Capítulo 2

O som dos talheres batendo suavemente contra a porcelana era o único som predominante na sala de jantar.

Isadora mantinha os olhos baixos, brincando com a comida no prato enquanto ouvia os adultos conversarem como se ela fosse apenas um enfeite decorativo naquela mesa opulenta.

A conversa girava em torno de negócios, contratos e alianças estratégicas. Palavras como “fusões”, “expansões” e “valores de mercado” eram lançadas com naturalidade, como se estivessem falando de algo tão trivial quanto o clima.

Lorenzo… permanecia em silêncio.

Ele comia com movimentos precisos, quase calculados, como se cada gesto fosse estudado.

Mas o que realmente deixava Isadora desconcertada era o fato de que, vez ou outra, ela percebia… os olhos dele sobre ela.

Não eram olhares longos, tampouco descarados. Eram rápidos, sutis… mas com uma intensidade que fazia sua pele arrepiar.

Ele a estava avaliando.

— Isadora… — a voz grave de Lorenzo a chamou de repente, pegando-a desprevenida.

Ela ergueu o rosto, encontrando aquele olhar escuro e impenetrável.

— Sim? — respondeu, lutando para manter o tom de voz firme.

Ele repousou os talheres com calma sobre o prato antes de falar novamente.

— Gosta de viver aqui? — A pergunta, à primeira vista, parecia inocente… mas o modo como foi dita carregava uma segunda camada de significado.

Isadora respirou fundo, sentindo o olhar de Alberto pesar sobre ela.

— Esta sempre foi minha casa. — Respondeu, com um leve sorriso ensaiado. — Não tenho muito com o que comparar.

Lorenzo arqueou uma sobrancelha, como se avaliasse a resposta.

— Imagino que logo terá com o quê comparar.

O tom dele era ambíguo. Nem doce, nem cruel. Apenas... provocativo.

O sangue de Isadora gelou. A confirmação de que o casamento estava praticamente fechado foi dita com a mesma naturalidade de quem comenta sobre a sobremesa.

— Lorenzo, querido… — A voz de Dona Patrícia Bianchi, mãe de Lorenzo, interrompeu, mudando o foco da conversa. — Espero que a moça esteja à sua altura. Depois de tantos anos… você finalmente aceitando uma união é motivo de celebração.

Isadora sentiu as bochechas queimarem.

— Mamãe… — Lorenzo sorriu de leve, mas havia algo irônico naquele sorriso. — Ainda é cedo para definições. Estamos apenas… nos conhecendo.

O olhar dele voltou para Isadora como um aviso.

Como se estivesse deixando claro que, apesar do contrato entre as famílias, a decisão final ainda era dele.

Alberto forçou uma risada tensa, tentando contornar a situação.

— Claro, claro… Mas tenho certeza de que os dois vão se dar muito bem. Isadora sabe ser uma companhia agradável.

Ela abaixou o olhar, contendo a vontade de revirar os olhos. Aquela fachada de pai orgulhoso era mais falsa que os sorrisos que circulavam pela mesa.

O jantar seguiu, mas a comida parecia perder o gosto a cada garfada.

Quando a sobremesa foi servida, uma torta de frutas vermelhas, Lorenzo levantou-se, surpreendendo a todos.

— Preciso de um pouco de ar. — Disse, retirando o guardanapo do colo.

Antes que Alberto pudesse dizer qualquer coisa, Lorenzo completou:

— Posso contar com a sua companhia, senhorita Isadora?

O silêncio na sala foi imediato.

Ela sentiu todos os olhares recaírem sobre ela. A respiração ficou presa na garganta. Mas, engolindo o nervosismo, assentiu.

— Claro.

Levantou-se com a graça que aprendeu a ter ao longo dos anos… sempre se equilibrando entre o orgulho e a obrigação.

Do lado de fora, o jardim da propriedade estava iluminado por pequenas lanternas penduradas nas árvores. O ar da noite era fresco, quase reconfortante, e o som distante dos grilos preenchia o silêncio.

Lorenzo caminhava à frente, mãos nos bolsos, até parar próximo ao lago artificial.

— Está nervosa? — A pergunta veio como um golpe inesperado.

Isadora parou a poucos passos dele, mantendo a distância.

— Deveria estar? — devolveu com uma frieza que ela nem sabia que tinha.

Lorenzo riu, um som baixo e rouco que fez o estômago dela revirar.

— Gosto disso. — Ele virou-se, encarando-a. — Gosto de quando alguém tem coragem de responder à altura.

Isadora permaneceu imóvel, mesmo com o coração disparado.

— Não sei o que espera de mim, senhor Bianchi. Mas quero deixar claro que não estou aqui por escolha própria.

Ele a observou em silêncio por alguns segundos. Depois deu alguns passos até ficar mais perto… perto o suficiente para que ela sentisse o cheiro amadeirado da colônia que ele usava.

— E você acha que eu estou? — O tom de voz dele era baixo, quase como uma confidência. — Acha mesmo que eu queria me casar com alguém escolhida por interesses de terceiros?

Isadora engoliu seco.

— Então estamos empatados.

Lorenzo sorriu de canto.

— Talvez. Mas a diferença… — ele se inclinou levemente, aproximando o rosto ao dela… os olhos fixos nos dela… — é que eu sei muito bem jogar esse jogo.

Antes que ela pudesse responder, Lorenzo se afastou, voltando a andar pelo jardim como se nada tivesse acontecido.

Isadora ficou parada, tentando recuperar o controle sobre a própria respiração… e sobre o turbilhão de emoções que aquele homem, com poucas palavras e um olhar certeiro, tinha acabado de despertar nela.

O resto da noite se arrastou como um castigo.

Depois da breve caminhada no jardim, Isadora voltou para o interior da mansão com os pensamentos em turbilhão. As palavras de Lorenzo ecoavam em sua mente como um aviso:

“Eu sei muito bem jogar esse jogo.”

Ela mal conseguiu tocar na sobremesa, e tampouco percebeu os olhares curiosos de Sofia, que, pela primeira vez, parecia notar que havia algo estranho naquela negociação entre as famílias.

Quando os Bianchi finalmente se despediram, com promessas de um novo encontro em breve, Isadora respirou fundo, como se fosse a primeira vez que o fazia naquela noite.

Subiu as escadas rapidamente, ignorando o chamado de Alberto no final do corredor.

Ela não queria ouvir mais mentiras, nem justificativas. Só queria ficar sozinha.

Dentro do quarto, ela trancou a porta e se permitiu finalmente desabar.

Sentou-se na beirada da cama, afrouxando o laço apertado do vestido, tentando aliviar a pressão sufocante no peito.

"Ele não é surdo…

Ele não é doente…

E ele definitivamente não é um homem fácil de manipular."

Pela primeira vez, Isadora teve a real noção da encrenca em que estava se metendo.

Lorenzo Bianchi era mais do que um noivo imposto. Era um adversário. Um homem com a mente afiada, o olhar de um estrategista… e o ego de alguém que não estava acostumado a perder.

Ela fechou os olhos, respirando fundo.

"Se ele gosta de jogos… vai ter o meu melhor jogo também."

Na manhã seguinte, o clima na casa estava mais pesado que nunca.

Enquanto tomava o café da manhã, Sofia entrou na sala com o sorriso doce de sempre, mas com um brilho curioso nos olhos.

— Então… — ela começou, sentando-se à frente de Isadora. — Como foi o passeio no jardim com o Sr. Bianchi?

Isadora ergueu os olhos devagar, fingindo indiferença.

— Um simples passeio.

Sofia apoiou o queixo nas mãos, com um sorriso provocativo.

— Hum… Estranho… porque, pelo jeito que ele te olhava ontem, não parecia tão simples assim.

Isadora congelou.

— Não viaje, Sofia.

— Só estou dizendo… — a irmã deu de ombros. — Ele pode ser estranho, reservado… mas é bonito. Muito bonito, aliás. Eu até agradeceria por você ter ficado com ele no meu lugar… se não estivesse tão claro que você está apavorada.

O sangue de Isadora subiu no rosto.

— Você não entende nada, Sofia. Nada.

Ela se levantou bruscamente, deixando a xícara de café pela metade, e saiu da sala antes que a irmã pudesse provocá-la ainda mais.

Enquanto atravessava o corredor, deparou-se com Alberto, que saía de seu escritório.

— Precisamos conversar. — Ele disse, sem rodeios.

— Se for sobre o casamento, eu já entendi o recado. — Ela rebateu com frieza.

Alberto a encarou com aquele olhar calculista, como sempre fazia quando queria intimidá-la.

— Não se engane, Isadora. Isso não é apenas sobre o que você entende ou não. É sobre o futuro desta família. Os Bianchi são a nossa única chance de salvação financeira. Você vai sorrir, vai aceitar, vai obedecer.

Ele se aproximou, diminuindo a distância entre eles.

— E vai fazer esse homem acreditar que você é tudo o que ele procura. Mesmo que precise engolir cada gota de orgulho para isso.

Isadora sentiu os olhos arderem, mas se recusou a chorar na frente dele.

— Eu nunca fui boa em fingir, pai.

— Então aprenda. — Ele virou as costas e desapareceu novamente no escritório.

Mais tarde, sozinha no quarto, Isadora olhou pela janela, observando o jardim onde, na noite anterior, sua vida tinha começado a mudar.

Ela sabia que a partir daquele momento, cada gesto, cada palavra, cada olhar entre ela e Lorenzo seria um movimento num jogo que ela não pediu para jogar… mas que, agora, era obrigada a vencer.

E mesmo com o medo crescendo dentro de si, havia uma parte de Isadora que queimava de raiva. Uma parte que queria provar que ela não era uma marionete, nem uma vítima.

Se Lorenzo queria brincar… ela também sabia jogar.

Ela respirou fundo, levantou-se e caminhou até o guarda-roupa.

"Se é guerra que ele quer… é guerra que vai ter."

Mais populares

Comments

Mariza Gomes

Mariza Gomes

é isso aí mocinha nunca abaixe a cabeça pra ninguém seja sempre vc ..

2025-06-21

2

Leitora compulsiva

Leitora compulsiva

que os jogos comecem rsrrsrrs vamos ver quem perde primeiro 🤭😅

2025-06-30

0

Ester menezes

Ester menezes

início da leitura ,16/07/2025 as 17:00

2025-07-17

0

Ver todos

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!