O salão de jantar nunca pareceu tão sufocante. A mesa longa, impecavelmente posta, exibia orquídeas brancas em linhas precisas; velas altas projetavam sombras delicadas nas paredes de mármore. Um garçom circulava em silêncio, servindo vinho tinto importado. Todos já estavam em seus lugares quando Ashiley ocupou a ponta esquerda. À direita, Gustavo Martins — impecável no terno azul-marinho, gravata de seda, cabelo milimetrado. Havia algo diferente nele: o olhar mais atento. Presente.
Durante o jantar, Gustavo percebeu tudo. Quando o guardanapo escapou dos dedos dela, ele o reposicionou com a naturalidade de quem evita cena. Quando uma pergunta tardou a encontrar resposta, sua voz polida preencheu o intervalo com precisão. Ashiley tentou ignorar; não era fácil.
— O jantar está do seu gosto? — a voz dele veio baixa, só para ela.
— Está ótimo, obrigada. — Educada, reta.
Ele levou a taça aos lábios; os olhos, porém, permaneceram nela um segundo além do necessário. No outro extremo, Lígia e Henrique Monteiro alinhavam com os Martins a data do anúncio oficial. Tudo soava encenação — menos a presença incômoda de Gustavo, que parecia experimentar outra frequência.
— Sua mãe de criação está perguntando sobre as flores do coquetel — chamou Lígia, trazida pela etiqueta.
— Mantenham as orquídeas. Discretas e elegantes. — Ashiley respondeu, retomando o eixo.
— Assim como você. — murmurou Gustavo, num sorriso de canto que a fez franzir o cenho.
Ashiley mordeu o interior da bochecha. No momento da sobremesa, Henrique ergueu a taça.
— Um brinde. — Pausa técnica para silenciar talheres. — Hoje celebramos a união de duas famílias tradicionais e a escolha da minha filha por um homem digno, de caráter e de futuro promissor.
A palavra escolha bateu como aviso. Ashiley sustentou o sorriso protocolar. Gustavo levantou sua taça, e antes que o coro se formasse, falou:
— Não apenas a escolha dela. — O olhar firme pousou em Ashiley. — A minha também. Escolho, todos os dias, respeitar o que ela sente e o tempo que precisa.
O silêncio breve fez as velas estalarem. Os pais de Gustavo sorriram discretos, lendo romance onde havia recado. Ashiley, porém, entendeu a camada certa: não pressão. Um pacto mínimo. Brindou. Bebeu o vinho de um gole só.
Quando os pratos vazios já não tinham assunto, convidados começaram a dispersar. No jardim, lanternas projetavam meia-luz sobre os canteiros perfumados. Gustavo se aproximou, longe dos olhos.
— Você está levando isso melhor do que eu esperava — admitiu.
— Não tenho escolha, tenho? — cruzou os braços, exausta de jogos.
— Tem. Sempre teve. — Ele inclinou a cabeça, avaliando-a como peça rara, sem possessão no gesto.
— Quer um agradecimento? — seca.
Gustavo deu meio passo e conteve o resto, sem invadir o espaço dela.
— Quero que saiba que não sou mais o garoto que você deixou pra trás. — Baixo, firme. — Não estou aqui por obrigação nem tradição. Estou aqui por escolha.
— Isso muda alguma coisa?
O sorriso dele foi pequeno, quase melancólico.
— Ainda não. Um dia… pode mudar.
Virou-se com a calma de quem calcula o tempo. Ashiley ficou, o coração dividido entre cansaço e uma inquietação nova, insistente. Detestava o pouco que ele conseguia mover com tão poucas palavras. Sempre tão comedido, tão no controle — agora soltando amarras em pontos cirúrgicos.
Ao voltar para o corredor, Lígia surgiu. A mão dela pousou no braço da filha, delicada e firme.
— Sorria mais. Estão comentando que você parece infeliz.
— Talvez porque eu esteja. — em tom baixo.
A sobrancelha de Lígia arqueou; o aperto no braço aumentou.
— Não é sobre felicidade. Nunca foi. É sobre status, alianças e legado. — Sussurrou entre dentes.
Ashiley se soltou, respirando para não gritar.
— Eu sei exatamente o papel que esperam de mim. — E vestiu a máscara de volta antes de atravessar a porta do salão.
O resto da noite correu em borrões: conversas rasas, sorrisos calibrados, cliques discretos — fotógrafos da assessoria, não imprensa — registrando brinde, toque de taças, alinhamento de perfis. Gustavo manteve-se por perto. O toque dele era educado, porém a frequência mudou: a mão que tocava suas costas tinha peso de âncora, não de guia; o timing das intervenções, uma rede invisível.
Na despedida, ele aproximou-se outra vez.
— Amanhã, quero te mostrar nosso espaço na fazenda. — Abotoou o paletó, casual. — A antiga casa de campo dos Martins. Escolhemos ali… ou em outro lugar, se preferir.
— Nosso espaço? — Ela testou a palavra na boca.
— Só uma proposta. Você decide.
A resposta “não” formou-se e sumiu por fadiga.
— Tudo bem.
Gustavo inclinou-se. Em vez de buscar a boca, pousou os lábios na testa dela. Um toque leve, respeitoso — e cheio de sentido. Quando Ashiley abriu os olhos, ele já andava na direção do carro.
No quarto, sozinha, Ashiley encarou o celular. Sem mensagens. Sem ligações. Nem de Pietro. Não que esperasse. Não mais. Ainda assim, doeu. Lembrou-se da joalheria: “amigos”, o riso de Laura, o cuidado do braço alheio no lugar de promessas. Largou o telefone. Não importava — repetiu. Se Gustavo queria noivado, daria noivado. Se a família queria espetáculo, seria atriz principal.
Apagou as luzes. Deitou de lado. Uma pergunta única reverberou no escuro: por quanto tempo sustentaria a farsa antes de desabar?
Do outro lado da cidade, Pietro estava na sacada. O número dela discado. O dedo, suspenso. Ao fundo, Laura acabou de abrir um vinho, sorriso sereno de quem tem todas as respostas.
— Ela já fez isso antes, Pietro. — A voz veio macia, quase um carinho. — Não vale perder o sono por quem sempre quis fugir de você.
Ele fechou os olhos, respirando fundo, tentando acreditar. Algo miúdo porém teimoso dizia que, desta vez, era diferente. E mais grave.
Na mansão, a madrugada avançou silenciosa. Ashiley levantou-se para beber água. Na bancada, um porta-retratos novo reunia as duas famílias em eventos de anos anteriores. Observou os sorrisos que a antecediam. Nomes tinham peso ali. Decisões, mais ainda. Pensou na casa de campo — janelas altas, chão de madeira, um lugar onde talvez pudesse negociar milímetros de ar.
De volta à cama, escreveu uma frase no bloco do celular: Fronteiras claras. Sem humilhações. Sem imprensa. Guardou o aparelho. Não havia euforia; havia foco. E a mesma calma tática que vinha desde o primeiro “basta”.
O sono chegou pouco antes do amanhecer. Do lado de fora, as rosas soltavam perfume. Do lado de dentro, a pergunta ficou, dobrada como um vestido sobre a cadeira: quanto tempo até a verdade cobrar presença?
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Atualizado até capítulo 61
Comments
Hanah Oliveira
Pietro...Pietro...vc dançou!
Fique com a Laura agora!
Haha
Acredito que a Ashiley amará o Gustavo.
2025-08-17
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Fatima Sitta Vergueiro
não estou entendo.muito essa história pq ela esta tendo se casar com Gustavo?
2025-08-28
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Maria Maura
onde vcs leram isso tudo ??? Nem sabia que o babaca escolheu a bonita kk
2025-08-22
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