Rodrigo
Ele estava acostumado a dominar o ambiente. A ser o mais centrado, o mais racional. O que nunca errava, nunca se envolvia — principalmente com recrutas. Mas ali estava ele, parado diante da sala de treinamento, com o sangue correndo quente sob a pele e o coração dando sinais de vida depois de muito tempo adormecido.
Ela.
Leyla.
A mulher da noite passada. Do olhar atrevido, da boca que ainda parecia arder na lembrança, do corpo que ainda sentia nas mãos.
Agora, de pé entre os demais, com a postura impecável, os olhos atentos e aquele mesmo fogo escondido nas pupilas escuras.
Rodrigo disfarçou o impacto com uma expressão rígida, mas por dentro o caos rugia.
Como pôde? Como não perguntou sua idade, sua profissão, qualquer coisa? Ele sempre pensava em tudo, planejava, evitava riscos. Mas com ela... com ela, simplesmente se perdeu. E agora ela era uma recruta. Sua recruta.
Leyla
Ela quase esqueceu como respirar.
Era como se o chão tivesse sumido por baixo dos seus pés. Rodrigo. O homem que a dominou com o olhar, a voz e as mãos horas antes. Que arrancou dela gemidos, promessas, suspiros. Que a despiu de toda armadura.
Agora estava ali, à frente da sala, em postura rígida, voz firme, autoridade impecável. Seu instrutor. Seu chefe.
Leyla se manteve séria, olhos fixos à frente. Não podia se dar ao luxo de demonstrar fraqueza. Já era difícil o suficiente estar ali como a única mulher entre tantos homens. E agora... com aquela tensão insuportável entre eles... precisava manter o foco. Sua carreira dependia disso.
Rodrigo engoliu em seco e andou até a lousa digital.
— Vamos começar com um exercício prático. Um teste de raciocínio, lógica e leitura de cena. Algo para tirar vocês do lugar-comum. Quero ver o que se passa nessas mentes novas.
Ele projetou uma imagem na tela. Era a foto de um pequeno quarto desarrumado. Um corpo masculino no chão, sem sinais evidentes de ferimento. Uma mesa com um copo quebrado, uma cadeira virada, e uma janela entreaberta.
— Eis o cenário: homem encontrado morto em seu quarto, porta trancada por dentro. Nenhum sinal de invasão. A polícia foi chamada pela irmã da vítima, que mora a três quarteirões dali. Quero que observem todos os elementos e me digam: o que aconteceu aqui?
Leyla analisava com atenção. Ela percebeu os detalhes logo de cara: o gelo derretido em volta do copo, a marca tênue de um remédio na beirada da pia, a ausência de um telefone celular. Ela já tinha a resposta. Mas ficou quieta.
Precisava manter o perfil baixo.
Um dos recrutas levantou a mão.
— Suicídio? Ele se jogou da janela?
Rodrigo negou com a cabeça.
— A janela está aberta, mas o corpo está no centro do quarto. Próximo à mesa.
Outro tentou:
— Talvez foi envenenado pela bebida?
— Sem toxina detectada no sangue. — disse Rodrigo. — Continuem.
Leyla fechou os olhos. A resposta era tão óbvia... Mas a tensão que já pesava sobre ela desde o momento em que Rodrigo entrou pela porta a paralisava. Até que ele falou, com um tom de desafio discreto:
— Não se preocupem em acertar. A intenção é mostrar que desvendar um crime exige mais do que achismos. Exige olhar. Atenção. Cuidado. E, honestamente, não espero que acertem logo de cara.
E foi isso.
A provocação velada. O tom de subestimação — não dele, mas do exercício. Leyla respirou fundo. Aquilo era o que ela fazia de melhor. Pensar. Ligar pontos.
Levantou a mão.
Rodrigo a viu e sentiu algo estranho girar no estômago.
— Leyla.
Ela se levantou.
— Ele foi assassinado com uma substância que evapora rapidamente. Cloroformio. Provavelmente colocado em uma toalha sobre o copo, que depois foi jogado fora pela janela. O assassino trancou a porta por dentro usando uma linha de nylon, puxando do lado de fora, e amarrou na maçaneta. Depois escapou pela janela, que deixou entreaberta pra justificar a ventilação. O copo quebrado foi distração, e a irmã... provavelmente cúmplice. O celular foi retirado para evitar rastros.
Silêncio.
Rodrigo a encarou por um longo momento. Os outros recrutas estavam boquiabertos.
— Impressionante. — ele disse, seco, mas genuinamente surpreso. — Muito bem pensado. Pode se sentar.
Após alguns segundos, ele voltou à frente.
— Todos dispensados por hoje. Leyla, por favor, fique.
Ninguém estranhou. Afinal, ela havia acertado com uma precisão absurda. Os outros saíram aos poucos, comentando entre si.
Leyla permaneceu de pé, sem saber se respirava ou explodia por dentro.
Rodrigo fechou a porta. Eles estavam sozinhos.
O silêncio entre os dois se estendeu como um fio esticado demais.
— Eu... não sabia. — ele começou, caminhando devagar até a janela. — Não imaginei que você era uma recruta. Muito menos minha designada.
— Nem eu sabia quem você era. — ela respondeu, com a voz baixa, mas firme.
— Isso... complica tudo. — ele passou a mão pela nuca. — Nunca me envolvi com uma colega de trabalho, muito menos uma aluna. Nunca.
Ela cruzou os braços, contendo a inquietação.
— Eu também nunca me envolvi com chefe algum. Muito menos na noite anterior à minha primeira designação.
Eles riram. Um riso seco, nervoso, carregado de ironia.
— O que aconteceu ontem... — ele começou.
— Foi real. — ela completou.
Rodrigo encarou ela por um segundo, e o desejo bateu forte de novo, junto com a frustração.
— Preciso manter isso profissional, Leyla. Isso aqui é importante. Pra mim. E pra você também.
— Eu sei. E não quero jogar fora tudo o que conquistei.
— Então é isso? — ele perguntou, com a voz mais rouca do que pretendia. — Fingimos que não aconteceu?
Ela hesitou. Depois, disse:
— Fingimos
O olhar entre eles foi intenso. Cheio de promessas caladas.
Rodrigo desviou antes que fosse tarde demais.
— Vá pra casa. Descanse. Amanhã começamos cedo.
Ela assentiu e saiu, deixando o ar rarefeito para trás.
Sozinhos, ambos sabiam: aquilo estava longe de acabar.
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Atualizado até capítulo 65
Comments
Cida Pereira
acho que ele não vai aguentar, ele vai atrás dela.
2025-07-06
0
elenice ferreira
Até qdo vão suportar essa tensão?
2025-07-02
0
Rosane Maximo
show
2025-07-04
0