Capítulo 4 – Entre Taças e Promessas

O salão de jantar nunca pareceu tão sufocante. A mesa longa, impecavelmente posta, exibia orquídeas brancas em linhas precisas; velas altas projetavam sombras delicadas nas paredes de mármore. Um garçom circulava em silêncio, servindo vinho tinto importado. Todos já estavam em seus lugares quando Ashiley ocupou a ponta esquerda. À direita, Gustavo Martins — impecável no terno azul-marinho, gravata de seda, cabelo milimetrado. Havia algo diferente nele: o olhar mais atento. Presente.

Durante o jantar, Gustavo percebeu tudo. Quando o guardanapo escapou dos dedos dela, ele o reposicionou com a naturalidade de quem evita cena. Quando uma pergunta tardou a encontrar resposta, sua voz polida preencheu o intervalo com precisão. Ashiley tentou ignorar; não era fácil.

— O jantar está do seu gosto? — a voz dele veio baixa, só para ela.

— Está ótimo, obrigada. — Educada, reta.

Ele levou a taça aos lábios; os olhos, porém, permaneceram nela um segundo além do necessário. No outro extremo, Lígia e Henrique Monteiro alinhavam com os Martins a data do anúncio oficial. Tudo soava encenação — menos a presença incômoda de Gustavo, que parecia experimentar outra frequência.

— Sua mãe de criação está perguntando sobre as flores do coquetel — chamou Lígia, trazida pela etiqueta.

— Mantenham as orquídeas. Discretas e elegantes. — Ashiley respondeu, retomando o eixo.

— Assim como você. — murmurou Gustavo, num sorriso de canto que a fez franzir o cenho.

Ashiley mordeu o interior da bochecha. No momento da sobremesa, Henrique ergueu a taça.

— Um brinde. — Pausa técnica para silenciar talheres. — Hoje celebramos a união de duas famílias tradicionais e a escolha da minha filha por um homem digno, de caráter e de futuro promissor.

A palavra escolha bateu como aviso. Ashiley sustentou o sorriso protocolar. Gustavo levantou sua taça, e antes que o coro se formasse, falou:

— Não apenas a escolha dela. — O olhar firme pousou em Ashiley. — A minha também. Escolho, todos os dias, respeitar o que ela sente e o tempo que precisa.

O silêncio breve fez as velas estalarem. Os pais de Gustavo sorriram discretos, lendo romance onde havia recado. Ashiley, porém, entendeu a camada certa: não pressão. Um pacto mínimo. Brindou. Bebeu o vinho de um gole só.

Quando os pratos vazios já não tinham assunto, convidados começaram a dispersar. No jardim, lanternas projetavam meia-luz sobre os canteiros perfumados. Gustavo se aproximou, longe dos olhos.

— Você está levando isso melhor do que eu esperava — admitiu.

— Não tenho escolha, tenho? — cruzou os braços, exausta de jogos.

— Tem. Sempre teve. — Ele inclinou a cabeça, avaliando-a como peça rara, sem possessão no gesto.

— Quer um agradecimento? — seca.

Gustavo deu meio passo e conteve o resto, sem invadir o espaço dela.

— Quero que saiba que não sou mais o garoto que você deixou pra trás. — Baixo, firme. — Não estou aqui por obrigação nem tradição. Estou aqui por escolha.

— Isso muda alguma coisa?

O sorriso dele foi pequeno, quase melancólico.

— Ainda não. Um dia… pode mudar.

Virou-se com a calma de quem calcula o tempo. Ashiley ficou, o coração dividido entre cansaço e uma inquietação nova, insistente. Detestava o pouco que ele conseguia mover com tão poucas palavras. Sempre tão comedido, tão no controle — agora soltando amarras em pontos cirúrgicos.

Ao voltar para o corredor, Lígia surgiu. A mão dela pousou no braço da filha, delicada e firme.

— Sorria mais. Estão comentando que você parece infeliz.

— Talvez porque eu esteja. — em tom baixo.

A sobrancelha de Lígia arqueou; o aperto no braço aumentou.

— Não é sobre felicidade. Nunca foi. É sobre status, alianças e legado. — Sussurrou entre dentes.

Ashiley se soltou, respirando para não gritar.

— Eu sei exatamente o papel que esperam de mim. — E vestiu a máscara de volta antes de atravessar a porta do salão.

O resto da noite correu em borrões: conversas rasas, sorrisos calibrados, cliques discretos — fotógrafos da assessoria, não imprensa — registrando brinde, toque de taças, alinhamento de perfis. Gustavo manteve-se por perto. O toque dele era educado, porém a frequência mudou: a mão que tocava suas costas tinha peso de âncora, não de guia; o timing das intervenções, uma rede invisível.

Na despedida, ele aproximou-se outra vez.

— Amanhã, quero te mostrar nosso espaço na fazenda. — Abotoou o paletó, casual. — A antiga casa de campo dos Martins. Escolhemos ali… ou em outro lugar, se preferir.

— Nosso espaço? — Ela testou a palavra na boca.

— Só uma proposta. Você decide.

A resposta “não” formou-se e sumiu por fadiga.

— Tudo bem.

Gustavo inclinou-se. Em vez de buscar a boca, pousou os lábios na testa dela. Um toque leve, respeitoso — e cheio de sentido. Quando Ashiley abriu os olhos, ele já andava na direção do carro.

No quarto, sozinha, Ashiley encarou o celular. Sem mensagens. Sem ligações. Nem de Pietro. Não que esperasse. Não mais. Ainda assim, doeu. Lembrou-se da joalheria: “amigos”, o riso de Laura, o cuidado do braço alheio no lugar de promessas. Largou o telefone. Não importava — repetiu. Se Gustavo queria noivado, daria noivado. Se a família queria espetáculo, seria atriz principal.

Apagou as luzes. Deitou de lado. Uma pergunta única reverberou no escuro: por quanto tempo sustentaria a farsa antes de desabar?

Do outro lado da cidade, Pietro estava na sacada. O número dela discado. O dedo, suspenso. Ao fundo, Laura acabou de abrir um vinho, sorriso sereno de quem tem todas as respostas.

— Ela já fez isso antes, Pietro. — A voz veio macia, quase um carinho. — Não vale perder o sono por quem sempre quis fugir de você.

Ele fechou os olhos, respirando fundo, tentando acreditar. Algo miúdo porém teimoso dizia que, desta vez, era diferente. E mais grave.

Na mansão, a madrugada avançou silenciosa. Ashiley levantou-se para beber água. Na bancada, um porta-retratos novo reunia as duas famílias em eventos de anos anteriores. Observou os sorrisos que a antecediam. Nomes tinham peso ali. Decisões, mais ainda. Pensou na casa de campo — janelas altas, chão de madeira, um lugar onde talvez pudesse negociar milímetros de ar.

De volta à cama, escreveu uma frase no bloco do celular: Fronteiras claras. Sem humilhações. Sem imprensa. Guardou o aparelho. Não havia euforia; havia foco. E a mesma calma tática que vinha desde o primeiro “basta”.

O sono chegou pouco antes do amanhecer. Do lado de fora, as rosas soltavam perfume. Do lado de dentro, a pergunta ficou, dobrada como um vestido sobre a cadeira: quanto tempo até a verdade cobrar presença?

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Comments

Hanah Oliveira

Hanah Oliveira

Pietro...Pietro...vc dançou!
Fique com a Laura agora!
Haha
Acredito que a Ashiley amará o Gustavo.

2025-08-17

1

Fatima Sitta Vergueiro

Fatima Sitta Vergueiro

não estou entendo.muito essa história pq ela esta tendo se casar com Gustavo?

2025-08-28

0

Maria Maura

Maria Maura

onde vcs leram isso tudo ??? Nem sabia que o babaca escolheu a bonita kk

2025-08-22

0

Ver todos
Capítulos
1 Capítulo 1 – A Mentira Que Matou o Que Restava
2 Capítulo 2 – O Anel e o Acaso Cruel
3 Capítulo 3 – O Reencontro e o Vazio Deixado Para Trás
4 Capítulo 4 – Entre Taças e Promessas
5 Capítulo 5 – A Fazenda, o Ciúme e o Silêncio
6 Capítulo 6: Anel e ruído
7 Capítulo 7: Agenda e ensaio
8 Capítulo 8: Atelier e cerco
9 Capítulo 9: Imagem e cláusulas
10 Capítulo 10: Jantar e diplomacia
11 Capítulo 11: Pós‑jantar e ensaio de silêncio
12 Capítulo 12: Preparativos e quase‑vazamento
13 Capítulo 13: A cerimônia e o compasso
14 Capítulo 14: Rescaldo e portaria
15 Capítulo 15: Convivência e interferências
16 Capítulo 16: Museu e órbitas
17 Capítulo 17: Quarta‑feira livre
18 CCapítulo 18: Cláusula 14.2
19 Capítulo 19: Sobrenome e bolsas
20 Capítulo 20: Carta e efeito cascata
21 Capítulo 21: Cláusula antiga, regra nova
22 Capítulo 22: Lisboa
23 Capítulo 23: Retorno, rumor e proximidade
24 Capítulo 24: Manhã dentro do quadro
25 Capítulo 25: Noite de vozes
26 Capítulo 26: Segunda-feira com ruído
27 Capítulo 27: Visita no saguão
28 Capítulo 28: O Conselho
29 Capítulo 29: Sombras e confissões
30 Capítulo 30: Pressão e rendição
31 Capítulo 31: O retorno da sombra
32 Capítulo 32: Consequências e entrega
33 Capítulo 33: Coluna e mãe
34 Capítulo 34: Luz de casa
35 Capítulo 35: Lista do sim
36 Capítulo 36: Véspera
37 Capítulo 37 – Reuniões, Ameaças Veladas e Territórios Marcados
38 Capítulo 38: Ressaca boa
39 Capítulo 39: Rotina de nós
40 Capítulo 40: Capela e luz
41 Capítulo 41: Primeira semana
42 Capítulo 42: Conselho e respiro
43 Capítulo 43: Cinco minutos de ar
44 Capítulo 44: Casa aberta
45 Capítulo 45 – O CEO e Sua Declaração Pública
46 Capítulo 46 – A Noite da Promessa
47 Capítulo 47 – Um Novo Começo
48 Capítulo 48 – O Dia em Que o Mundo Pareceu Parar
49 Capítulo 49 – Propostas, Orgulho e Velhas Feridas
50 Capítulo 50 – Confiança, Decisões e Primeiros Passos no Poder
51 Capítulo 51 – O Jogo Começou
52 Capítulo 52 – Um Reverso de Papéis
53 Capítulo 53 – Entre Mimos, Limites e Novas Realidades
54 Capítulo 54 – Batidas de um Novo Começo
55 Capítulo 55 – Sintomas, Surpresas e Primeiras Mudanças
56 Capítulo 56 – A Escolha de Ashiley: Primeiro Passo no Mundo Corporativo
57 Capítulo 57 – A Última Tentativa de Pietro
58 Capítulo 58 – A Revelação: O Sexo do Bebê
59 Capítulo 59 – Preparativos Finais e Reencontro Familiar
60 Capítulo 60 – O Epílogo: O Primeiro Choro
61 Capítulo Extra – Três Anos Depois
Capítulos

Atualizado até capítulo 61

1
Capítulo 1 – A Mentira Que Matou o Que Restava
2
Capítulo 2 – O Anel e o Acaso Cruel
3
Capítulo 3 – O Reencontro e o Vazio Deixado Para Trás
4
Capítulo 4 – Entre Taças e Promessas
5
Capítulo 5 – A Fazenda, o Ciúme e o Silêncio
6
Capítulo 6: Anel e ruído
7
Capítulo 7: Agenda e ensaio
8
Capítulo 8: Atelier e cerco
9
Capítulo 9: Imagem e cláusulas
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Capítulo 10: Jantar e diplomacia
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Capítulo 11: Pós‑jantar e ensaio de silêncio
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Capítulo 12: Preparativos e quase‑vazamento
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Capítulo 14: Rescaldo e portaria
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Capítulo 15: Convivência e interferências
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Capítulo 16: Museu e órbitas
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Capítulo 17: Quarta‑feira livre
18
CCapítulo 18: Cláusula 14.2
19
Capítulo 19: Sobrenome e bolsas
20
Capítulo 20: Carta e efeito cascata
21
Capítulo 21: Cláusula antiga, regra nova
22
Capítulo 22: Lisboa
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Capítulo 23: Retorno, rumor e proximidade
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Capítulo 24: Manhã dentro do quadro
25
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Capítulo 26: Segunda-feira com ruído
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Capítulo 27: Visita no saguão
28
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32
Capítulo 32: Consequências e entrega
33
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Capítulo 36: Véspera
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Capítulo 38: Ressaca boa
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Capítulo 39: Rotina de nós
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Capítulo 56 – A Escolha de Ashiley: Primeiro Passo no Mundo Corporativo
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Capítulo 58 – A Revelação: O Sexo do Bebê
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Capítulo 60 – O Epílogo: O Primeiro Choro
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Capítulo Extra – Três Anos Depois

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