastando com o batom vinho escuro. Parecia uma CEO. Parecia no comando. E estava.
Desde que reassumiu seu antigo escritório de arquitetura, ela mergulhou nos projetos abandonados como quem mergulha de volta à própria essência. Sabia que teria que provar seu valor — afinal, muitos achavam que ela só conseguira aquilo por ser esposa de um Diniz. Mas ela conhecia bem os cálculos estruturais, as maquetes digitais e os prazos apertados. E, mais do que isso, conhecia o gosto de ser subestimada.
— A cliente adorou o conceito da fachada com vegetação suspensa, Val — disse Luana, sua assistente, enquanto caminhavam.
— Claro que adorou — ela respondeu com um sorriso confiante. — Arquitetura é equilíbrio. Funcionalidade com beleza. Assim como a vida.
Luana riu.
— Desde quando você ficou tão filosófica?
— Desde que deixei de ser uma sombra bem vestida.
Naquela mesma tarde, Arthur chegou sem avisar ao escritório. Estava impecável: terno sob medida, gravata de linho italiano, e o mesmo olhar de quem costumava entrar em qualquer ambiente como se fosse dono dele.
A recepcionista engoliu seco.
— Oi, sr. Diniz. Posso ajudá-lo?
— Só estou aqui para ver minha esposa.
— A sra. Valentina está em reunião agora...
— Eu espero.
E esperou. Por quase uma hora. Sentado na recepção. Impaciente.
Valentina sabia que ele estava lá. Mas continuou a reunião normalmente, explicando o projeto para os investidores com calma, apontando detalhes técnicos, sugerindo soluções. Quando saiu da sala, já com a pasta nas mãos, o viu de pé, olhando para ela como um predador ferido.
— Que surpresa — disse, seca.
— Podemos conversar?
Ela fingiu pensar.
— Cinco minutos.
Entraram em sua sala. Ela fechou a porta com calma. Não ofereceu café, nem sorriso.
— O que você quer, Arthur?
— Você está me punindo.
Ela soltou uma risada curta.
— Isso é o que você acha? Que isso tudo é sobre você?
— Valentina, eu errei. Admito. Mas você está me expondo. Publicamente. Com... ele.
— Eu não preciso expor você, Arthur. Você faz isso muito bem sozinho.
— Você está dormindo com o meu inimigo só para me ferir.
— Estou dormindo com quem me respeita. A ferida foi você quem criou.
Arthur se aproximou. Não agressivo, mas tentando recuperar terreno emocional.
— Você ainda é minha esposa. Ainda somos uma família. Pense na nossa imagem...
Ela cruzou os braços.
— A imagem nunca te incomodou quando você saía pela porta dizendo que ia para uma reunião e ia se deitar com outra.
— Eu pensei que um casamento aberto nos daria liberdade...
— Você pensou que eu nunca teria coragem de aceitar.
Silêncio.
— Você ainda me ama? — ele perguntou.
Ela ficou imóvel. Por dentro, uma parte muito antiga gritou. Mas foi só isso: um eco.
— Eu não sei mais o que sinto por você. Mas sei o que sinto por mim.
E isso, para Arthur, era o maior golpe.
Naquela noite, ela chegou à casa de Nicolas com os olhos carregados, mas a postura ereta.
Ele abriu a porta e soube, só de olhar, que ela tinha enfrentado uma batalha.
— Vinho ou silêncio? — ele perguntou.
— Os dois.
Sentaram-se na varanda, como já era hábito. O barulho da cidade preenchia os vazios. Ela recostou-se na cadeira, com os pés descalços e o copo na mão.
— Ele foi até meu trabalho hoje.
— E?
— Tentou me fazer sentir culpada.
— Você sentiu?
— Não — ela disse. — Mas senti raiva de já ter sentido por tantos anos.
Nicolas se aproximou e se agachou à frente dela.
— Você está bem?
— Estou viva — respondeu. — Pela primeira vez, inteira.
— Isso é perigoso.
— Para ele?
— Para mim.
Ela olhou nos olhos dele.
— Você sabia desde o início que isso podia acontecer.
— Eu sabia que podia gostar de brincar com fogo. Mas não esperava me queimar.
— Então pare.
— Já está tarde.
Silêncio.
Ela se inclinou e o beijou. Sem pressa. Sem pressa nenhuma.
Dessa vez, foi diferente. Não era só desejo. Era conexão. Era coisa que assusta mais do que excita. E eles sentiram isso juntos, mesmo sem admitir.
Enquanto isso, Arthur ligava para Isadora. Chamou quatro vezes. Ela não atendeu.
Ligou de novo.
Nada.
Ele estava começando a perceber que as coisas não funcionavam mais como antes. Que talvez ele nunca tivesse tido tanto controle quanto imaginava. Que o mundo não girava ao redor dele — e muito menos Valentina.
Naquele exato momento, a mulher que sempre o esperou estava dormindo nos braços de outro. Não por vingança. Mas por escolha.
E essa era a verdadeira guerra: aquela que não fazia barulho, mas deixava cicatrizes que ninguém via.
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Atualizado até capítulo 22
Comments
Marisa Sampaio
já diz o ditado quem mexe com fogo
acaba queimando!
2025-07-05
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