Tamendê – Temporada 1.

Tamendê – Temporada 1.

Capítulo 1: Raiz Perdida.

A chuva caía há dias, transformando a floresta num pântano de lama e folhas encharcadas. Karuara, um garoto de 14 anos, magro, com a pele suja e roupas rasgadas, caminhava sozinho pela mata densa. Seus pés descalços afundavam na terra, como se ela quisesse engoli-lo, apagando sua existência. A fome apertava seu estômago, mas o silêncio ao redor era ainda mais cruel, um vazio que ecoava sua solidão. Enquanto um trovão rasgava o céu, a chuva batia forte em seu rosto. Ele parou, olhou para cima, e murmurou em pensamento: “Por que... por que só eu fui deixado pra trás?”

Memórias fragmentadas o assaltaram — uma casa em chamas, gritos cortando a noite, sombras de pessoas caindo, e uma figura sorridente com olhos vazios, como buracos sem fim. Exausto, Karuara caiu de joelhos, a barriga ronronando alto. Uma lágrima se misturou à chuva. “Meu nome é Karuara. E hoje, ou eu morro... ou alguém me encontra,” pensou, com a voz rouca em sua mente.

Um barulho súbito entre os arbustos o fez virar, assustado. Um garoto mais velho, de dezessete anos, com olhos sérios e garras pontiagudas meio ativadas, emergiu da vegetação. “Você é de qual família?” perguntou, com tom firme, quase acusador. Karuara não respondeu, encarando-o com uma mistura de raiva e medo, o corpo tenso. Antes que pudesse falar, uma voz feminina ecoou ao fundo: “Ei! Vê se não assusta o garoto! Ele tá quase desmaiando!” Era uma mulher mais velha, com autoridade na voz.

Logo, Karuara foi levado a um abrigo improvisado, escondido entre árvores altas. Um grupo de pessoas de várias idades o observava com curiosidade, seus olhos brilhando com algo que ele não entendia — poderes, talvez. No centro, uma mulher doente, sentada numa cadeira de rodas feita de galhos trançados, sorriu com gentileza. “Você tem um vazio nos olhos, menino... mas ainda tem vida. Isso basta pra gente te dar um lugar,” disse ela, a voz frágil, mas acolhedora. Karuara olhou ao redor, vendo jovens com roupas improvisadas, auras estranhas e olhares que misturavam desconfiança e esperança. Um menino, com olhos penetrantes, o encarou diretamente. “Se você ficar... vai ter que proteger a gente também, um dia,” disse ele, sério. Pela primeira vez em anos, Karuara sentiu algo quente no peito. “Foi ali, entre rostos estranhos e poderes que eu não entendia... que alguém me chamou de irmão,” pensou, quase sem acreditar.

Sentado na varanda dos fundos da casa, Karuara ainda carregava o peso da chuva recente e dos dias sem rumo. As nuvens escuras cobriam o céu, e o cheiro de terra molhada pairava no ar, misturado ao som distante dos pingos escorrendo das folhas. Ele olhava o horizonte sem foco, os cotovelos apoiados nos joelhos, os olhos vazios, como se esperasse que o mundo lhe desse alguma resposta. Passos leves soaram atrás dele.

“Você é sempre assim calado ou só tá tentando se fazer de misterioso?” perguntou Prize, uma jovem de postura confiante, cabelos presos num rabo de cavalo e uma cicatriz fina no queixo. Sem esperar resposta, ela continuou: “Hmph... tanto faz. Vem comigo, vou te mostrar o pessoal.” Karuara hesitou, mas se levantou e a seguiu, o coração batendo rápido.

Entraram pela porta dos fundos, o piso de madeira rangendo sob seus pés descalços. Na sala, Prize apontou para um menino de cinco anos brincando sozinho com pedaços de carvão e folhas desenhadas. “Esse é o Sazenac. Não provoca muito ele... principalmente quando os olhos ficam daquele jeito,” murmurou, quase como uma advertência. Os olhos de Sazenac, negros como poços profundos, pareciam se apagar por um segundo, e um vulto sombrio se projetou atrás dele, fazendo Karuara estremecer.

Na cozinha, a luz fraca iluminava outras figuras. “Ali tá a Zefalla. Tem quatorze anos. Fica brincando com luz e borboletas, mas não se engana... ela pode queimar metade da casa se quiser,” disse Prize. Zefalla acenou timidamente, segurando uma borboleta de luz que pulsava entre seus dedos. “Aquela é a Chermy. Nossa prima do meio, Tem um pouco mais de quatorze anos. Sabe aqueles fios que te enroscam do nada? Então...” Chermy nem olhou para Karuara, costurando algo com precisão quase cruel, os dedos ágeis manipulando fios invisíveis. “Malaéd tá ali perto da janela. Sempre com essas facas... dizem que o que ela carrega nas lâminas é energia corrosiva. Nunca vi ela errar um golpe. Ah! E ela é nossa prima, ela era filha única de uma outra tia nossa que... faleceu, ela tem quatorze anos também, mas é mas nova que Chermy por mês.” continuou Prize. Malaéd, com os olhos ocultos por uma máscara, permaneceu em silêncio, as mãos brincando com uma faca pequena. “E aquele é o Billeyn. Tem a idade do Nahgar, nosso irmão mais velho. Mexe com mente e energia. Cuidado com o que pensa perto dele,” finalizou, apontando para um rapaz recostado contra a geladeira, que ergueu os olhos como se pudesse ler Karuara.

Prize o puxou até um corredor estreito. “Agora vem cá. Tem uma porta que você precisa conhecer antes de andar pela casa todo solto.” Ela abriu com cuidado, revelando um ambiente escuro, quase vazio. Ali, de pé, estava Nahgar, com pele pálida e olhar afiado como lâminas. Antes que Karuara pudesse reagir, Nahgar estendeu o braço e cravou a garra do dedo indicador em seu braço, perfurando a pele de leve. “Tsc... sangue comum. Como eu imaginava.” murmurou, com um tom que misturava curiosidade e desdém. Prize puxou Karuara de volta, ignorando o sangue que escorria. “Ele faz isso com todo mundo. Vai acostumando,” disse ela, com um suspiro.

Nos fundos da casa, sob uma árvore grande, Prize apresentou os jovens da idade de Karuara. Lugue, da mesma idade, estava sentado cercado por figuras espelhadas em forma de animais, que se moviam em silêncio, refletindo a luz do céu nublado. Vadashe, primo do meio, recostado contra o muro, tinha o corpo parcialmente invisível, os contornos tremeluzindo como miragens. Yague, com quinze anos, de olhar sonhador, segurava um caderno onde as linhas desenhadas pareciam respirar. Linkhin, o primo caçula de dez anos, com olhos selvagens e unhas sujas de terra, exalava um rastro de fumaça que dançava ao seu redor. Prize colocou a mão no ombro de Karuara. “Pode não ser a família que você queria. Mas é a que a gente tem. E aqui... ninguém sobrevive sozinho.” Pela primeira vez em muito tempo, uma faísca brilhou nos olhos de Karuara, como se algo dentro dele começasse a despertar.

No fim da tarde, a chuva parou, deixando o cheiro de terra molhada no ar. Karuara observava Lugue, agachado, conversando com uma raposa feita de vidro, que refletia a luz fraca do céu. Hesitante, ele se aproximou. “Ela... era de verdade?” perguntou, quase murmurando. Lugue sorriu de leve, ainda olhando para o chão. “Eles são reais. Só... vivem em outro tipo de reflexo.” Um silêncio confortável se formou. “Você não fala muito, né?” disse Lugue, virando-se para ele. Karuara, sem jeito, respondeu: “Tô tentando entender onde tô. Ainda parece que não sou parte disso aqui.” Lugue estendeu a mão, e um pequeno corvo espelhado se formou, pousando em seu ombro. “Esse é o Jull. Ele gosta de quem tem sombra no olhar.” Karuara olhou nos olhos translúcidos do corvo. “Eu tenho sombra?” perguntou. “Tem. Mas não é do tipo ruim. É profunda. Tipo as cavernas antes do nascimento da luz,” respondeu Lugue, com serenidade. Karuara deu um leve sorriso, o primeiro em muito tempo. “Isso foi bonito,” disse. Lugue riu. “Foi? Eu sou meio esquisito com palavras. Mas tudo bem, a família também é. Você vai ver.” Karuara hesitou, mas seus olhos brilharam com confiança. “Eu quero ver. Quero entender tudo isso. Você... me ajuda?” Lugue assentiu. “Ajudo. Mas só se você me contar uma coisa sua também. Pode ser qualquer coisa. Até seu prato favorito.” Karuara pensou por um momento. “Eu gostava de sopa quente nos dias de chuva. Antes de... tudo.” Lugue sorriu. “Então vamos arrumar isso. Vem, a Zefalla sabe fazer uma sopa elétrica que parece que aquece até as memórias.”

Na cozinha, Zefalla costurava algo brilhante, com borboletas de luz dançando ao redor de seus dedos. Lugue pediu a “sopa elétrica” que ela fazia em dias chuvosos. Zefalla brincou: “Você quase virou raio da última vez...” Karuara, curioso, perguntou: “Você sabe fazer sopa elétrica mesmo?” Ela sorriu, encantada. “Sei. E ela é boa pra alma. Só que...” — franziu o cenho, olhando para a despensa — “tô sem folhas de tambry e sementes azuis. Sem isso, a sopa vira só água quente com saudade.” Lugue perguntou onde encontrá-las, e Zefalla explicou que estavam em trilhas mais profundas da mata, mas com a chuva, o lugar podia estar “mais estranho”. Prize, aparecendo na porta, insistiu em ir junto. “Com essas famílias de classe alta rondando, até borboleta vira armadilha,” disse, com expressão séria. Karuara, determinado, decidiu ajudar. “Quero provar essa sopa. E vou ajudar vocês como puder.” Zefalla entregou um saquinho com sementes secas para comparação. “As folhas de tambry são esverdeadas com pontos roxos. Cuidado com as que brilham demais, são venenosas,” avisou.

Na trilha, o mato ainda pingava após a chuva. Prize caminhava à frente, passos silenciosos, mão na empunhadura da espada. Lugue mexia em arbustos reflexivos, e Karuara observava tudo com um misto de medo e admiração. “Você sabia que se colocar folhas de tambry debaixo da língua, sua voz muda por um minuto?” disse Lugue, tentando aliviar a tensão. Karuara riu, mas Prize mandou calarem a boca. “Isso aqui não é passeio,” disse, ríspida. Karuara apontou para folhas com manchas roxas. “É isso aqui, né?” Prize examinou. “Sim. Verifica se não tem brilho. As venenosas tremem sozinhas.” Eles colheram folhas e sementes, enchendo sacolas improvisadas. De repente, Prize parou, tensa. “O vento parou. E não ouço os bichos.” Um silêncio estranho tomou conta. “Alguém tá prendendo a floresta,” murmurou ela.

Uma voz debochada cortou o ar: “Olha só... parece que achamos a nossa caça.” Três garotos da família Galyth surgiram entre as árvores, com roupas escuras e brasões dourados. O líder, de 16 anos, tinha um olhar sádico. “Família Tamendê... fracos. Incompletos,” provocou. Outro, de 15 anos, riu do alto de uma árvore, com olhos brilhando de empolgação caótica. O terceiro, um primo, caminhava com um sorriso torto. Prize sacou a espada, que brilhou com a umidade. Lugue tocou a terra, e espelhos quebrados flutuaram ao seu redor. “Ninguém vai levar nada daqui,” disse Prize, firme. O líder riu. “Vamos ver se vocês conseguem manter a pose... quando a família Galyth começa a caçada.”

O ar ficou sufocante. O líder lançou uma esfera de energia roxa, que explodiu ao tocar a espada de Prize, arremessando-a contra uma árvore, a roupa derretendo em partes e a pele ferida. Lugue gritou, seus espelhos formando uma muralha, mas o garoto da árvore fez dezenas de olhos flutuantes surgirem, emitindo um impacto invisível que o atingiu no peito. Lugue voou pelos arbustos, tossindo sangue. Karuara tentou correr, mas uma força travou seus músculos, e ele caiu de joelhos. O primo Galyth se aproximou, seu corpo brilhando com plasma azulado. “Você é o especialzinho, né? Vamos ver se o plasma Galyth te respeita,” disse, lançando um chicote de energia que desintegrou o chão ao lado de Karuara.

O líder criou uma lâmina de energia dessa vez, e quando a lâmina de energia do líder desceu para tentar cortar Karuara, Nahgar apareceu, puxando Karuara para trás. “Levanta. Bora pra casa,” disse, com voz calma. "Ei! Vocês não vão pra lugar nenhum!" diz líder Galyth, "Me obriga a ficar." respondeu Nahgar se virando, o líder Galyth avançou, lançando esferas explosivas, mas Nahgar emergiu dentre ela ileso, limpando o ombro como se fosse poeira. Suas garras cresceram, reluzindo, e ele sumiu da vista. Num movimento rápido, neutralizou o líder com um golpe preciso com suas garras em seu pescoço. O segundo irmão tentou usar seus olhos flutuantes para vê-lo e atingi-lo com impacto, mas Nahgar aperece em sua frente, "Que olhos legais" diz Nahgar cortando todos inclusive os irmão Galyth rapidamente. O primo, protegido por um campo de plasma, gritou: “Você não devia nem existir assim!” Nahgar o atingiu no centro da defesa, cravando suas garras em seu peito. “Vamos,” disse, iniciando o caminho de volta.

Na casa, Zefalla correu ao vê-los. “Vocês demoraram! O que aconteceu?” Nahgar respondeu, seco: “Nada grave. Conseguimos os ingredientes.” Lugue explicou o ataque, e Zefalla, aliviada, mandou todos tomarem banho. “Tô sentindo cheiro de mato, sangue e tensão daqui,” disse, com faíscas nos dedos. Enquanto Zefalla preparava a sopa, Prize provocou: “Olha essa menina querendo dar uma de autoridade.” Zefalla retrucou com uma faísca, mas Nahgar interveio: “Zefalla, faz a sopa. Prize, cala a boca.” Todos riram, e Karuara começou a se sentir parte daquele caos.

No jantar, a mesa estava cheia de vozes e brincadeiras. Linkhin tentava colocar pimenta na sopa de Sazenac, Vadashe roubava pão com sua invisibilidade, e Chermy enroscava fios nas colheres dos outros. Karuara notou a ausência de Nahgar e perguntou à mãe, que respondeu: “Ele prefere comer sozinho. É algo pessoal.” Intrigado, Karuara foi até o quarto de Nahgar após o jantar. "E aí, novato da família?" diz Nahgar com tom amigável ao percebe-lo, “Por que você fica sozinho?” perguntou Karuara. Nahgar sorriu. “Amanhã o Billeyn vai à cidade comprar sal. Peça pra ir com ele. Se for atento, vai entender o motivo.” Karuara saiu, curioso.

Na manhã seguinte, Karuara correu atrás de Billeyn, tropeçando e caindo sobre ele. “Me leva junto!” pediu. Billeyn suspirou. “Tá. Mas fica perto de mim.” Na cidade, Karuara viu uma estátua imponente na praça central, representando um Homem de postura firme e expressão melancólica. Algo no peito de Karuara apertou. Um garoto ao lado disse: “Esse cara foi uma lenda. O mais poderoso de todos, mesmo sem família.” Karuara perguntou: “Ele morreu?” O garoto assentiu. “É... uma pena. Queria ter sido filho dele.” Karuara imaginou como seria. “Sendo filho dele, você poderia ser o melhor de todos.” murmurou. Billeyn gritou: “Karuara! Fica perto de mim!” Ele correu de volta, o coração disparado.

De volta à casa, Nahgar confrontou Karuara. “Descobriu o motivo?” perguntou ele. Karuara balançou a cabeça. “Me distraí com uma estátua... da cidade.” Nahgar sorriu. “Presta mais atenção da próxima vez. Esse motivo não vai se esconder pra sempre.”

Num subsolo escuro, iluminado por tochas, a família Galyth se reunia. A líder, com olhar cortante, falou: “Três vidas Galyth apagadas. Dois deles... meus filhos. Vamos vasculhar cada buraco desse continente. Quando encontrarmos os culpados, não sobrará pedra sobre pedra.” O símbolo da família, um círculo com três garras, pairava acima, prometendo vingança.

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