O Herdeiro e a Noiva Indesejada

O Herdeiro e a Noiva Indesejada

Capítulo 1

O aroma amargo de café queimado pairava no ar, misturado ao cheiro constante de madeira velha que impregnava a casa. Isadora descia as escadas da mansão com o coração apertado, o som seco dos saltos ecoando pelo corredor longo e frio como um aviso de que, mais uma vez, ela estava prestes a enfrentar mais um dia sufocante naquele lugar que chamava de lar… mas que nunca lhe ofereceu abrigo de verdade.

O relógio de parede, herdado de alguma geração que ela nunca conheceu, marcava sete horas da manhã. E como sempre, o Sr. Alberto Montenegro já estava sentado à cabeceira da mesa de jantar, com o jornal aberto e os óculos de leitura pendendo na ponta do nariz.

— Você está atrasada. — A voz dele cortou o silêncio como uma lâmina.

Isadora manteve a cabeça erguida, apesar da vontade de se encolher. O olhar dele, sempre frio, percorreu-a de cima a baixo como se ela fosse mais um objeto de sua coleção de decepções.

— Bom dia, pai. — Ela respondeu com a voz baixa, mas firme.

Pai… Uma palavra que ela repetia por obrigação, mas que nunca sentiu de verdade.

O café da manhã estava disposto na mesa como um ritual sem vida: pães quentes, frutas cortadas com precisão e café servido em xícaras de porcelana que pareciam caras demais para o ambiente emocionalmente miserável daquela casa.

Ao lado, Sofia, a irmã mais nova, sorria com aquele ar de inocência inconsciente. Ela mexia o chá com displicência, como se o mundo não fosse além da roupa nova que vestia ou da próxima festa que iria frequentar.

Isadora a observava com um misto de carinho e angústia. Fazia de tudo para proteger a irmã… e agora, mais do que nunca, sentia que alguma tempestade se aproximava.

— Temos uma reunião hoje à noite. — Alberto anunciou, fechando o jornal com força. — Uma decisão importante precisa ser tomada.

Isadora prendeu o ar por um instante. As palavras dele nunca eram soltas ao acaso. Quando Alberto Montenegro dizia que uma decisão importante estava por vir, significava que alguém sairia ferido… e geralmente esse alguém era ela.

— Que tipo de decisão? — Sua voz soou mais desafiadora do que ela pretendia.

Os olhos dele se estreitaram.

— Algo que garantirá o futuro da nossa família. — Ele olhou para Sofia por um breve momento, e depois voltou o olhar gelado para Isadora. — Você vai entender melhor quando os Bianchi chegarem.

O sangue de Isadora gelou.

Os Bianchi.

Ela já ouvira os rumores. A família que controlava metade das terras da região. Donos de negócios, propriedades e… escândalos. E, principalmente, donos de um herdeiro que, segundo diziam, era um fantasma social: Lorenzo Bianchi. Um homem que ninguém via, ninguém ouvia. Um mistério cercado de boatos.

Ela sabia o suficiente para entender que, quando os Bianchi se envolviam, significava que algo grande — e quase sempre doloroso — estava prestes a acontecer.

— Sofia... — A voz de Alberto cortou o fio de pensamento de Isadora. — Pode ir para o seu compromisso de hoje. Já providenciei o carro.

A irmã, alheia a toda tensão, levantou-se com um sorriso leve e beijou o pai na testa antes de sair, deixando Isadora sozinha com aquele homem que a observava como um predador pronto para atacar.

Foi só quando a porta se fechou atrás de Sofia que a verdade caiu como um peso de concreto no peito de Isadora.

— Não me olhe assim. — Ele se levantou lentamente, ajeitando o paletó com o cuidado de sempre. — Se tem alguém que deve agradecer, é você. Estou poupando a sua irmã de um destino que só cabe a uma filha... substituta.

O estômago de Isadora revirou.

— Você quer dizer que… — Ela respirou fundo, engolindo a dor e o orgulho. — Eu vou me casar com ele?

O sorriso satisfeito de Alberto foi a confirmação.

— Em breve. A visita de hoje é apenas o começo.

E então ele saiu, deixando-a sozinha naquele salão enorme e vazio, cercada por paredes carregadas de quadros antigos… e de um futuro que ela nunca escolheu.

Isadora sentou-se, sentindo as mãos trêmulas, o coração disparado e um nó na garganta que ameaçava sufocá-la.

O nome dele ecoava em sua mente como uma sentença:

Lorenzo Bianchi.

O homem que ninguém conhecia.

O homem com quem ela agora estava prometida.

O homem que, em breve, mudaria sua vida para sempre.

Isadora passou o resto da manhã trancada no quarto. Tentou ler, mas as palavras embaralhavam na página. Tentou bordar, mas os dedos tremiam tanto que a agulha escapava a cada ponto.

O vestido que usava parecia apertado demais. O ar dentro da mansão, rarefeito.

Ela caminhava de um lado para o outro, como uma presa enjaulada, enquanto a mente disparava hipóteses que a atormentavam:

Como seria ele? Será que os boatos eram verdadeiros? Será que ela conseguiria suportar esse destino por muito tempo?

Fechou os olhos, tentando afastar a imagem de uma vida ao lado de um homem frio, distante… ou pior, violento. Quantas histórias ela ouvira sobre casamentos forçados terminando em tragédias?

Mas o que mais doía, mais até do que o medo do desconhecido, era a certeza de que Alberto a estava sacrificando… como sempre fazia.

Ela era a peça descartável. Aquela que ele usava para limpar o caminho para Sofia.

À tarde, a movimentação na casa começou a mudar. Criados corriam de um lado para o outro, polindo talheres, ajeitando as cortinas, mudando arranjos de flores como se o próprio rei estivesse prestes a chegar.

Isadora, do alto da escada, observava tudo com um frio crescente no estômago.

— Senhorita, o Sr. Alberto pediu que a senhorita se vista adequadamente para o jantar desta noite. — Anunciou uma das empregadas, meio sem coragem de encará-la.

— Que horas eles chegam? — A voz dela saiu quase como um sussurro.

— Dentro de uma hora.

Uma hora.

Isadora sentiu o mundo girar. Respirou fundo e caminhou até o guarda-roupa. Escolheu um vestido azul profundo, com mangas longas e corte discreto, mas que ainda realçava suas formas. Não queria parecer provocativa… nem submissa. Queria parecer… forte. Mesmo que por dentro estivesse em pedaços.

Enquanto prendia os cabelos em um coque simples, olhou-se no espelho.

"Você é mais do que ele pensa. Mais do que todos eles pensam."

Repetiu para si mesma, tentando buscar coragem onde já não restava quase nada.

Quando desceu as escadas, a sala de estar estava cheia de flores e castiçais. A mesa de jantar reluzia com a prataria antiga da família. Sofia já havia voltado, deslumbrante em um vestido claro, parecendo alheia ao peso que a irmã carregava naquela noite.

O som de motores chegando na entrada da casa fez com que todos congelassem por um instante.

Alberto ajeitou o nó da gravata com um sorriso satisfeito e caminhou até a porta de entrada, recebendo pessoalmente os convidados.

Isadora ficou parada, próxima à lareira, sentindo o coração disparar.

— Os Bianchi chegaram. — Sussurrou uma das empregadas, quase como se dissesse o nome de uma maldição.

O primeiro a entrar foi um homem de meia-idade, de postura rígida e expressão de superioridade. Devia ser o pai de Lorenzo… ou algum parente próximo. Trajava um terno escuro impecável e olhava ao redor como se estivesse avaliando cada detalhe da casa.

Atrás dele… um silêncio.

Por um segundo, Isadora pensou que os boatos eram mesmo verdadeiros: o herdeiro era surdo e precisava de alguém para acompanhá-lo.

Mas então, ele surgiu.

Lorenzo Bianchi.

Alto. Ombros largos. Traços duros, másculos, como esculpidos em pedra. Os cabelos escuros penteados de forma impecável. O olhar…

De tirar o ar.

Aquela era a primeira coisa que Isadora pensou.

O olhar dele era de uma intensidade que ela nunca tinha experimentado. Escuro, atento… e perigosamente inteligente.

Não havia nada de frágil ou doente naquele homem. Nenhuma pista de deficiência. Nenhuma hesitação nos passos firmes que ele deu ao atravessar a sala.

A cada metro que Lorenzo avançava, o ar parecia se tornar mais denso.

Ele não a olhou de imediato. Cumprimentou Alberto com um aperto de mão rápido, depois direcionou o olhar para Sofia… e então, finalmente… para ela.

Os olhos dele a percorreram com calma, analisando, medindo, como se ela fosse um problema a ser resolvido… ou um jogo que ele ainda decidia se valia a pena jogar.

Isadora sustentou o olhar, mesmo com o coração disparado, mesmo com o sangue pulsando nas têmporas.

Ela não ia se dobrar.

Não naquela noite.

— Esta é minha filha… Isadora. — Alberto apresentou com um sorriso satisfeito, como se estivesse exibindo uma peça valiosa em um leilão.

Lorenzo inclinou levemente a cabeça em reconhecimento, mas não sorriu.

— Um prazer. — A voz dele era grave, profunda, e… perfeitamente audível.

Isadora engoliu em seco.

Definitivamente, ele não era surdo.

E naquele exato instante, ela percebeu que estava entrando num jogo muito mais perigoso do que qualquer um naquela sala imaginava.

Um jogo onde a primeira regra era clara:

Nada… absolutamente nada… era o que parecia ser.

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Comments

Edna Aparecida Rodrigues Pereira

Edna Aparecida Rodrigues Pereira

comecei ler hoje 17/07/25

2025-07-17

0

Marta Monteiro

Marta Monteiro

comecei a ler hoje 😃.

2025-07-01

0

Leitora compulsiva

Leitora compulsiva

nada parece ser 😉

2025-06-30

0

Ver todos

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