"A Dama do Mafioso "
O aroma do café recém-passado misturava-se ao burburinho suave de conversas, criando a trilha sonora habitual do 'Amanhecer Dourado'. Para Cristal, aquele era seu refúgio, um lugar onde as sombras do mundo exterior pareciam menos densas. Ela traçava os contornos de um desenho em seu bloco, absorta na melodia calma do jazz que escapava dos alto-falantes, quando a porta abriu-se com um rangido sutil, mas suficiente para silenciar por um instante o ambiente.
Ele entrou. E com ele, uma quietude tensa que pesava no ar, um reconhecimento instintivo de perigo. Brad. Era impossível não notar sua presença: alto, impecavelmente vestido, com um porte que irradiava poder e uma beleza masculina tão impactante quanto perigosa. Seus traços eram esculpidos com uma perfeição quase cruel, e seus cabelos escuros contrastavam com uma pele clara. Mas eram seus olhos – tão escuros quanto a noite mais profunda, mas com uma intensidade que parecia capaz de ver através da alma – que verdadeiramente hipnotizavam e aterrorizavam. Seu olhar varreu o café, não como alguém que procura, mas como quem avalia, quem já conhece cada fraqueza.
Ele era uma figura sombria, um contraste gritante com a luz suave do lugar, e Cristal, que nunca o vira antes, sentiu um arrepio que não tinha nada a ver com o frio. Seus olhos se cruzaram por um milésimo de segundo. Para Brad, foi um vislumbre inesperado de algo que o desarmou – uma pureza destemida em meio à banalidade; para Cristal, um choque elétrico que a fez prender a respiração, uma sensação de ter sido exposta e ao mesmo tempo inexplicavelmente atraída para uma escuridão que ela deveria evitar.
Brad desviou o olhar primeiro, mas a impressão que deixou era indelével. Ele caminhou até o balcão, e seu pedido, simples café preto, foi feito com uma voz que, embora baixa, carregava uma autoridade inegável. Não era um tom arrogante, mas de alguém acostumado a ser obedecido sem questionamentos, de um homem que sabia seu lugar no topo da cadeia alimentar. Enquanto esperava, ele parou em uma posição estratégica, os olhos inquietos voltando-se para a porta de tempos em tempos, a cada novo cliente. Ele estava esperando alguém, e a expectativa em seus ombros era quase tão pesada quanto a aura de perigo que o envolvia.
Foi então que a porta do café se abriu novamente, e o burburinho cedeu lugar a um silêncio ainda mais pesado. Três homens robustos entraram, seus ternos impecáveis e olhares afiados denunciando uma presença que não se encaixava no cenário acolhedor. Eles eram como lobos entrando em um rebanho, e a reverência silenciosa que demonstraram a Brad ao se aproximarem apenas confirmou o status dele. Cristal sentiu o pânico gélido rastejar por sua espinha. Aqueles não eram homens de negócios comuns, não naquele café. Sem levantar suspeitas, ela tentou disfarçar a tremedeira nas mãos, enquanto guardava rapidamente seu bloco de desenho e a caneta. Seu plano era simples: pagar a conta e sair o mais rápido e discretamente possível.
Mas antes que pudesse dar o primeiro passo em direção à saída, uma sombra projetou-se sobre sua mesa. O aroma de café e algo mais, algo perigoso e inebriante, tomou conta de seus sentidos. Era Brad. Seus olhos escuros, antes gélidos, agora tinham uma intensidade perturbadora enquanto ele se inclinava ligeiramente.
"Perdão," a voz dele era um sussurro grave, mas que atravessou o burburinho do café com uma clareza assustadora. "Acho que deixou cair isto." Ele estendeu a mão, e na palma, repousava a caneta que Cristal nem percebera ter escapado de seus dedos trêmulos.
Cristal sentiu o coração acelerar violentamente contra as costelas. Era a caneta que ela havia usado para desenhar, o objeto mais inofensivo em suas mãos minutos antes, agora um elo inusitado com aquele homem perigoso. Sua mente gritava para que ela pegasse o objeto e corresse, mas o olhar escuro de Brad a prendia, uma corrente invisível que a impedia de sequer respirar fundo. Com a mão que ainda não tremia visivelmente, ela pegou a caneta de seus dedos longos e fortes, sentindo a leve fricção de suas peles por um instante. O burburinho do café, que antes parecia um conforto, agora soava distante, um palco para a cena que se desenrolava na mesa dela, sem que ninguém mais percebesse a gravidade do momento.
Ela ergueu o queixo, forçando-se a encontrar os olhos dele, mesmo que seu corpo clamasse para desviar o olhar. A coragem inata, aquela que a tornava Cristal, se impôs sobre o terror. "Obrigada," ela respondeu, a voz mais controlada do que ela esperava, quase desafiadora em sua frieza. Ela apertou a caneta em sua mão, pronta para se levantar e escapar.
Um leve sorriso, quase imperceptível, brincou nos lábios de Brad. Era um sorriso que não alcançava seus olhos, mas que tornava sua beleza ainda mais perigosa. "O desenho... era seu?" ele perguntou, sua voz ainda um sussurro, mas com uma curiosidade genuína que a pegou de surpresa. O tom não era de acusação, mas de uma indagação que prolongava o contato, impossibilitando sua fuga imediata. Os três homens, agora, estavam mais próximos, observando-os com uma curiosidade velada, como se esperassem um sinal de seu chefe.
Cristal demorou um instante, permitindo que o silêncio se estendesse por apenas um segundo a mais do que o confortável, um pequeno ato de resistência. Seus olhos não vacilaram ao encontrar os dele, os escuros olhos de Brad. "Era," ela respondeu, a voz mantendo um tom neutro, quase indiferente, como se o que ela desenhava fosse algo trivial, e não um vislumbre de sua alma. Ela não ofereceu mais detalhes, nem o tipo de sorriso que convida a uma conversa amigável. Apenas a palavra seca, um ponto final que, ela esperava, o faria perder o interesse.
Os lábios de Brad se curvaram um pouco mais, um sinal de divertimento que, para qualquer outro, seria um convite, mas para Cristal era um presságio. "Interessante", ele murmurou, a palavra carregada de um peso que não condizia com sua simplicidade. Ele não parecia disposto a aceitar o "ponto final" dela. Seus olhos varreram o bloco de desenho ainda sobre a mesa, como se tentasse adivinhar o que havia sido criado ali. Os mafiosos atrás dele se agitaram levemente, um deles pigarreando, mas Brad os ignorou, sua atenção totalmente voltada para a mulher à sua frente, que ousava não se curvar.
"Você vem muito aqui?" Brad perguntou, sem rodeios, o tom tornando-se ligeiramente mais baixo, quase como se fosse um segredo compartilhado apenas entre eles. Ele não recuou, nem em um centímetro, mantendo-se inclinado sobre a mesa dela, a proximidade ofegante. Os olhos escuros dele pareciam perfurar qualquer barreira que Cristal tentasse erguer, uma determinação silenciosa que a deixava sem saída. O pigarro do mafioso atrás dele foi mais audível desta vez, um lembrete áspero da realidade que ele habitava, mas Brad parecia completamente alheio à impaciência de seus homens.
Cristal encolheu os ombros, um gesto casual que contrastava com a tensão que a invadia. Ela finalmente se permitiu um contato visual mais prolongado, os olhos fixos nos dele, desafiadores. "Sim, venho", ela respondeu, sua voz soando calma e firme, apesar do tremor interno. Um fio de ousadia percorreu suas veias. "Algum problema?"
A pergunta dela pairou no ar, um desafio que, em qualquer outra circunstância, seria impensável direcionar a um homem como Brad. O sorriso quase imperceptível dele se desfez, substituído por uma contração sutil nos músculos do maxilar. Seus olhos escuros se fixaram nos dela com uma intensidade que gelou Cristal até os ossos, não mais curiosos, mas frios e perigosos. Um dos homens atrás dele deu um passo involuntário à frente, como se fosse intervir, mas Brad apenas ergueu uma mão, um gesto mínimo que o fez parar no lugar. Era um aviso silencioso. A irritação de Brad era uma fera contida, e Cristal sentiu um calafrio, percebendo que talvez tivesse ido longe demais.
O maxilar de Brad se apertou, e a frieza em seus olhos escuros se aprofundou, se tornando uma promessa velada. Ele se endireitou lentamente, desfazendo a proximidade sufocante que a prendia, mas sem nunca desviar o olhar. Seus lábios se moveram, e a voz, antes um sussurro, agora carregava uma nota cortante que apenas Cristal parecia capaz de captar no burburinho do café. "Problema não, Cristal", ele disse, o nome dela em sua boca soando como um aviso e uma posse ao mesmo tempo. "Apenas um lembrete. O acaso... às vezes tem uma memória muito longa."
Ele finalmente se virou, com a mesma graciosidade perigosa com que havia entrado. Seus homens se moveram rapidamente para formar um círculo ao redor dele, quase como uma guarda, e todos saíram do café, seus passos silenciosos mal perturbando o ar que antes parecia vibrar com a presença deles. Cristal ficou ali, congelada, a caneta apertada na mão, o coração batendo descontroladamente. As palavras de Brad ecoavam em sua mente, um presságio, uma teia que, ela temia, já havia começado a se enrolar em torno dela. O acaso tinha uma memória muito longa. E ela sabia que aquele encontro estava longe de ser o fim.
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Atualizado até capítulo 56
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