Desejos que Matam.

Desejos que Matam.

1. Internato.

— Você não está me perguntando. Está me forçando. — Bella disse, a voz embargada, parada no meio da sala como uma estranha na própria casa.

Os olhos fixos nos pais. Mas eles pareciam diferentes agora. Distantes. Desconhecidos.

— É para o seu próprio bem, Bella. — A mãe respondeu com uma calma ensaiada.

— Ravenhall é um colégio de prestígio. Estrutura excelente. E… você precisa de disciplina.

A palavra ficou suspensa no ar como uma ofensa. Bella riu, sem humor. Um riso curto, magoado.

— Disciplina? Sério? Vocês nunca estão aqui. Não sabem o que eu sinto. Não perguntam como foi o meu dia. E agora, de repente, acham que sabem o que é melhor pra mim?

O pai ajeitou os punhos da camisa como quem se livra de um incômodo.

— A decisão já foi tomada. Você embarca amanhã cedo. Está tudo pronto.

Bella não respondeu. Subiu as escadas devagar, sentindo o corpo pesar a cada degrau. Trancou-se no quarto. O céu lá fora estava carregado de nuvens, cinza, abafado, ameaçador.

Pegou o celular e digitou com os dedos trêmulos para as duas pessoas que realmente conheciam quem ela era por dentro:

Lily, sua melhor amiga de infância, e Luke, o amigo que sempre lhe oferecia abrigo com humor e afeto.

Bella: "Me mandaram para um internato. Ravenhall. Amanhã cedo. Sem aviso. Sem volta."

Lily: "VOCÊ TÁ ZOANDO?! Bella, isso é absurdo. Por que estão fazendo isso?"

Luke: "Bella, você é a aluna mais dedicada da escola. Gentil, quieta, brilhante. Isso não faz o menor sentido. Ravenhall? Sério?"

Ela não conseguiu responder. Chamou os dois por videochamada. Quando os rostos apareceram na tela, os olhos deles estavam úmidos. Furiosos. Tristes.

— Eu não sei o que fiz de errado. — Bella disse, com a voz falhando. — Sempre fui tudo o que eles queriam. E mesmo assim…

— Você não fez nada de errado. — murmurou Lily, já chorando. — Você sempre foi incrível. Isso tá errado, errado demais…

— Ravenhall não é só um colégio. — Luke disse com um tom mais baixo. — Já ouvi histórias. Meu primo quase foi pra lá. Gente desaparece. Tem coisas que ninguém fala. Coisas estranhas… Sombras.

— Para… por favor. — Bella sussurrou. O peito apertava. O ar ficava pesado.

Desligou antes que o medo a consumisse inteira. Sentou no chão e deixou que as lágrimas caíssem silenciosas.

Sempre foi a filha modelo. A que não dava trabalho. A que dizia “sim” para tudo. E agora, era como se toda aquela perfeição tivesse sido em vão.

Naquela noite, sonhou com portas pesadas se fechando atrás dela. Com vozes abafadas por paredes frias. Com olhos que a observavam.

[...]

Sempre fui obediente. Correta. Estudava. Trazia medalhas. Ganhava prêmios. Meus boletins eram vitrines do orgulho deles.

Mas, mesmo assim, nunca foi suficiente.

Eles nunca estiveram nos meus aniversários. Não sabiam o nome da minha melhor amiga. Nunca notaram quando chorei atrás da porta do meu quarto.

Eles cuidavam de clientes importantes, casos milionários, processos de celebridades…

Enquanto a filha deles se desintegrava em silêncio.

E agora… estavam me mandando embora.

Para o mesmo colégio onde estudaram. O mesmo caminho, a mesma fórmula.

Como se eu fosse apenas um reflexo pálido de suas ambições.

O despertador soou como um soco.

— Bella, querida. Acorde. Já está na hora. — disse a mãe, abrindo as cortinas com precisão robótica.

A luz invadiu o quarto como uma violência.

Ela apareceu, vestida com um blazer bege e os cabelos presos num coque que parecia esculpido em gelo.

Era bonita. Perfeita. Fria como uma manhã de inverno.

— Levanta. O carro sai em trinta minutos. — disse, com a voz firme de quem gerencia uma empresa, ou um destino.

— Por que Ravenhall? — murmurei. — Por que não perguntaram o que eu queria?

Ela respirou fundo, como se já soubesse  o que eu perguntaria. — Porque sabemos o que é melhor pra você, Isabella.

"Isabella".

Sempre assim. Nunca Bella. Nunca minha versão.

Me levantei devagar. Me aproximei da mala pronta no canto. Cada item ali dentro parecia uma decisão alheia. Uma identidade empacotada. Uma despedida sem direito de resposta.

Ravenhall era conhecido por formar os melhores. Mas também por esconder os piores segredos.

Filhos de políticos. Herdeiros de impérios. Jovens treinados para mandar, controlar, dominar.

E agora, eu, a menina das bibliotecas e cadernos organizados, estava sendo jogada nesse mundo de máscaras e silêncio.

— Vista-se. Café na mesa. Quero você pronta em trinta minutos. — repetiu minha mãe antes de sair, sem me olhar de verdade.

Fiquei ali. Sozinha. Como sempre estive.

Olhei pela janela.

O céu estava pesado.

E era isso.

A filha perfeita.

Indo para o lugar perfeito.

Para viver a vida perfeita.

Mas, pela primeira vez…

Eu não queria mais ser perfeita.

E talvez Ravenhall não fosse apenas um internato. Talvez fosse a minha nova prisão.

Ou… o início da minha verdadeira história.

Ou... do meu pior pesadelo.

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