O Retorno da Herdeira
O som abafado de uma banda local ecoava pelas paredes desgastadas do bar, misturando-se ao cheiro de cerveja barata, cigarro e fritura. A madeira antiga rangia sob os pés de quem circulava pelo salão, e as luzes amareladas mal disfarçavam o ar de decadência aconchegante do lugar.
Ashiley Monteiro, ou melhor, apenas Ashiley, como fazia questão de ser chamada ali, cruzou a porta com passos decididos, ignorando os olhares habituais. Alguns rostos conhecidos acenaram de longe, mas ela não retribuiu.
Aquela noite, diferente de tantas outras, ela não estava com humor para sorrisos de fachada.
Suas botas gastas pisaram firme no chão enquanto ela se dirigia ao balcão. Pediu um whisky barato, daqueles que queimavam a garganta, e girou o copo entre os dedos, esperando que a bebida fosse suficiente para anestesiar o incômodo que insistia em crescer dentro do peito.
Do outro lado do salão, uma risada chamou sua atenção. Não era qualquer risada.
Era a dele.
Pietro Santoro.
O homem que ela havia amado em silêncio, com uma paciência quase masoquista, durante os últimos três anos. O mesmo homem que nunca conseguiu – ou talvez nunca quis – amá-la de volta.
Ele estava ali, como sempre, cercado de amigos… mas, naquela noite, havia uma presença diferente ao lado dele. Uma figura feminina que Ashiley reconheceria em qualquer lugar.
Laura.
A ex-namorada oficial. A grande história mal resolvida. A mulher que, por mais que o tempo passasse, sempre pairava como uma sombra entre eles.
Laura estava deslumbrante. Vestido justo, cabelos perfeitamente ondulados, sorriso fácil… e a mão apoiada no ombro de Pietro com uma intimidade que cortou Ashiley como navalha.
Por um instante, Ashiley congelou. O coração ameaçou disparar, mas ela o conteve com uma respiração longa e profunda. Não era mais a garota que chorava escondida no travesseiro, esperando por migalhas de atenção. Não… aquilo havia acabado.
Ela virou o copo de uma só vez, sentindo a queimadura do álcool rasgar a garganta, e seguiu até o grupo com um sorriso controlado.
— Que cena bonita… — comentou com ironia, parando ao lado deles.
Pietro levantou os olhos imediatamente, a expressão de susto não passou despercebida.
— Ashiley! — Ele se ajeitou na cadeira, claramente desconcertado. — Não sabia que você vinha hoje.
Ela inclinou a cabeça, observando Laura que, ao contrário dele, parecia perfeitamente confortável com a situação.
— Pois é… surpresa — disse Ashiley, com um tom de tédio proposital. — Achei que você estivesse… ocupado demais ultimamente.
Ele abriu a boca para falar, mas Laura se antecipou:
— Pietro estava me contando sobre os planos para a nova filial. — A voz dela tinha aquele tom doce, carregado de veneno disfarçado. — Estamos trabalhando juntos de novo.
Trabalhando juntos.
Ashiley quase riu com a audácia da desculpa. Mas em vez disso, apenas arqueou uma sobrancelha.
— Que ótimo. Trabalho é sempre… produtivo, não é?
Pietro riu nervoso.
— Não é o que você tá pensando, Ash. Eu e a Laura somos só… amigos.
“Amigos”, ela repetiu mentalmente, sentindo o gosto amargo daquela palavra. Quantas vezes ela já não tinha escutado isso? Quantas vezes tinha aceitado desculpas esfarrapadas, fingindo acreditar para não perder o pouco que tinha dele?
Mas não mais.
— Claro… amigos. — Seu sorriso foi cortante, afiado o suficiente para deixá-lo desconfortável.
O silêncio que se formou foi pesado. Bruno, o amigo de sempre, tentou quebrar o clima:
— Gente, que clima tenso! Vamos pedir mais uma rodada? Tá tudo certo aqui.
Ashiley segurou a bolsa com firmeza, já decidida.
— Na verdade, eu só passei pra pegar uma bebida rápida. Tenho um compromisso depois.
Mentira.
Não tinha compromisso nenhum. Mas ela preferia encarar a própria solidão do que suportar mais um segundo naquela cena patética.
Pietro deu um passo em direção a ela, como se fosse impedi-la de ir.
— Ash… espera.
Ela parou, apenas por um segundo, o suficiente para olhar nos olhos dele. Não havia mais súplica no olhar dela, nem dor exposta… só um vazio frio, construído com meses de decepções acumuladas.
— Não, Pietro. Não espera mais nada de mim.
Virou as costas e saiu.
O ar frio da noite bateu no rosto dela como um choque. Enquanto caminhava de volta pra casa, o coração batia forte, mas não de saudade. Não mais. Era uma mistura de alívio e tristeza… como a última etapa de um luto mal processado.
No caminho, ela passou pela praça central. As luzes dos postes refletiam nas poças d'água deixadas pela garoa da tarde. Ela se sentou num dos bancos de madeira, enfiando as mãos nos bolsos da jaqueta.
Depois de longos minutos encarando o nada, pegou o celular.
O contato que ela evitava olhar estava lá, intacto… como se aqueles três anos de fuga fossem apenas um detalhe pequeno e ridículo na história de sua vida.
“Pai”.
Ela hesitou. O dedo pairando sobre a tela. Uma luta interna gritando dentro dela.
Parte dela queria resistir. Queria continuar lutando por uma liberdade que nunca foi de verdade. Mas… havia um limite até para os corações mais teimosos.
Ela respirou fundo… e discou.
Do outro lado da linha, a voz dele atendeu quase de imediato, carregada de surpresa e desconfiança:
— Ashiley?
Ela fechou os olhos por um segundo, como se precisasse reunir forças para pronunciar as próximas palavras.
— Eu aceito. — Disse com a voz firme.
— Aceita o quê?
Ela engoliu em seco.
— O casamento com Gustavo. Pode marcar a reunião com a família Martins.
O silêncio que veio a seguir foi pesado.
Antes que o pai dissesse qualquer palavra de alívio, comemoração ou, pior, de orgulho… Ashiley encerrou a chamada.
Ficou ali, sentada, com o telefone nas mãos, olhando para o céu nublado acima dela.
Sozinha. Livre, mas ao mesmo tempo… presa de novo.
Mas agora, era ela quem estava escolhendo a prisão.
E dessa vez… não era por ninguém além dela mesma.
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Atualizado até capítulo 38
Comments
Rosângela Santos
Lendo agora 17/06/25
2025-06-18
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Dulce Gama
gente eu Tava lendo essa história já estava no capítulo três aí eu fui confirmar o comentário a história sumiu ainda bem que sabia o nome do livro eu tava realmente perdida que não está entendendo simplesmente sumiu KKK mas quando voltou a história tomou outro ritmo KKK está ótima ♥️♥️♥️♥️♥️🎁🎁🎁🎁🎁🌹🌹🌹🌹🌹👍👍👍👍👍
2025-06-16
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