A Injustiça
A bagunça estava formada. Luna e Ravi praticamente dominavam o grupo de ativistas que protestavam em frente à Ambiental Intercorps, uma indústria de cosméticos que se dizia preservadora, mas que desmatava áreas verdes e testava seus produtos de forma cruel em animais.
— Não vamos quebrar nada, nem invadir. Só queremos uma chance de sermos ouvidos — disse Luna, a voz firme, mas os olhos atentos à movimentação.
— E você já viu gente rica ouvir a gente? — rebateu Ravi, com um meio sorriso debochado.
— Sem alvoroço, Ravi… Estamos aqui para negociar e descobrir por que os resíduos químicos estão sendo lançados na natureza.
— Você é boazinha demais, Luna… Eles nunca vão dar ouvidos pra gente.
Enquanto do lado de fora o protesto fervilhava, dentro do prédio, Teodoro atravessava apressado o corredor até a sala da presidência.
— Vândalos! É isso que eles são. Vou ligar para a polícia agora mesmo e mandar prender a todos! — esbravejou, já sacando o celular.
— Eles estão na rua. Têm o direito de protestar. Vamos apenas tentar ouvi-los — ponderou Henry, do outro lado da mesa.
Teodoro o encarou, perplexo:
— Ouvi-los?! Ficou maluco? Se for até lá, será sequestrado… ou morto!
Mas Henry se levantou, decidido, ajeitou o paletó e respondeu com a calma que sempre o acompanhava:
— Sou contra qualquer tipo de violência. Vou descer lá e resolver tudo de forma civilizada.
Ele saiu, pegando o elevador. Teodoro, porém, não hesitou: ligou para um velho conhecido da polícia.
— Marco! Estamos sendo invadidos! Quero que pare esses vândalos agora!
— Vou mandar a minha equipe averiguar…
— Eu não pedi pra averiguar! Quero essas pessoas atrás das grades! Use bombas de gás, balas de borracha… ou até armas letais, tanto faz! Mas tire-os daqui agora!
Enquanto isso, Henry quase chegava à portaria quando ouviu as primeiras sirenes. A polícia avançava com fúria. De repente, tiros ecoaram, bombas de gás lacrimogêneo explodiram, ardendo os olhos, cegando quem estivesse por perto. Pessoas corriam, tropeçavam, gritavam.
“Deus…”, Henry pensou, alarmado. “Alguém vai se machucar… Isso é totalmente desnecessário!”
No meio do caos, Luna corria tentando se proteger, quando viu Ravi pegar uma madeira e partir para cima dos policiais.
— Ravi, não! Não faça isso! — gritou, desesperada.
Mas ele estava descontrolado, e nada do que ela dissesse faria diferença.
O ar se enchia de fumaça. Olhos ardiam, passos cambaleavam. Luna olhou para os lados, tentando encontrar uma rota de fuga, quando sentiu uma dor aguda: uma bala de borracha atingiu seu braço de raspão, fazendo-a cair no chão, segurando o ferimento com dificuldade.
— Tudo bem com você? — perguntou uma voz masculina, próxima, enquanto mãos fortes a ajudavam a se levantar.
— Sim… mas precisamos sair daqui! Está ficando cada vez pior!
O homem a segurou pela cintura, erguendo-a com firmeza. Mas, no exato momento em que tentavam escapar, alguma coisa — talvez uma pedra, ou um cassetete — acertou com força a cabeça dele.
Luna viu quando ele tombou no chão, a cabeça sangrando, inerte.
— Não! — gritou, ajoelhando-se ao lado dele.
Olhou ao redor, desesperada. Não sabia o que o atingira, mas não podia deixá-lo ali.
Com dificuldade, jogou o braço dele sobre os ombros e começou a arrastá-lo, o coração acelerado.
— O que houve com ele? — perguntou um ativista, correndo ao encontro dela.
— Não faço ideia… Por favor, me ajude! Temos que tirá-lo daqui agora!
Juntos, o colocaram dentro de um carro. Luna, ofegante, ajeitou a cabeça dele em seu colo. Procurou um lenço na bolsa e pressionou contra o ferimento, tentando estancar o sangramento enquanto o carro se afastava do tumulto.
Quando chegaram em casa, Jairo apareceu para ajudar.
— O que vamos fazer com ele? As roupas são caras… Deve ser alguém importante.
— Eu vou cuidar dele. Pode ir pra casa.
— Tem certeza, Luna? Não seria melhor largar ele num hospital e fingir que não sabemos de nada?
Ela negou com firmeza.
— Ele se importou comigo no meio da confusão… Não posso simplesmente abandoná-lo.
Jairo hesitou. Era uma boa pessoa, mas já tinha se envolvido em muitos problemas na vida. Hoje tentava se redimir, ajudando em projetos sociais, mas não podia nem ouvir falar de polícia.
— Ok… Faça como achar melhor. Eu vou indo… Você sabe… — murmurou, antes de sair.
Luna respirou fundo. Pegou uma bacia com água e começou a limpar o ferimento do desconhecido. Tirou seus sapatos, o paletó, ajeitou um travesseiro sob sua nuca e, com delicadeza, terminou o curativo.
Estava inclinada sobre ele quando, de repente, ele começou a abrir os olhos, lentamente.
E foi aí que Luna percebeu:
Ele era… lindo.
Os olhos azuis mais intensos que já tinha visto, mesmo turvos pela dor.
— Quem é você? — perguntou ele, a voz rouca, confusa.
Luna engoliu em seco. Abriu e fechou a boca, sem saber o que dizer de imediato. Só depois de alguns segundos conseguiu se recompor e sorriu, gentil.
— Luna Gauber. Eu… eu te ajudei no meio da confusão.
Ele piscou algumas vezes, levou a mão até a testa.
— Ai… Isso dói…
— Pois é… Alguma coisa te acertou em cheio aí.
Ele soltou um suspiro pesaroso.
— Vândalos… Eu devia ter ouvido o meu tio…
Luna, incomodada, ergueu-se de repente, cruzando os braços.
— Não são vândalos! São ativistas lutando por uma causa comum. Quem começou a confusão foi a polícia!
Ele a olhou, surpreso com a firmeza dela. Um pequeno sorriso surgiu no canto dos lábios. E, mais uma vez, Luna ficou sem graça diante da beleza dele.
— Então… você é uma ativista?
— Sou. E tenho motivos para acusar a Ambiental Inter Corpus de degradar o meio ambiente com seus resíduos químicos.
Ele franziu a testa, como quem ouve um disparate.
— É uma grande acusação… Posso afirmar que deve ser falsa. A Ambiental joga limpo com a natureza. Inclusive doa parte significativa do seu imposto para causas de proteção animal.
Luna arqueou uma sobrancelha.
— E como pode ter tanta certeza disso?
Ele respirou fundo.
— Porque eu trabalho na empresa. E conheço o compromisso que eles têm com o meio ambiente.
Ela se levantou, foi até uma pasta e pegou uma apostila com fotos e documentos.
— Veja isto então…
Ele a encarou, desconfiado.
— O que é?
— Provas reais de que a empresa que você defende não protege a natureza como pensa.
Ele pegou os papéis com seriedade. Abriu a apostila e logo viu: fotos de canos de esgoto, com o nome da empresa estampado, despejando resíduos diretamente numa nascente de água cristalina.
— Onde… onde é isso? — perguntou, surpreso.
— Nascente do Bayer. A mais nova filial da Ambiental Inter Corpus.
Ele balançou a cabeça, incrédulo.
— Impossível… Eu… Eu posso ficar com esses documentos? Preciso me certificar… Isso… isso só pode ser algum engano.
Luna deu de ombros.
— Pode até se certificar… Mas acredite, não há engano.
Ela pegou a bacia que usara para limpar o ferimento e saiu do quarto, descendo as escadas.
Ele ficou olhando para os papéis à sua frente. As letras se embaralhavam. Tentou se levantar, mas o corpo não respondeu. Cambaleou, tombando para frente.
Luna entrou a tempo de segurá-lo.
— Ei… vai com calma aí, fortão… Essa batida foi forte.
Ela o ajudou a voltar para a cama.
Ele respirou fundo, frustrado.
— Desculpe… Mas eu realmente tenho que ir… Está escurecendo, e devem estar me procurando.
Luna se sentou na beira da cama e, com um sorriso paciente, disse:
— Telefone, diga que está tudo bem. Se tentar se levantar agora, pode acabar se machucando feio.
Fez uma pausa, inclinou-se levemente.
— Qual é o seu nome? Mora onde? Quer que eu avise alguém?
Ele hesitou, olhando para a mulher à sua frente: tão firme, decidida… e linda.
Sentiu-se desconfortável. Queria dizer a verdade, mas… e se ela pedisse algum tipo de recompensa? Ela tinha atacado a empresa… Não sabia se podia confiar nela.
— Henrique… Moro no Brooklin. Sou segurança da Ambiental… e não tenho família. Então… não precisa avisar ninguém.
Luna sorriu de canto, pensando: “Segurança… Isso explica todos aqueles músculos…”.
Sem perceber, ficou alguns segundos distraída, observando aquele corpo à sua frente.
Ele a notou.
“Por que ela me olha assim? Está desconfiada?”, pensou.
— Você disse que deveriam estar te procurando…
— Ah, sim… Me referi à empresa. Afinal… sou um funcionário.
Luna apenas concordou.
— Bom… Se quiser, posso te ajudar a descer e chamar um táxi. Mas… acho que seria melhor passar a noite aqui. Ainda está um pouco zonzo.
Ele concordou, aliviado.
— Posso… ao menos… fazer um telefonema?
— Claro.
Luna se retirou, deixando-o sozinho.
Enquanto ela preparava uma sopa na cozinha, ele ligou para Teodoro.
— Graças a Deus, Henry! Eu estava preocupadíssimo! Onde você está?
Henry fechou os olhos, exausto.
— Me machuquei… ou alguém me machucou… Não sei ao certo… mas estou bem agora. Vou passar a noite fora. Tenho que resolver algumas coisas.
— Mas… você está bem, então?
— Estou ótimo. Cuida da empresa por mim… Talvez eu falte amanhã.
— Estará tudo em boas mãos… Fique tranquilo.
Henry desligou. Queria acreditar no tio… mas não conseguia.
Algo… algo dizia a ele que estavam em lados opostos quanto ao rumo da empresa.
E, pela primeira vez, não soube se poderia continuar fechando os olhos para isso.
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Atualizado até capítulo 31
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