Entre Regras E Desejos
Rodrigo
O som do despertador era sempre o mesmo. Seis em ponto. O ruído cortava o silêncio do apartamento como um lembrete impiedoso de que a rotina começava, mais uma vez. Rodrigo levantou-se sem reclamar. Estava acostumado. O corpo já respondia antes mesmo que ele abrisse os olhos por completo.
Chuveiro. Café preto, forte, sem açúcar. Roupas alinhadas, sempre tons escuros, blazer bem cortado sobre a camisa de algodão. Rodrigo era um homem de hábitos — e de princípios. Detetive há mais de uma década, tinha conquistado respeito não apenas pela competência, mas pela integridade.
Era sério. Mas não ríspido. Reservado, sem ser frio. Observador ao ponto de notar pequenos desvios de comportamento antes mesmo que alguém abrisse a boca. Era o tipo de homem que podia entrar em uma sala cheia e, com um único olhar, saber quem estava mentindo, quem tinha algo a esconder — e quem estava apenas tentando sobreviver.
Não sorria com facilidade. Não porque fosse infeliz, mas porque aprendera a conter emoções. A vida o ensinara que os sentimentos, se não forem domados, podem destruir até o mais forte dos homens. E ele já tinha sido destruído uma vez. Por amor. Por confiar demais.
Desde então, Rodrigo preferia o silêncio à companhia, a solitude à bagunça emocional. Tinha um pequeno apartamento no centro da cidade, nada luxuoso, mas impecavelmente organizado. Os livros estavam alinhados por ordem alfabética, as garrafas de uísque intocadas na cristaleira. Não se lembrava da última vez que alguém estivera ali além do amigo de sempre — e ocasionalmente, o cachorro do vizinho, quando este viajava.
— Vai mesmo recusar essa chance? — perguntara Bruno, seu parceiro de investigações e amigo de longas datas. — A nova geração precisa de alguém como você. Alguém que ainda tenha noção de certo e errado.
Rodrigo havia hesitado. Treinar recrutas não estava nos seus planos. Mas algo na ideia de formar novos detetives — moldar alguém para a profissão que ele tanto respeitava — o tocou.
Aceitou. E agora, uma nova turma estava prestes a começar. Ele estaria à frente do programa de formação do departamento. Seria o mentor de jovens mentes cheias de perguntas e pouca paciência. Algo em seu interior o alertava: essa turma mudará sua vida.
Mas ele não sabia como.
Ainda.
Leyla
Leyla acordou antes do sol nascer. Nunca precisou de despertador. O hábito vinha da adolescência, quando estudava e trabalhava para ajudar a mãe. Acordar cedo virou rotina. Lutar para conquistar algo, sua religião.
O pequeno apartamento que dividia com uma das amigas da faculdade era caótico, mas cheio de vida. Livros empilhados, canecas de café em lugares improváveis, quadros tortos nas paredes e post-its coloridos com frases motivacionais espalhados pelo espelho do banheiro.
Ela se olhou no reflexo: cabelo castanho ondulado, olhos intensos, olheiras suaves — presentes de noites estudando mais do que o necessário. Prendeu o cabelo num coque improvisado e sorriu de canto. A vida não tinha sido gentil com ela, mas Leyla aprendera a ser gentil consigo mesma.
Na faculdade de Ciências Criminais, foi a melhor da turma. Sagaz, rápida, perspicaz. Professores a elogiavam por seu raciocínio afiado e sua sensibilidade incomum. Leyla conseguia ler pessoas com facilidade — talvez porque tivesse passado a vida tentando decifrar as intenções por trás dos gestos dos outros.
Já havia sentido fome, medo e abandono. Já tivera portas fechadas por não ter sobrenome influente, por ser mulher, por ser jovem. Mas nenhuma dessas barreiras a deteve. Ela cresceu aprendendo que a verdade é uma arma poderosa — e que a justiça vale a briga.
Conseguiu, entre centenas de candidatos, uma vaga para estagiar no programa de formação dos detetives da cidade. Seria treinada pelos melhores. E mal podia esperar.
No entanto, naquela manhã, enquanto tomava café com as amigas, uma delas insistiu:
— Só hoje, Ley. Por favor! Uma saídinha antes do grande dia. Você precisa respirar. Relaxar. Se divertir um pouco.
— Não posso — respondeu com a voz suave, mas firme. — Amanhã começa o meu futuro.
— Uma cerveja, dois olhares e, quem sabe, um beijo... só pra quebrar a tensão? — disse Bianca, piscando.
Leyla riu, vencida. Talvez uma última noite livre fosse exatamente o que ela precisava. Só uma noite.
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Rodrigo terminou o dia no escritório assinando os relatórios do último caso encerrado. Havia silêncio no ambiente, exceto pelo som da caneta sobre o papel. Bruno entrou, como sempre sem bater.
— Vamos beber algo hoje? — perguntou com aquele tom de voz que misturava cansaço e desejo por distração. — Só nós dois. Como nos velhos tempos.
Rodrigo hesitou. Depois de tanto tempo evitando saídas noturnas, algo dentro dele — talvez uma inquietação que ele não soubesse nomear — o convenceu.
— Uma cerveja — respondeu. — Só uma.
E então, sem que soubessem, os dois caminhos começaram a se aproximar.
A noite que mudaria tudo... estava prestes a começar.
Leyla
O chuveiro quente escorria pelas costas de Leyla como uma promessa de leveza. Ela fechou os olhos por um momento, deixando que a água levasse o peso do dia — e das expectativas de amanhã. A voz de Bianca ainda ecoava na cabeça: “Você merece uma noite pra você.”
E talvez ela realmente merecesse.
Saiu enrolada na toalha, os cabelos pingando sobre os ombros. Caminhou até o quarto, ligou a caixinha de som, e uma batida suave de R&B preencheu o ar. Dançou levemente enquanto escolhia a roupa — algo que não fazia há tempos.
Escolheu uma blusa preta de um ombro só, tecido leve, que deixava a clavícula à mostra. Calça de couro justa, de cintura alta. Cinto com fivela dourada. Nos pés, salto médio — o suficiente para valorizar sua postura sem parecer que queria impressionar alguém. Prendeu o cabelo num rabo de cavalo alto e reforçou o delineado nos olhos, deixando os lábios com um brilho discreto.
Olhou-se no espelho. Era como reencontrar uma versão de si mesma que tinha guardado há muito tempo. Forte. Linda. Viva.
— Agora sim — disse, pegando a bolsa com um sorriso no canto da boca.
Rodrigo
Do outro lado da cidade, Rodrigo passava a lâmina pela mandíbula com movimentos lentos, precisos. O vapor do espelho começava a desaparecer, revelando seus olhos atentos. Ele não era vaidoso, mas cuidava de si com a mesma disciplina com que cuidava do trabalho.
Secou o rosto com a toalha, passou um perfume amadeirado discreto e vestiu uma camisa azul-marinho que realçava seus olhos castanhos claros. Dobrou as mangas até os antebraços, colocou o relógio no pulso esquerdo, jeans escuros e botas de couro. Um visual casual, mas com presença.
Bruno o esperava no carro, impaciente.
— Caramba, você parece indo pra um encontro — provocou, rindo. — Achei que fosse só uma cerveja.
— É só uma cerveja — respondeu Rodrigo, seco, enquanto trancava a porta do apartamento.
Mas algo nele sabia que não seria.
O bar
O “Alameda 88” era conhecido por sua atmosfera intimista. Luzes pendentes de tom âmbar, sofás de couro caramelo, paredes de tijolos aparentes e música ambiente que oscilava entre o soul e o jazz moderno. Era um ponto meio escondido, frequentado por adultos que buscavam mais conversa do que caos.
Leyla entrou acompanhada de duas amigas. Bianca a puxava pela mão, animada, enquanto Laura olhava o cardápio de drinks no celular. Leyla deu uma volta com os olhos pelo salão e soltou um suspiro leve, satisfeita com o clima do lugar.
Sentaram-se em uma mesa próxima ao bar. Pediram um drink colorido com frutas vermelhas, e logo estavam rindo alto de histórias da faculdade e promessas para o futuro.
Leyla jogava a cabeça para trás ao rir, genuína. Seus olhos brilhavam, e ela gesticulava com as mãos, empolgada ao contar como deu um nó no raciocínio de um professor cético durante a apresentação do TCC.
Ela estava linda. Solta. Natural.
Do outro lado do ambiente, Rodrigo e Bruno entraram e ocuparam dois bancos altos no bar. Rodrigo escolheu um canto com vista para o salão. Observava o ambiente em silêncio, bebendo uísque puro com gelo, enquanto Bruno falava sobre o novo caso que pegaram no início da semana e a colega estagiária com quem ele “talvez já estivesse flertando demais”.
— Vai ser um caos essa nova turma — murmurou Rodrigo.
— Vai ser divertido — rebateu Bruno. — Aposto que pelo menos uma das recrutas vai fazer seu gelo derreter. Você anda frio demais.
Rodrigo ignorou o comentário. Estava distraído com uma risada ao fundo. Era diferente. Musical, clara, envolvente.
Seus olhos se voltaram para a origem do som.
E lá estava ela.
De costas, cabelos presos em um rabo de cavalo elegante, blusa preta que deixava o ombro nu. A pele morena suavemente iluminada pelas luzes âmbar do bar. Ela gesticulava ao falar, encantando as duas amigas que riam junto.
Rodrigo observou por um tempo maior do que pretendia.
— Conhece? — perguntou Bruno, percebendo.
— Não — respondeu Rodrigo. — Ainda não.
Ele desviou o olhar, mas algo nele já sabia que aquela mulher, de alguma forma, atravessaria a linha que ele traçou com tanto rigor nos últimos anos.
Leyla, ainda sem notar o olhar que a perseguia à distância, bebia mais um gole do drink. Sentia uma leve tontura boa — não do álcool, mas da liberdade. Pela primeira vez em muito tempo, ela se sentia leve. A noite estava apenas começando, e a sensação de que algo diferente estava prestes a acontecer começava a roçar sua pele como um vento estranho.
No fundo, ela sabia.
Algumas noites mudam tudo.
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Atualizado até capítulo 65
Comments
elenice ferreira
gostando do começo!
2025-07-02
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