A bagunça estava formada. Luna e Ravi praticamente dominavam o grupo de ativistas que protestavam em frente à Ambiental Intercorps, uma indústria de cosméticos que se dizia preservadora, mas que desmatava áreas verdes e testava seus produtos de forma cruel em animais.
— Não vamos quebrar nada, nem invadir. Só queremos uma chance de sermos ouvidos — disse Luna, a voz firme, mas os olhos atentos à movimentação.
— E você já viu gente rica ouvir a gente? — rebateu Ravi, com um meio sorriso debochado.
— Sem alvoroço, Ravi… Estamos aqui para negociar e descobrir por que os resíduos químicos estão sendo lançados na natureza.
— Você é boazinha demais, Luna… Eles nunca vão dar ouvidos pra gente.
Enquanto do lado de fora o protesto fervilhava, dentro do prédio, Teodoro atravessava apressado o corredor até a sala da presidência.
— Vândalos! É isso que eles são. Vou ligar para a polícia agora mesmo e mandar prender a todos! — esbravejou, já sacando o celular.
— Eles estão na rua. Têm o direito de protestar. Vamos apenas tentar ouvi-los — ponderou Henry, do outro lado da mesa.
Teodoro o encarou, perplexo:
— Ouvi-los?! Ficou maluco? Se for até lá, será sequestrado… ou morto!
Mas Henry se levantou, decidido, ajeitou o paletó e respondeu com a calma que sempre o acompanhava:
— Sou contra qualquer tipo de violência. Vou descer lá e resolver tudo de forma civilizada.
Ele saiu, pegando o elevador. Teodoro, porém, não hesitou: ligou para um velho conhecido da polícia.
— Marco! Estamos sendo invadidos! Quero que pare esses vândalos agora!
— Vou mandar a minha equipe averiguar…
— Eu não pedi pra averiguar! Quero essas pessoas atrás das grades! Use bombas de gás, balas de borracha… ou até armas letais, tanto faz! Mas tire-os daqui agora!
Enquanto isso, Henry quase chegava à portaria quando ouviu as primeiras sirenes. A polícia avançava com fúria. De repente, tiros ecoaram, bombas de gás lacrimogêneo explodiram, ardendo os olhos, cegando quem estivesse por perto. Pessoas corriam, tropeçavam, gritavam.
“Deus…”, Henry pensou, alarmado. “Alguém vai se machucar… Isso é totalmente desnecessário!”
No meio do caos, Luna corria tentando se proteger, quando viu Ravi pegar uma madeira e partir para cima dos policiais.
— Ravi, não! Não faça isso! — gritou, desesperada.
Mas ele estava descontrolado, e nada do que ela dissesse faria diferença.
O ar se enchia de fumaça. Olhos ardiam, passos cambaleavam. Luna olhou para os lados, tentando encontrar uma rota de fuga, quando sentiu uma dor aguda: uma bala de borracha atingiu seu braço de raspão, fazendo-a cair no chão, segurando o ferimento com dificuldade.
— Tudo bem com você? — perguntou uma voz masculina, próxima, enquanto mãos fortes a ajudavam a se levantar.
— Sim… mas precisamos sair daqui! Está ficando cada vez pior!
O homem a segurou pela cintura, erguendo-a com firmeza. Mas, no exato momento em que tentavam escapar, alguma coisa — talvez uma pedra, ou um cassetete — acertou com força a cabeça dele.
Luna viu quando ele tombou no chão, a cabeça sangrando, inerte.
— Não! — gritou, ajoelhando-se ao lado dele.
Olhou ao redor, desesperada. Não sabia o que o atingira, mas não podia deixá-lo ali.
Com dificuldade, jogou o braço dele sobre os ombros e começou a arrastá-lo, o coração acelerado.
— O que houve com ele? — perguntou um ativista, correndo ao encontro dela.
— Não faço ideia… Por favor, me ajude! Temos que tirá-lo daqui agora!
Juntos, o colocaram dentro de um carro. Luna, ofegante, ajeitou a cabeça dele em seu colo. Procurou um lenço na bolsa e pressionou contra o ferimento, tentando estancar o sangramento enquanto o carro se afastava do tumulto.
Quando chegaram em casa, Jairo apareceu para ajudar.
— O que vamos fazer com ele? As roupas são caras… Deve ser alguém importante.
— Eu vou cuidar dele. Pode ir pra casa.
— Tem certeza, Luna? Não seria melhor largar ele num hospital e fingir que não sabemos de nada?
Ela negou com firmeza.
— Ele se importou comigo no meio da confusão… Não posso simplesmente abandoná-lo.
Jairo hesitou. Era uma boa pessoa, mas já tinha se envolvido em muitos problemas na vida. Hoje tentava se redimir, ajudando em projetos sociais, mas não podia nem ouvir falar de polícia.
— Ok… Faça como achar melhor. Eu vou indo… Você sabe… — murmurou, antes de sair.
Luna respirou fundo. Pegou uma bacia com água e começou a limpar o ferimento do desconhecido. Tirou seus sapatos, o paletó, ajeitou um travesseiro sob sua nuca e, com delicadeza, terminou o curativo.
Estava inclinada sobre ele quando, de repente, ele começou a abrir os olhos, lentamente.
E foi aí que Luna percebeu:
Ele era… lindo.
Os olhos azuis mais intensos que já tinha visto, mesmo turvos pela dor.
— Quem é você? — perguntou ele, a voz rouca, confusa.
Luna engoliu em seco. Abriu e fechou a boca, sem saber o que dizer de imediato. Só depois de alguns segundos conseguiu se recompor e sorriu, gentil.
— Luna Gauber. Eu… eu te ajudei no meio da confusão.
Ele piscou algumas vezes, levou a mão até a testa.
— Ai… Isso dói…
— Pois é… Alguma coisa te acertou em cheio aí.
Ele soltou um suspiro pesaroso.
— Vândalos… Eu devia ter ouvido o meu tio…
Luna, incomodada, ergueu-se de repente, cruzando os braços.
— Não são vândalos! São ativistas lutando por uma causa comum. Quem começou a confusão foi a polícia!
Ele a olhou, surpreso com a firmeza dela. Um pequeno sorriso surgiu no canto dos lábios. E, mais uma vez, Luna ficou sem graça diante da beleza dele.
— Então… você é uma ativista?
— Sou. E tenho motivos para acusar a Ambiental Inter Corpus de degradar o meio ambiente com seus resíduos químicos.
Ele franziu a testa, como quem ouve um disparate.
— É uma grande acusação… Posso afirmar que deve ser falsa. A Ambiental joga limpo com a natureza. Inclusive doa parte significativa do seu imposto para causas de proteção animal.
Luna arqueou uma sobrancelha.
— E como pode ter tanta certeza disso?
Ele respirou fundo.
— Porque eu trabalho na empresa. E conheço o compromisso que eles têm com o meio ambiente.
Ela se levantou, foi até uma pasta e pegou uma apostila com fotos e documentos.
— Veja isto então…
Ele a encarou, desconfiado.
— O que é?
— Provas reais de que a empresa que você defende não protege a natureza como pensa.
Ele pegou os papéis com seriedade. Abriu a apostila e logo viu: fotos de canos de esgoto, com o nome da empresa estampado, despejando resíduos diretamente numa nascente de água cristalina.
— Onde… onde é isso? — perguntou, surpreso.
— Nascente do Bayer. A mais nova filial da Ambiental Inter Corpus.
Ele balançou a cabeça, incrédulo.
— Impossível… Eu… Eu posso ficar com esses documentos? Preciso me certificar… Isso… isso só pode ser algum engano.
Luna deu de ombros.
— Pode até se certificar… Mas acredite, não há engano.
Ela pegou a bacia que usara para limpar o ferimento e saiu do quarto, descendo as escadas.
Ele ficou olhando para os papéis à sua frente. As letras se embaralhavam. Tentou se levantar, mas o corpo não respondeu. Cambaleou, tombando para frente.
Luna entrou a tempo de segurá-lo.
— Ei… vai com calma aí, fortão… Essa batida foi forte.
Ela o ajudou a voltar para a cama.
Ele respirou fundo, frustrado.
— Desculpe… Mas eu realmente tenho que ir… Está escurecendo, e devem estar me procurando.
Luna se sentou na beira da cama e, com um sorriso paciente, disse:
— Telefone, diga que está tudo bem. Se tentar se levantar agora, pode acabar se machucando feio.
Fez uma pausa, inclinou-se levemente.
— Qual é o seu nome? Mora onde? Quer que eu avise alguém?
Ele hesitou, olhando para a mulher à sua frente: tão firme, decidida… e linda.
Sentiu-se desconfortável. Queria dizer a verdade, mas… e se ela pedisse algum tipo de recompensa? Ela tinha atacado a empresa… Não sabia se podia confiar nela.
— Henrique… Moro no Brooklin. Sou segurança da Ambiental… e não tenho família. Então… não precisa avisar ninguém.
Luna sorriu de canto, pensando: “Segurança… Isso explica todos aqueles músculos…”.
Sem perceber, ficou alguns segundos distraída, observando aquele corpo à sua frente.
Ele a notou.
“Por que ela me olha assim? Está desconfiada?”, pensou.
— Você disse que deveriam estar te procurando…
— Ah, sim… Me referi à empresa. Afinal… sou um funcionário.
Luna apenas concordou.
— Bom… Se quiser, posso te ajudar a descer e chamar um táxi. Mas… acho que seria melhor passar a noite aqui. Ainda está um pouco zonzo.
Ele concordou, aliviado.
— Posso… ao menos… fazer um telefonema?
— Claro.
Luna se retirou, deixando-o sozinho.
Enquanto ela preparava uma sopa na cozinha, ele ligou para Teodoro.
— Graças a Deus, Henry! Eu estava preocupadíssimo! Onde você está?
Henry fechou os olhos, exausto.
— Me machuquei… ou alguém me machucou… Não sei ao certo… mas estou bem agora. Vou passar a noite fora. Tenho que resolver algumas coisas.
— Mas… você está bem, então?
— Estou ótimo. Cuida da empresa por mim… Talvez eu falte amanhã.
— Estará tudo em boas mãos… Fique tranquilo.
Henry desligou. Queria acreditar no tio… mas não conseguia.
Algo… algo dizia a ele que estavam em lados opostos quanto ao rumo da empresa.
E, pela primeira vez, não soube se poderia continuar fechando os olhos para isso.
Luna voltou para o quarto com cautela, equilibrando o prato de sopa sobre uma bandeja e uma xícara de café.
— Pensei que talvez você quisesse comer alguma coisa… — disse, com um sorriso tímido.
Ele a olhou com atenção, como se tentasse decifrar o que se passava em sua mente. Era tão enigmático...
— Adoraria… — respondeu ele, sorrindo suavemente. — Então, Luna, não é? Esse é o seu nome?
— Isso… — confirmou, sentindo o coração acelerar com a simplicidade daquela pergunta.
— Como soube do derramamento de resíduos na nascente?
Ela ficou tensa.
— Então… aquele lugar é…
— É de propriedade particular — completou ele, observando cada reação dela.
— Eu sei… é que… — Luna começou a se atrapalhar, ficando nervosa.
Ele apenas sorriu, com uma tranquilidade desconcertante.
— Não precisa ficar constrangida por ter invadido. Tudo bem, não vou te denunciar.
Luna se encolheu involuntariamente. Se ele soubesse o que aquele lugar representava para ela…
— A sopa está incrível. Foi você quem fez? — perguntou ele, sorrindo, interrompendo seus pensamentos.
Ela sorriu de volta, meio sem jeito.
— Sim, fui eu…
— Cozinha muito bem. O que faz da vida, senhorita Gauber, além de perturbar a ordem pública, é claro… — brincou ele, soltando uma risada leve.
Luna ergueu o queixo, fingindo bravura:
— Eu não perturbo a ordem pública… eu apenas luto por justiça.
Ele a observou com mais interesse ainda.
— Já pensou em conversar com o dono da empresa?
— Já… mas nunca fomos recebidos.
— Como…? Mas… eu nunca soube que… — ele começou a falar, esquecendo-se do papel que estava interpretando ali.
Luna franziu a testa, desconfiada:
— E por que você saberia? Você é apenas um segurança, não é?
Henrique se lembrou, então, da mentira que havia contado. Não poderia se desmentir agora.
— Tem razão… às vezes me sinto importante demais por ser… digamos… um amigo íntimo do dono.
Ela arqueou as sobrancelhas:
— Conhece o dono da Ambiental?
— Sim, muito bem, aliás.
Luna se encheu de esperança.
— E conseguiria fazer com que nos recebesse? Quero dizer… para podermos, sei lá, discutir o assunto sem brigas, sem alvoroço?
Henrique sorriu, terminando as últimas colheradas da sopa:
— É claro. Vou falar com ele amanhã mesmo. Tenho certeza de que aceitará.
Ela recolheu o prato e a xícara, voltando minutos depois com um segundo cobertor.
— Para o caso de sentir frio durante a noite… — explicou, ajeitando o tecido sobre a poltrona.
Henrique a observou e perguntou, com um olhar curioso:
— E você vai dormir onde?
— No sofá da sala…
Ele balançou a cabeça, como se aquilo fosse inaceitável:
— Não seja boba… eu é que deveria estar no sofá…
— Nem pensar! Você está machucado!
Henrique suspirou, sorrindo de lado:
— Deite aqui…
Luna arregalou os olhos.
— Ficou doido?!
Ele ergueu as mãos, como quem jura inocência:
— Não estou cantando você, nem tentando nada. Juro. Só não quero que fique desconfortável no sofá.
— Não ficarei desconfortável…
— Então deixe que eu fique lá…
— Não! Isso é um absurdo!
Henrique riu baixo:
— Certo… então vamos parar de discutir… deita aqui comigo.
Luna travou. Ele era um completo desconhecido… e se a agarrasse do nada?
— Já disse… não vou encostar em você. Para de me olhar assim, com espanto…
— Desculpa… é que… eu não conheço você… então…
Ele assentiu, compreensivo:
— Acho justo e importante que desconfie. Mas sou comprometido, veja… — levantou a mão, mostrando a aliança no dedo. — E, aliás, sou bastante fiel também…
Luna ficou sem graça… e até… enciumada? Aquela mulher devia ter muita sorte mesmo… talvez o problema não fosse o medo de ele a agarrar… e sim, o medo de ela mesma fazer isso.
— Ok… mas só vou deitar aí para garantir que você fique bem… caso precise de ajuda durante a noite…
Henrique sorriu, tranquilo:
— Não precisa se explicar. Seremos apenas dois adultos dormindo na mesma cama, só isso.
Luna respirou fundo, foi até o banheiro, molhou os pulsos tentando controlar a temperatura do corpo, trocou de roupas e, enfim, deitou-se ao lado dele. Mas podia sentir sua presença ali, tão perto… aquilo era um tanto desconfortável.
— Boa noite, Henrique.
— Boa noite, Luna.
Ela fechou os olhos… e adormeceu mais rápido do que imaginava.
Acordou com a claridade da janela batendo em seu rosto. Abriu os olhos… e deu de cara com dois imensos olhos azuis, a encarando.
Luna se esqueceu completamente de que ele estava ali e saltou da cama, caindo no chão.
— Ai…
Henrique se inclinou:
— Ei… está tudo bem com você?
Ela respirou fundo… ok, era só Henrique… o cara estranho com quem acabara de dividir a cama.
— Tudo… tudo tranquilo…
— Você se machucou?
— Não, está tudo bem… — respondeu, levantando-se com cuidado, percebendo que ele ainda a observava, o que era extremamente intimidante.
Ele tinha essa mania de olhar diretamente nos olhos enquanto falava, de acompanhar cada movimento dela… esse cara precisava ir embora logo.
Luna olhou para o relógio e deu um salto: passava das oito da manhã! Precisava passar na reserva e ir para o laboratório.
— Atrasada? — perguntou ele, percebendo sua agitação.
— Um pouco…
Nesse momento, o telefone dela começou a tocar. Luna saiu para atender.
— Oi, Ravi…
Do outro lado da linha, a voz dele soou aliviada e irritada:
— Luna! Finalmente! Estava tão preocupado… mandei inúmeras mensagens no seu chat!
— Desculpa… nem olhei o telefone. Estive ocupada… por que não ligou?
— Estava sem crédito. O Jairo falou que te ajudou a socorrer um cara… quem era?
Luna hesitou, olhando de canto para Henrique.
— Não tenho bem certeza… o nome dele é Henrique. Ele é segurança da Ambiental… e está aqui ainda.
— O quê?! Ficou doida?! Deixou um desconhecido dormir na sua casa… e ainda por cima do lado inimigo?!
— Não existe lado inimigo, Ravi… o cara é gente boa… estava machucado e precisava descansar…
— E você, gentilmente, ofereceu a sua cama!
— Sim, oras…
— E tem coragem de responder isso na cara dura?! Eu tô indo aí agora! Quero ver quem é esse sequelado…
— Calma, Ravi… não complica as coisas… ele vai nos ajudar com o dono da empresa. Disse que são amigos, que vai conseguir uma reunião…
Ravi bufou, incrédulo:
— Esse cara tá só te cantando… te enrolando pra te conquistar… se é que já não conquistou! Henry Locki Master nunca iria ouvir um segurança sobre receber ativistas…
— Mas, Ravi…
— Estou indo até aí e pronto!
Ele desligou antes que ela pudesse continuar protestando.
Quando se virou, Henrique estava parado atrás dela, com a postura séria. Havia penteado os cabelos e vestido um paletó elegante.
De fato, Ravi tinha razão… olhando assim, ele não parecia nem um pouco com um segurança. O terno era de grife… e a postura, impecável.
Luna abanou a cabeça, tentando afastar aqueles pensamentos.
— Já estou indo… ocupei muito do seu tempo e, pelo visto, causei algum desentendimento entre você e o seu namorado…
— O Ravi não é meu namorado… eu não tenho namorado…
Henrique soltou um meio sorriso e abaixou a cabeça.
— Ainda assim… já vou. Minha família deve estar preocupada…
Luna pensou imediatamente na aliança no dedo dele… a noiva deveria estar surtando… afinal, ele mesmo dissera que não tinha família.
— Obrigada por tudo, Luna. Não vou esquecer o que você fez.
Ele se aproximava enquanto falava, e Luna deu dois passos para trás, tentando manter uma distância segura… mas Henrique invadiu seu espaço em segundos, fez um pequeno carinho no rosto dela… e então se afastou, dando-lhe as costas.
— Vou conseguir a reunião, como prometi. Aguarde uma ligação minha.
— Mas… eu não tenho o seu número…
Henrique sorriu de canto, abrindo a porta:
— Eu tenho o seu. Tenha um bom dia…
E saiu, antes mesmo que Luna pudesse protestar. Sorte a dela, pois Ravi chegou alguns minutos depois. Ela ainda estava atônita… em que momento ele tinha pegado o número dela?
— Cadê o cara? — perguntou Ravi, já entrando sem cerimônia.
Luna suspirou:
— Ele já foi…
— Ah… ficou com medo, né? Safado…
— Ele nem sabia que você vinha… na verdade, não ficou… a família dele devia estar preocupada…
— Família?! É casado ainda por cima?
— Tem uma noiva… eu acho…
Ravi abriu os braços, indignado:
— Noiva?! E ainda assim ficou ciscando no terreno dos outros?!
Luna cruzou os braços, irritada:
— Ravi, chega! Minha casa não é terreno de ninguém, ok? Não rolou nada entre eu e esse desconhecido… e, se tivesse rolado, seria problema meu… e dele. Afinal, eu sou solteira, não sou?
Ravi a olhou de cima a baixo, acusador:
— Então, pelo visto… você ficou interessada, não ficou?
— Eu não disse isso…
Ele balançou a cabeça, decepcionado:
— Sinceramente… eu esperava mais de você, Luna…
Dito isso, saiu batendo a porta.
Luna desabou no sofá, frustrada. Ravi era seu amigo desde a infância, mas… às vezes… ele conseguia ser tão controlador… tão possessivo… que simplesmente a irritava.
Henrique chegou em casa pela manhã. Gerttu, a empregada finlandesa, veio correndo, apavorada:
— Meu querido, fiquei tão preocupada com você…
— Estou bem, Gerttu, está tudo bem… — Ele a abraçou com carinho e ela correspondeu, aliviada.
— Seu tio falou que vândalos invadiram a empresa, renderam e machucaram pessoas... quase enfartei de preocupação com o seu sumiço!
Henry respirou fundo, sem acreditar no tio.
— Não foi nada disso… Eles apenas protestavam na frente da empresa. Eu é que desci para controlar a situação, mas alguém chamou a polícia e a confusão começou… Se não fosse por um desses "vândalos", eu nem mesmo sei onde estaria agora.
— Você foi socorrido por um deles então?
— Sim… uma garota, na verdade.
— Só por ela ajudar você já ganhou a minha admiração então… — Gerttu sorriu com ternura.
Ele sorriu também, enquanto subia as escadas, desabotoando o paletó:
— A minha também, Gerttu… a minha também.
Quando Henry chegou à empresa naquele dia, ninguém parecia acreditar no que estava vendo. Ele andou por entre as pessoas, cumprimentando todos. Os olhares de espanto o incomodavam. Cansado daquela atmosfera, chamou um rapaz de canto:
— O que está havendo aqui? Por que estão me olhando desse jeito?
— Bom… o senhor Pontes disse que o senhor tinha sido sequestrado por vândalos, espancado, e que estava no hospital…
Henry fechou os punhos de raiva e seguiu direto para a sala do tio. Entrou num rompante, sem bater à porta, e pegou Teodoro aliciando uma secretária.
— Tio…
O velho, todo sem graça, mandou a garota embora. Ela poderia muito bem ser neta dele.
— Sobrinho querido… o que faz aqui? Achei que descansaria hoje…
— Era a ideia… até porque eu fui sequestrado e espancado por vândalos, não?
— Oh, meu querido… eu precisava de uma desculpa para os funcionários…
Henry se aproximou do tio, encarando-o com frieza:
— Na dúvida, sempre escolha dizer a verdade, titio…
Teodoro sorriu, sem graça. Henry respirou fundo e foi para o seu escritório. Precisava averiguar as fotografias que Luna havia lhe passado. Ele avaliou tudo cuidadosamente e depois pegou o carro, indo até o local onde as fotos tinham sido tiradas.
Seguindo-se pela paisagem das imagens, percebeu que aquele lugar era muito mais bonito do que podia imaginar. Em meio à mata, uma casa abandonada jazia solitária, um pouco destruída pelo tempo. Logo ali, uma fonte de água corria, envenenada por resíduos químicos que exalavam um forte odor.
Léo, um dos capangas de Teodoro, viu Henry sair de lá e resolveu ligar para o patrão:
— Sujou pra nós, Theo. O garoto acabou de sair daqui… fotografou todos os encanamentos e viu toda a sujeira que estamos fazendo…
— Que garoto?
— O seu sobrinho… saiu daqui há pouco, louco da vida…
— Ele viu o derramamento de resíduos?
— Ele foi direto até o local… até parecia que sabia de alguma coisa…
— Impossível!
— Na pressa que ele estava, não vai demorar muito pra chegar até aí. Prepare-se…
— Limpe toda a fábrica e mande as pessoas embora! Ele não pode encontrar nada que esteja no depósito!
Henry entrou na garagem da empresa, irritado, pegou o elevador e invadiu a sala do tio, sem bater.
— Espero que tenha uma excelente desculpa para estas fotos, tio… — disse, jogando as imagens sobre a mesa.
Teodoro se levantou calmamente, olhando para o celular do sobrinho:
— Não estou sabendo de nada disso, Henry. Estou tão surpreso quanto você…
— Quem autorizou isso? Não foi você?
— Como eu disse… nunca fui informado de nada disso antes.
— Tem as suas assinaturas nesse projeto…
Teodoro pegou os papéis das mãos do sobrinho e analisou:
— Isso é uma calúnia! Alguém falsificou a minha assinatura!
Henry duvidava muito que aquilo fosse verdade, mas não queria bater de frente com o tio. Ele era a única família que lhe restava.
— Faça o que quiser a respeito… Se quiser procurar os culpados ou processá-los, fique à vontade. Por ora, eu vou resolver isso.
— O que vai fazer?
— Encerrar as atividades da filial até que tudo esteja de acordo com as normas ambientais. Vou organizar uma comitiva de imprensa para tentar melhorar a nossa imagem no mercado e vamos trabalhar na recuperação do solo e das águas da nascente, bem como replantar as árvores que foram mortas pelos resíduos químicos ou arrancadas para a construção da filial.
— Mas isso vai custar milhões!
— O certo, tio, é sempre o certo. Erramos muito nisso… agora vamos correr atrás desse enorme prejuízo.
— Mas isso vai prejudicar os cofres da empresa…
— Somos uma multinacional multimilionária… Por que está tão preocupado com alguns milhões?
— Henry, eu entendo a sua preocupação pelo meio ambiente… mas temos que pensar no nosso futuro…
— O meio ambiente é o nosso futuro.
Luna chegou exausta do trabalho e se atirou no sofá. Seu celular começou a tocar.
Ela olhou a tela e viu um número desconhecido. Suspirou e atendeu, desconfiada:
— Alô?
— Oi, Luna… é o Henri… quer dizer, Henrique… — corrigiu-se, assim que lembrou que ela não sabia seu nome verdadeiro.
— Ah… oi, Henrique! Como está? Você melhorou bem?
O coração dele deu uma palpitada… ela se importava. Sorriu involuntariamente:
— Sim… estou bem, obrigado por perguntar. Eu conversei com o meu chefe… ele quer receber você…
— Como? Isso é sério mesmo?
— Sim… por que não seria?
— É que… é tão surreal… Normalmente, empresas grandes como a Ambiental não ligam para nós, os ativistas…
— Eu ligo… quer dizer… a empresa… ela liga… — disse ele, atrapalhado, se corrigindo ao mesmo tempo.
Ela, porém, tentou não se encantar. Afinal, aquele homem era comprometido.
— Posso agendar você para amanhã, às 10 horas?
— Claro!
— Ótimo. Até amanhã então, Luna… durma bem…
Meu corpo inteiro se aqueceu, lembrando daqueles olhos me observando hoje, mais cedo.
— Você também… durma bem…
Ele desligou. Eu tentei não sorrir… Mas o sorriso já estava ali, estampado na minha cara de bolacha idiota.
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