3. Boatos.

Esse colégio é cheio de regras... - murmurei, olhando para os quadros antigos que cobriam as paredes com molduras douradas e nomes de gente morta há séculos.

Aiden soltou uma risada curta, rouca, com um toque de deboche nos lábios.

- Você ainda não viu nada. Bella, né? - Ele me lançou um olhar rápido, inquisidor.

Assenti com um leve movimento de cabeça, quase envergonhada.

Era estranho conversar com um garoto logo no primeiro dia. Mas havia algo nele que desarmava qualquer resistência, o sorriso de canto, o tom casual, os olhos verdes que pareciam estudar não o que eu dizia, mas o que eu escondia.

- Por que Ravenhall? - ele perguntou, com aquela voz baixa que parecia sempre conter algo não dito.

Suspirei.

- Meus pais. Eles decidiram por mim. São advogados, vivem viajando, e... - dei de ombros - acham que aqui é o lugar perfeito para "formar caráter".

- Hm... Que romântico. - Ele respondeu com ironia leve, mas os olhos ficaram mais escuros por um segundo. - Sinto muito. De verdade.

- Normal... - murmurei, tentando parecer indiferente, embora as palavras ainda doessem por dentro.

Ele me encarou com um meio sorriso, como se reconhecesse minha tentativa de esconder o peso.

- Todos aqui têm uma história parecida. Pais ausentes, perfeição imposta. Bem-vinda ao clube dos filhos esquecidos.

- Parece um clube bem lotado - comentei, tentando sorrir.

A escadaria larga nos engoliu enquanto subíamos. O som de nossos passos ecoava pelas pedras como se o prédio inteiro nos ouvisse.

Passamos por portas numeradas com placas douradas, todas iguais e, ainda assim, cada uma parecia esconder um segredo diferente.

- O que a diretora quis dizer com "consequências"? - perguntei, baixinho, como se temesse que a própria parede escutasse.

Aiden riu, mas o som foi mais sombrio do que divertido.

- Ela fala assim para assustar os fracos. Mas... Ravenhall tem um lado que não aparece nos folhetos de matrícula.

- Que tipo de lado?

Ele parou, me encarou por um instante e se inclinou ligeiramente, como se fosse me contar um segredo proibido.

- Lendas. Histórias antigas. Sobre alunos que desapareceram. Professores que perderam a cabeça. Portas que se trancam sozinhas. Sussurros vindos das paredes. Coisas assim.

Arqueei a sobrancelha, desconfiada.

- Você tá me assustando de propósito.

- Tô? - ele sorriu, encantadoramente enigmático. - Talvez.

Parou diante de uma porta e olhou para mim, mais sério agora.

- Tem coisas aqui que ninguém fala em voz alta. Mas todos sentem. A diretora tenta esconder. Os veteranos fingem que é lenda. Mas não é.

Antes que eu dissesse algo, ele se virou, seguindo pelo corredor como se nada tivesse acontecido.

Fiquei ali, sozinha com aquele arrepio na espinha.

Diante de mim, a placa dourada: 207.

Respirei fundo e empurrei a porta.

O quarto era amplo, dividido simetricamente entre duas camas, dois armários e duas escrivaninhas.

Uma janela alta deixava entrar a luz cinzenta da manhã, cortada por cortinas vinho. As paredes de pedra tornavam tudo frio, mas havia algo acolhedor nos pequenos detalhes.

Do lado direito, deitada na cama, Vickie mexia no celular, os fones nos ouvidos e uma expressão entediada.

Ela me notou e tirou os fones com um sorriso travesso.

- Sobreviveu à Helen? Parabéns. Ela é a nossa bruxa particular. A maioria sai de lá tremendo.

Soltei uma risada nervosa, largando a mala ao lado da cama.

- E ainda ganhei um "segredo" de presente de um tal Aiden.

- Ah, o Aiden. - Ela se esticou como um gato preguiçoso. - Você vai ouvir muito esse nome.

Deitei-me ainda com o uniforme. Estava exausta.

Mas mais do que isso: inquieta.

Ravenhall era um labirinto. E eu mal havia entrado.

Vickie me olhou de lado, apoiando o queixo na mão.

- Então... ele te trouxe até aqui, né?

Assenti, fingindo indiferença.

- Ele é um amor. Meio... críptico. Mas tem um bom coração. E um histórico longo de corações partidos. - Ela estreitou os olhos para mim. - E você tem cara de problema novo pra ele.

Senti meu rosto esquentar.

- Não é nada disso.

- Claro que não. - Ela piscou, cúmplice. - Aqui, ninguém diz o que sente. Ninguém revela nada. É tudo... velado. Como se todo mundo escondesse alguma coisa.

Virei o rosto, encarando a folha de horários.

Química - Sala 14 - 9h.

- Ainda bem que hoje não tem aula pra mim. - comentei. - Preciso de tempo pra entender onde fui parar.

- E vai entender. - disse Vickie, sentando-se. - E sabe o que vai ajudar?

- O quê?

- O baile de boas-vindas! - disse com empolgação repentina. - Hoje à noite. É tradição. Vem comigo, vai. Agora que oficialmente somos colegas de quarto... e amigas?

- Baile? - repeti, surpresa.

- Roupas elegantes, garçons tensos, música estranha e muita pose. É divertido... à sua maneira. - Ela riu. - Te apresento a galera. Vai ser bom pra tirar esse olhar de "presa recém-chegada".

Sorri, um pouco mais sincera agora.

Mas algo ainda me cutucava.

A fala de Aiden. As lendas.

- O que ele quis dizer com aquilo? Sobre... as histórias?

O sorriso de Vickie vacilou.

- Ele tava brincando. Meio. Quer dizer... existem boatos.

- Que tipo de boatos?

Ela respirou fundo, deitando-se novamente, agora de olhos fixos no teto.

- Dizem que, décadas atrás, teve um escândalo. Uma aluna e um professor. Um caso secreto. Intenso. Proibido.

- E?

- Foram mortos. Enforcados. Encontraram os corpos numa sala do porão. A escola abafou tudo. Mas a sala? Tá trancada até hoje. Ninguém entra. E dizem... que o sangue ainda tá lá.

Um arrepio subiu pelo meu pescoço.

- Alguns dizem que foi um aluno que matou. Outros acham que foi alguém da diretoria. Mas o culpado nunca foi pego. E tem quem acredite que ele... nunca saiu daqui.

Fiquei em silêncio, ouvindo o tique-taque do relógio do quarto.

De repente, até o ar parecia mais denso.

- Tá com medo, novata? - Vickie perguntou com um sorriso de canto.

- Claro que não. - menti.

Ela riu.

- Melhor assim. Porque o porão... fica exatamente embaixo do nosso bloco.

Engoli em seco.

Era oficial:

Ravenhall não era só um colégio.

Era um jogo perigoso.

E eu acabara de ser jogada dentro dele.

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