O som das botas ecoava pelo piso de cimento encerado do departamento. Rodrigo estava ali havia anos, mas aquela manhã parecia diferente. Não que ele fosse do tipo sonhador — aliás, era justamente o contrário. Mas existia algo nele, naquela segunda-feira ainda fria, que o deixava mais... desperto.
Ele ajeitou o paletó escuro e seguiu em direção à sua sala, atravessando os corredores com passos firmes. Os outros detetives o cumprimentavam com acenos ou leves movimentos de cabeça — ninguém era muito de papo naquele andar. Mas assim que virou a esquina, deu de cara com Bruno, seu parceiro de longa data, escorado na porta da sala de treinamento, com um sorriso zombeteiro no rosto.
— Bom dia, Sr. Frio e Imperturbável. — Bruno estalou a língua. — Nunca achei que veria o dia em que você chegaria sorrindo. Aconteceu o quê? Ganhou na loteria ou finalmente descobriu o prazer da carne?
Rodrigo soltou um suspiro risonho pelo nariz.
— Vai trabalhar, Bruno.
— Eu tô trabalhando. Observando atentamente as mudanças comportamentais dos meus colegas. Você, por exemplo — ele apontou com o queixo — está menos amargo. Teve uma noite boa, não teve?
Rodrigo passou por ele, com um leve balançar de cabeça.
— Talvez eu só tenha dormido bem.
— Claro — Buno revirou os olhos e o seguiu. — Dormido. Com o corpo de alguém por cima, embaixo, de lado, sei lá. Mas dormido.
Rodrigo não respondeu. Mas também não escondeu o discreto sorriso que insistia em subir no canto da boca. A lembrança dos olhos castanhos de Leyla, da forma como ela o provocava, se entregava e ria entre gemidos, era algo que não saía da mente. Não desde o momento em que ele saíra do apartamento dela. E por mais que tentasse se manter no controle — como sempre fazia — havia uma inquietação latente dentro dele. Uma que não sentia há muito, muito tempo.
— Só posso dizer que, seja lá quem for a mulher que tirou esse mau humor eterno de ti, ela merece uma medalha — disse Bruno, entrando na sala com ele. — Mas vamos ao que interessa: os novos recrutas chegaram. E a chefia resolveu que você, o exemplo de conduta e rigidez, vai ser o mentor de uma das melhores recém-formadas do estado.
Rodrigo ergueu a sobrancelha.
— Você está brincando.
— Nunca. A menina foi destaque na academia, tem histórico impecável. Sagaz, rápida, quase tão teimosa quanto você. Dizem que é o tipo que ou vai brilhar muito ou explodir o sistema.
— Ótimo. — Rodrigo caminhou até a mesa e abriu a pasta com os relatórios de novos agentes. — Vamos ver se ela aguenta o ritmo aqui dentro.
— A apresentação é agora — avisou bruno, olhando o relógio. — Sala de instrução.
Rodrigo assentiu e seguiu em direção à sala onde os novos recrutas estavam sendo apresentados. O ambiente era silencioso, os novatos enfileirados com expressão de respeito e nervosismo. Ele passou os olhos por todos, com a postura que lhe era natural — imponente, discreta e rigorosa.
Até que ouviu seu nome sendo citado:
— Detetive Rodrigo Martins será o responsável pelo acompanhamento da agente Leyla Alves, que foi designada para treinar diretamente com ele nos próximos três meses.
Foi como se o mundo parasse por um segundo.
Rodrigo piscou lentamente, como se precisasse confirmar que tinha ouvido certo. Quando seus olhos se voltaram para a fileira de recrutas, finalmente a viu.
Ela. Leyla.
Os cabelos soltos sobre os ombros, a postura firme, mas os olhos castanhos escuros cheios de surpresa — igualzinhos aos que ele lembrava da noite anterior. A mesma boca, agora comprimida num misto de choque e tentativa de manter a compostura.
E foi aí que a ficha caiu com toda a força. A mulher que ele havia desejado, tocado, beijado — com quem vivera uma das noites mais intensas da sua vida — agora era sua aluna. Sua subordinada.
Rodrigo engoliu em seco. Mas manteve o olhar fixo, impassível.
— Leyla Alves, é um prazer — disse, com a voz grave, mas o olhar carregado de tudo que a regra exigia que ele reprimisse.
Ela o encarou de volta. E sorriu, de leve. o prazer é meu, senhor.
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Leyla respirou fundo antes de entrar no prédio principal do Departamento de Investigação Especial. O lugar tinha uma energia própria — algo entre o peso do dever e o movimento inquietante da cidade. O tipo de ambiente onde gente comum não duraria muito.
Mas ela não era comum.
Seu salto médio batia com precisão no chão liso enquanto passava pelos corredores com segurança. Roupas discretas, cabelo alinhado, expressão decidida. O nervosismo, claro, estava ali — pulsando de leve sob a pele — mas ela aprendera a domesticá-lo desde cedo. Sabia onde estava pisando. E sabia o quanto havia lutado para chegar ali.
Na sala de treinamento, alguns outros recrutas já estavam reunidos. Homens e mulheres de diferentes perfis, alguns mais tensos, outros animados demais para seu gosto. Leyla escaneou o grupo com calma e foi se posicionar no fundo da sala, onde tinha visão ampla e não chamava atenção. Pelo menos, era o que pretendia.
— Você que é a Leyla Alves? — perguntou um dos recrutas, um cara alto, bonito até, mas com aquele sorrisinho de quem se acha mais esperto que os outros.
Ela apenas virou o rosto para ele, avaliando.
— Sou.
— Falam muito de você na academia. Dizem que é afiada, rápida... e meio perigosa.
Ela arqueou uma sobrancelha.
— Se você está tentando me impressionar, vai precisar de mais do que frases recicladas e uma pose confiante.
Ele riu, surpreso pela resposta seca, e recuou levemente.
— Direta. Gosto disso.
— Eu gosto de silêncio antes de uma apresentação importante. — Leyla virou o rosto de volta, encerrando o assunto com a elegância cortante que lhe era natural.
O rapaz deu de ombros, constrangido, e se afastou. Ela sentiu alguns olhares cruzarem em sua direção, mas não se abalou. Já estava acostumada com as tentativas de testá-la, e sabia exatamente como se manter de pé. Nada — ninguém — a tiraria do foco.
Pelo menos era o que acreditava... até a porta se abrir.
O som grave da voz ecoou primeiro:
— Bom dia a todos. Sou o detetive Rodrigo Martins. A partir de hoje, alguns de vocês estarão sob minha supervisão direta.
Leyla girou o rosto, sem pressa, e por um instante, o mundo ficou sem som.
Lá estava ele.
O homem da noite anterior. O dono das mãos firmes, da voz baixa e dominadora, dos olhos que pareciam decifrá-la com um simples olhar. O mesmo homem que havia deixado sua cama horas antes. O mesmo que a fizera sentir coisas que ela não sentia há muito tempo.
Ele usava outro semblante agora. Firme, profissional, contido. Mas os olhos... os olhos diziam tudo.
Eles se prenderam nos dela por um segundo a mais do que o permitido. E quando o nome dela foi anunciado — “Leyla Alves, será designada ao detetive Rodrigo Martins durante o período de integração” — o choque foi mútuo.
Ela sentiu o corpo inteiro acender, não só pela surpresa, mas pela ironia do destino. Não era só um flerte casual, não era apenas uma noite. Agora, ele era seu mentor. E ela, sua aluna.
O jogo acabava de mudar.
Leyla sustentou o olhar, firme. E então, sorrindo de leve, como se aceitasse o desafio, respondeu com o olhar que dizia:
"Isso só pode ser um pesadelo"
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Atualizado até capítulo 65
Comments
Cida Pereira
agora quero ver.
2025-07-06
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