Capítulo 3 – O Reencontro e o Vazio Deixado Para Trás

A capital a recebeu com o mesmo ar de superioridade de sempre. Prédios espelhados, seguranças nas portas giratórias, carros de luxo riscando avenidas largas. Os olhares curiosos reconheciam o sobrenome Monteiro como se fosse uma logomarca — e cada olhar lhe lembrava por que partira.

Do banco traseiro, Ashiley observava a paisagem com uma mistura de nostalgia e náusea. Não era saudade; era o peso de retornar ao lugar que jurara não chamar mais de lar. Quando os portões da mansão Monteiro se abriram, o estômago revirou. A fachada permanecia imutável: colunas brancas, jardins matematicamente simétricos, o cheiro de rosas frescas invadindo o hall como assinatura olfativa de bem-vindos-vigiados.

A mãe apareceu primeiro na porta, o sorriso ensaiado como discurso de evento beneficente.

— Minha filha… finalmente em casa. — Dona Lígia a abraçou com mais protocolo que calor. — Você nos deu trabalho com esse sumiço, sabia?

O pai veio logo depois, a mão estendida num aperto que soava a acordo.

— Espero que, desta vez, tenha voltado para ficar.

Ashiley assentiu. Não valia a pena discutir o verbo ficar com quem sempre confundiu presença com desempenho. Um empregado discretamente recolheu a mala nova — a que ela comprara para vestir o papel de noiva Martins — e desapareceu corredor adentro, como se nada naquele lugar pudesse ser pesado por mais de um segundo.

Gustavo surgiu, impecável no terno azul-marinho. O sorriso controlado, eficiente — cada palavra calculada antes de nascer.

— Bem-vinda de volta, Ashiley. — O abraço dele teve a exata medida do cavalheirismo: correto, frio, pontual.

— Obrigada… noivo. — A ironia veio sutil e pousou entre eles como uma nota fora do arranjo. Gustavo a ignorou com a destreza de quem também sabe tocar o instrumento.

Seguiram para a sala principal. Prata polida, flores claras, uma mesa posta sem ocasião — naquela casa, sempre havia ocasião. Um funcionário ofereceu água, café, suco, chá. Ashiley pediu água. A mãe preferiu conduzir a conversa como quem apresenta patrocínio.

— Amanhã teremos um almoço íntimo. Apenas família… e os Martins, claro.

“Íntimo”, pensou Ashiley, encarando os arranjos — nada ali era íntimo. Gustavo apoiou um braço no encosto do sofá, postura de reunião.

— A Monteverdi confirmou o anel. — Ele falou de modo objetivo, sem buscar aprovação. — E o jurídico alinhou o contrato pré-nupcial. Restam detalhes do cronograma.

Contrato. Cronograma. Palavras-pedra. A mãe sorriu como se falassem de flores. O pai meneou a cabeça, satisfeito com a boa condução da pauta. Ashiley encostou o copo na mesa, deixando o círculo de condensação marcar discretamente o tampo de vidro.

— Farei a minha parte — disse, simétrica. — Mas não vou posar para revista.

Um silêncio breve assentou. Dona Lígia mascarou o incômodo com doçura:

— Ninguém falou em revista, querida. Só queremos celebrar esse momento… com discrição.

Discrição com fotógrafos do lado de fora, achou Ashiley, mas a discussão seria um gasto inútil. Gustavo desviou o olhar para o relógio — não impaciente; apenas alinhado ao próximo item da agenda.

— Vou te mostrar o escritório onde alinharemos tudo hoje à tarde — informou. — Prefiro que veja os documentos antes do almoço.

— Perfeito. — Ashiley respondeu com um sorriso que não prometia cessar-fogo, apenas leitura atenta.

Quando o protocolo deu uma folga, ela pediu licença e subiu. O corredor continuava amplo demais, o piso brilhando como se ninguém o tivesse pisado por três anos. No quarto dela, alguém trocara as cortinas. Cheiro de lavanda. Sobre a penteadeira, uma caixa com papelaria nova estampada A.M.. Bem-vinda de volta, assinatura do clã.

Ela passou a mão pela superfície, tateando um passado polido. No espelho, seu reflexo parecia mais alto que antes — talvez fosse só a postura. Recolheu um elástico de cabelo, prendeu um coque prático e deixou a janela entreaberta: um pouco de ar real, ainda que em doses controladas.

Em Jardim de Pedra, Pietro batia pela terceira vez à porta da pequena casa onde Ashiley morara. O silêncio absoluto atrás da madeira era a confirmação que ele temia, mas resistia em aceitar. A janela do quarto permanecia aberta, as cortinas brancas balançando com o vento. Na calçada, caixas vazias: uma mudança apressada.

— Mas que droga… — murmurou, passando a mão pelos cabelos. A lembrança do olhar de Ashiley na joalheria mordia. Frio. Preciso. Como se ele já não coubesse na frase que os unira por anos.

A casa não devolveu resposta. Pietro recuou um passo, mãos nos quadris, olhar perdido como quem tenta decifrar um bilhete que não foi escrito para si.

— Procurando por alguém?

A voz suave o fez girar. Laura estava encostada no carro, sorriso sereno, vestido claro, cabelos soltos, perfume floral. Doçura calibrada.

Pietro inspirou, o incômodo latejando sob a pele.

— Você sabe onde ela está?

Laura caminhou até ele com passos leves, como quem tem pena do chão.

— Ah, Pietro… — tocou de leve o braço dele, compaixão de vitrine. — Você ainda está pensando nela?

Ele arqueou a sobrancelha, silenciando.

— A Ashiley é intensa — ela prosseguiu, um suspiro que pretendia compreensão. — Faz drama por qualquer coisa… some sem explicar, cria crises só pra chamar atenção. — Riu baixo, triste de ocasião. — Deve ser o jeito dela lidar com as coisas.

Pietro cruzou os braços, desviando o olhar para a janela aberta.

— Ela saiu sem avisar. Nem o trabalho, nem os amigos.

— Exato. — Laura concordou, doce. — E você, como sempre, se preocupa mais do que deveria.

Ele a observou de soslaio, desconfiando do algodão em volta das palavras.

— Não é preocupação. Só achei estranho.

Laura inclinou a cabeça, o olhar envolvente como um cobertor em dia de febre.

— Estranho… — assentiu. — Mas, sinceramente? Você deu algum motivo pra ela ficar? — O tom era macio, quase maternal. — Foi sempre claro pra todo mundo que vocês não tinham futuro.

A frase arranhou. Pietro franziu o cenho, mas ela sorriu antes da réplica nascer.

— Desculpa se fui dura. — O toque no braço voltou, ensaiado. — Eu só me preocupo com você. Não vale a pena se abalar por alguém tão… inconstante.

Ele passou a mão nos cabelos outra vez, impaciente.

— Ela é só uma funcionária. Nada além disso.

Laura sorriu mais, satisfeita com o coro.

— Exatamente. Só uma funcionária. — Repetiu a sentença como quem carimba um documento.

Virou-se para ir embora, deixando Pietro diante do vazio armado. O motor do carro dela ronronou, afastando-se devagar. Pietro ficou ali, uma sombra comprida esticada no asfalto da tarde, as cortinas brancas acenando atrás dele — despedida que não passou pela boca.

Na mansão Monteiro, o relógio da parede marcou quatro horas quando Gustavo chamou:

— Podemos? O jurídico nos aguarda por videochamada.

O pai apareceu à porta do escritório, postura de anfitrião que também é credor. A mãe não veio — preferiu supervisionar flores. Sobre a mesa, pastas etiquetadas, canetas de metal, um papel timbrado com a união das iniciais M e M: um grafismo temporário entre Monteiro e Martins. Ashiley sorriu por dentro — o design sempre se apressa a contar uma história antes do tempo.

— Revisaremos cláusulas de confidencialidade, disposições patrimoniais, agenda pública — disse Gustavo, já abrindo a pasta. — Quero sua opinião sobre o limite de exposição.

— Ótimo — respondeu ela, puxando a cadeira. — Tenho algumas propostas.

Ele a encarou um segundo além do necessário. Não surpresa; medição. O jogo ali não era de afeto — era de competência e controle do dano. Ashiley folheou páginas com a calma de quem aprendeu a não tremer na frente de documentos. Riscou um parágrafo com o dedo.

— Aqui. Nada de fotos em residências particulares. E veto a qualquer matéria que mencione Jardim de Pedra.

Gustavo assentiu, prático.

— Concordo. — Voltou-se à tela. — Incluam esses vetos. E mantenham a logística do almoço sem imprensa.

A chamada terminou meia hora depois. Gustavo fechou a pasta, avaliando-a em silêncio como se testasse uma peça nova de tabuleiro.

— Você lida bem com fronteiras — comentou, neutro.

— Aprendi a duras penas — ela devolveu, devolvendo a caneta ao estojo. — E pretendo mantê-las.

— Ótimo. — Ele se levantou. — Amanhã, 12h. Peço pontualidade.

— Terei.

Quando ficou sozinha, Ashiley se apoiou um instante na beirada da mesa. O reflexo dela no vidro devolveu a mesma mulher do espelho do quarto — só que agora com a luz do escritório colada ao rosto. A cela escolhida segue tendo chave do lado de dentro, pensou, e fechou os olhos por um segundo, como quem ajusta a respiração antes da próxima volta.

Lá fora, o jardim exalava rosas. Aqui dentro, os papéis cheiravam a tinta fresca e promessas antigas. O passado batia à janela de vez em quando; ela mantinha a veneziana aberta o suficiente para ver a chuva aproximar — e fechar na hora certa.

Em Jardim de Pedra, Pietro deu dois passos para longe e voltou a encarar a casa vazia. O celular pesou no bolso; ele não ligou. Tentou lembrar quando fora a última vez que tinha dito a palavra ficar e acreditado nela. O vento mexeu as cortinas mais uma vez, como se a cidade respondesse: agora é tarde.

Ele entrou no carro, mas não deu partida de imediato. Sabia por experiência que o silêncio também é um tipo de resposta — e, às vezes, a mais honesta.

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Comments

Sueliane Alcantara

Sueliane Alcantara

ainda não entendi direito o que ela tinha com ele.

2025-08-20

3

Fatima Sitta Vergueiro

Fatima Sitta Vergueiro

o que entendi é que Pietro era namorado de Ash, mas parece que ele s traiu, ela aceitou um casamento com alguém rico e Pietro se danou

2025-08-28

0

Gina

Gina

Verdade, eu também ainda nao entendi , mais ja estou ansiosa para desvendar tim tim por tim tim kkkkkkk

2025-09-02

0

Ver todos
Capítulos
1 Capítulo 1 – A Mentira Que Matou o Que Restava
2 Capítulo 2 – O Anel e o Acaso Cruel
3 Capítulo 3 – O Reencontro e o Vazio Deixado Para Trás
4 Capítulo 4 – Entre Taças e Promessas
5 Capítulo 5 – A Fazenda, o Ciúme e o Silêncio
6 Capítulo 6: Anel e ruído
7 Capítulo 7: Agenda e ensaio
8 Capítulo 8: Atelier e cerco
9 Capítulo 9: Imagem e cláusulas
10 Capítulo 10: Jantar e diplomacia
11 Capítulo 11: Pós‑jantar e ensaio de silêncio
12 Capítulo 12: Preparativos e quase‑vazamento
13 Capítulo 13: A cerimônia e o compasso
14 Capítulo 14: Rescaldo e portaria
15 Capítulo 15: Convivência e interferências
16 Capítulo 16: Museu e órbitas
17 Capítulo 17: Quarta‑feira livre
18 CCapítulo 18: Cláusula 14.2
19 Capítulo 19: Sobrenome e bolsas
20 Capítulo 20: Carta e efeito cascata
21 Capítulo 21: Cláusula antiga, regra nova
22 Capítulo 22: Lisboa
23 Capítulo 23: Retorno, rumor e proximidade
24 Capítulo 24: Manhã dentro do quadro
25 Capítulo 25: Noite de vozes
26 Capítulo 26: Segunda-feira com ruído
27 Capítulo 27: Visita no saguão
28 Capítulo 28: O Conselho
29 Capítulo 29: Sombras e confissões
30 Capítulo 30: Pressão e rendição
31 Capítulo 31: O retorno da sombra
32 Capítulo 32: Consequências e entrega
33 Capítulo 33: Coluna e mãe
34 Capítulo 34: Luz de casa
35 Capítulo 35: Lista do sim
36 Capítulo 36: Véspera
37 Capítulo 37 – Reuniões, Ameaças Veladas e Territórios Marcados
38 Capítulo 38: Ressaca boa
39 Capítulo 39: Rotina de nós
40 Capítulo 40: Capela e luz
41 Capítulo 41: Primeira semana
42 Capítulo 42: Conselho e respiro
43 Capítulo 43: Cinco minutos de ar
44 Capítulo 44: Casa aberta
45 Capítulo 45 – O CEO e Sua Declaração Pública
46 Capítulo 46 – A Noite da Promessa
47 Capítulo 47 – Um Novo Começo
48 Capítulo 48 – O Dia em Que o Mundo Pareceu Parar
49 Capítulo 49 – Propostas, Orgulho e Velhas Feridas
50 Capítulo 50 – Confiança, Decisões e Primeiros Passos no Poder
51 Capítulo 51 – O Jogo Começou
52 Capítulo 52 – Um Reverso de Papéis
53 Capítulo 53 – Entre Mimos, Limites e Novas Realidades
54 Capítulo 54 – Batidas de um Novo Começo
55 Capítulo 55 – Sintomas, Surpresas e Primeiras Mudanças
56 Capítulo 56 – A Escolha de Ashiley: Primeiro Passo no Mundo Corporativo
57 Capítulo 57 – A Última Tentativa de Pietro
58 Capítulo 58 – A Revelação: O Sexo do Bebê
59 Capítulo 59 – Preparativos Finais e Reencontro Familiar
60 Capítulo 60 – O Epílogo: O Primeiro Choro
61 Capítulo Extra – Três Anos Depois
Capítulos

Atualizado até capítulo 61

1
Capítulo 1 – A Mentira Que Matou o Que Restava
2
Capítulo 2 – O Anel e o Acaso Cruel
3
Capítulo 3 – O Reencontro e o Vazio Deixado Para Trás
4
Capítulo 4 – Entre Taças e Promessas
5
Capítulo 5 – A Fazenda, o Ciúme e o Silêncio
6
Capítulo 6: Anel e ruído
7
Capítulo 7: Agenda e ensaio
8
Capítulo 8: Atelier e cerco
9
Capítulo 9: Imagem e cláusulas
10
Capítulo 10: Jantar e diplomacia
11
Capítulo 11: Pós‑jantar e ensaio de silêncio
12
Capítulo 12: Preparativos e quase‑vazamento
13
Capítulo 13: A cerimônia e o compasso
14
Capítulo 14: Rescaldo e portaria
15
Capítulo 15: Convivência e interferências
16
Capítulo 16: Museu e órbitas
17
Capítulo 17: Quarta‑feira livre
18
CCapítulo 18: Cláusula 14.2
19
Capítulo 19: Sobrenome e bolsas
20
Capítulo 20: Carta e efeito cascata
21
Capítulo 21: Cláusula antiga, regra nova
22
Capítulo 22: Lisboa
23
Capítulo 23: Retorno, rumor e proximidade
24
Capítulo 24: Manhã dentro do quadro
25
Capítulo 25: Noite de vozes
26
Capítulo 26: Segunda-feira com ruído
27
Capítulo 27: Visita no saguão
28
Capítulo 28: O Conselho
29
Capítulo 29: Sombras e confissões
30
Capítulo 30: Pressão e rendição
31
Capítulo 31: O retorno da sombra
32
Capítulo 32: Consequências e entrega
33
Capítulo 33: Coluna e mãe
34
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Capítulo 35: Lista do sim
36
Capítulo 36: Véspera
37
Capítulo 37 – Reuniões, Ameaças Veladas e Territórios Marcados
38
Capítulo 38: Ressaca boa
39
Capítulo 39: Rotina de nós
40
Capítulo 40: Capela e luz
41
Capítulo 41: Primeira semana
42
Capítulo 42: Conselho e respiro
43
Capítulo 43: Cinco minutos de ar
44
Capítulo 44: Casa aberta
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Capítulo 45 – O CEO e Sua Declaração Pública
46
Capítulo 46 – A Noite da Promessa
47
Capítulo 47 – Um Novo Começo
48
Capítulo 48 – O Dia em Que o Mundo Pareceu Parar
49
Capítulo 49 – Propostas, Orgulho e Velhas Feridas
50
Capítulo 50 – Confiança, Decisões e Primeiros Passos no Poder
51
Capítulo 51 – O Jogo Começou
52
Capítulo 52 – Um Reverso de Papéis
53
Capítulo 53 – Entre Mimos, Limites e Novas Realidades
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Capítulo 54 – Batidas de um Novo Começo
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Capítulo 55 – Sintomas, Surpresas e Primeiras Mudanças
56
Capítulo 56 – A Escolha de Ashiley: Primeiro Passo no Mundo Corporativo
57
Capítulo 57 – A Última Tentativa de Pietro
58
Capítulo 58 – A Revelação: O Sexo do Bebê
59
Capítulo 59 – Preparativos Finais e Reencontro Familiar
60
Capítulo 60 – O Epílogo: O Primeiro Choro
61
Capítulo Extra – Três Anos Depois

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