Capítulo 5 – A Fazenda, o Ciúme e o Silêncio

A manhã nasceu com céu limpo e um calor abafado que prometia tempestade. Ashiley desceu as escadas da mansão vestindo calça de linho clara e blusa leve; o cabelo num coque baixo, o rosto com o mínimo. Queria passar despercebida. Invisível.

Gustavo a aguardava junto a um sedã dos Martins, mangas da camisa branca dobradas, calça escura. Casual, simples — ainda assim, impecável.

— Pronta? — a pergunta veio baixa, sem afetação.

Ela apenas assentiu.

Os primeiros quilômetros foram de silêncio. O motor, a estrada e um piano discreto no rádio preencheram o espaço. Ao volante, Gustavo parecia concentrado; de vez em quando, desviava os olhos para ela — observando, medindo.

— Não precisa ficar tensa — disse, sem teatralidade. — Não vou te arrastar para o altar hoje.

— Não estou tensa.

— Não? — um meio sorriso. — Então por que rói a unha desde que entrou?

Ela recolheu os dedos, percebendo o gesto.

— Hábito antigo.

— Imagino.

O silêncio voltou a tomar a cabine até que os portões da fazenda se abriram. A reforma a surpreendeu: fachada rústica com linhas modernas, janelões de vidro, varandas amplas, jardins aparados, o cheiro limpo da grama cortada. Ao longe, cavalos pastavam; mais adiante, um lago refletia um azul quase metálico.

Gustavo abriu a porta para ela, gesto automático.

— Quero te mostrar onde pensamos montar a tenda do coquetel.

Ela o seguiu mantendo uma distância confortável. Funcionários cumprimentavam com respeito: “senhor Martins.” Mesmo os mais velhos. Ele retribuía sem ostentação, mas com uma firmeza que não deixava dúvidas sobre quem conduzia a orquestra.

— Aqui — apontou para um campo com vista para o lago. — Enxergo a cerimônia neste eixo. Vento de leste, luz do fim da tarde…

— Bonito. — Ela avaliou, braços cruzados.

— Só bonito?

— É só um casamento, Gustavo. Não vejo por que tanto espetáculo.

Ele virou-se de frente, mãos nos bolsos.

— Não é só um casamento. É a sua volta. Sua apresentação oficial como futura Martins.

O estômago dela revirou.

— E se eu não quiser ser apresentada assim?

— Então me diga como prefere. — Deu um passo em direção a ela, olhos mais escuros. — Quer fugir de novo? Quer me deixar plantado como anos atrás? Faça. Mas me avise… para eu não perder tempo tentando te proteger de você mesma.

A palavra ficou vibrando entre os dois. Proteger.

Gustavo respirou fundo, recobrando o prumo.

— Não foi a melhor forma de dizer.

— Não foi. — Ela desviou o olhar para o lago. — Vamos escolher as flores e encerrar.

— Como quiser.

Voltaram em direção à casa. O celular de Gustavo vibrou; ele atendeu, voz baixa:

— Sim, ela está comigo… Ainda não. Fechamos os detalhes primeiro… — Encerrando, deu de ombros: — Gente ansiosa demais.

— Problemas? — Ashiley perguntou, apenas por educação.

— Só gente apressando pauta.

Horas depois, rodeados por amostras de tecidos, paletas e catálogos, um funcionário trouxe um envelope com documentos para assinatura. Gustavo se afastou para outra ligação; Ashiley buscou ar na varanda. O vento ali parecia menos pesado. Pegou o celular. Nenhuma mensagem de Pietro. Nenhuma ligação. O gosto na boca foi uma mistura insolúvel de decepção e alívio.

Perfeito. Exatamente como eu queria., mentiu para dentro.

Em Jardim de Pedra, Pietro caminhava de um lado ao outro no escritório da Santoro Group.

— Ela simplesmente sumiu — disse ao vazio, olhando o mapa aberto na tela como se pudesse geolocalizar o arrependimento.

— Você está exagerando. — Laura surgiu com duas xícaras de café, tom doce, olhos de preocupação calculada. — A Ashiley é dramática. Some para chamar atenção. Quer que você corra atrás… como sempre.

— Não é só drama desta vez. — Ele massageou as têmporas.

Laura pousou o café, sentou-se no braço da poltrona, dedos nos ombros dele.

— Então deixa ela no mundinho dela. Você merece alguém que esteja aqui… agora… com você.

Pietro não respondeu. Mesmo com o toque leve, a cabeça já estava em outro lugar. E Laura viu — e odiou — a distância.

— Você precisa de uma pausa — tentou. — Vem à capital comigo. Visito minha mãe, você respira outro ar.

— Não tenho tempo.

— Por favor… — os dedos dela deslizaram no antebraço.

— Eu disse que não. — Ele levantou-se, seco.

Laura manteve o sorriso, mas os olhos escureceram por um segundo. Assim que ele saiu, discou um número.

— Dona Celina? Que saudade… — açúcar na voz. — O Pietro está se desgastando. Trabalhando demais e obcecado com uma história sem sentido sobre uma garota que não merece atenção. Estou… preocupada.

Do outro lado, a mãe de Pietro não precisou de muito.

— Esse menino já passou da hora de focar no que importa.

— Pensei que uma viagem faria bem. Vou à capital amanhã cedo… Ele não quer ir. O senhor sabe como ele é, teimoso…

— Deixa comigo.

Meia hora depois, o telefone de Pietro tocou.

— Você vai viajar com a Laura amanhã — decretou Celina. — Sem desculpas. Está decidido.

— Mãe…

— Já providenciei tudo.

O clique do fim da chamada ficou vibrando no gabinete. Pietro lançou o celular sobre a mesa com mais força do que pretendia. Laura apareceu na porta com o sorriso exato.

— Tudo certo agora? Mal posso esperar pela nossa viagem.

Ele passou por ela sem responder. Por dentro, a inquietação latejava. Mesmo indo a outra cidade, a cabeça dele continuaria com Ashiley.

Na fazenda, a tarde caminhava para o dourado quando Gustavo voltou à varanda com o envelope assinado.

— Paletas? — perguntou, pousando amostras sobre a mesa.

— Orquídeas brancas e folhagem verde. Sem excessos. — Ela apontou, objetiva. — Nada de arco com luzinhas. Nada de cortina de veludo. E a cerimônia sem imprensa.

— Está no contrato — ele assegurou. — Vetos mantidos.

Ela assentiu, uma tensão invisível caindo dos ombros. O vento virou; o calor abafado ganhou cheiro de chuva.

— Você me perguntou mais cedo se queria fugir — disse, ainda olhando o horizonte. — A verdade é que não quero mais fugir. Só não quero ser humilhada.

— E não será — devolveu, sem hesitar. — Enquanto eu estiver do seu lado, não será.

Ashiley virou o rosto para encará-lo. Não havia charme na frase; havia aço. Por um segundo, a defensiva dentro dela afrouxou um milímetro.

— O anel fica pronto amanhã — ele continuou, mais prático. — Vamos buscá-lo juntos. Depois, alinhamos a logística do anúncio interno.

Ela hesitou. Juntos parecia uma palavra grande demais para um objeto pequeno. Mesmo assim:

— Certo.

Começaram a recolher catálogos quando o primeiro trovão tremeu distante. Um funcionário correu para baixar as lonas da varanda. Gustavo inclinou-se sem tocar nela, mas colou a sombra ao lado do corpo dela enquanto pingos grossos começavam a bater no piso de madeira.

— Vamos entrar — sugeriu.

— Ainda não. — Ashiley ficou mais um instante, deixando a chuva respingar no dorso da mão. Queria registrar aquele exato ponto entre calor e tempestade. Entre antes e depois.

— Só mais um minuto — ela disse por fim, e então o seguiu.

No caminho de volta, a tempestade finalmente quebrou. O vidro embaçou por dentro; os limpadores varreram com eficiência metódica. Dentro do carro, o piano voltou, agora com cordas discretas. Gustavo dirigia em silêncio. No acostamento de um pensamento, ele falou:

— Sobre mais cedo… Quando eu disse “proteger”, quis dizer blindar do que não é seu para carregar. Política de família tem muito ruído. Vou tirar isso do seu caminho sempre que puder.

Ela manteve os olhos na estrada molhada.

— E quando você for o ruído?

— Então espero que me diga. — A resposta veio rápida, sem orgulho.

A sombra de um sorriso, quase involuntária, tocou a boca de Ashiley. Do lado de fora, a chuva perdeu força.

Em Jardim de Pedra, Pietro ficou sozinho na sala depois que a ligação da mãe terminou. Pegou o celular, abriu a conversa com Ashiley e não escreveu nada. Pensou na janela aberta, nas cortinas brancas, no olhar dela na joalheria. Desta vez é diferente. Guardou o aparelho no bolso e, pela primeira vez em dias, admitiu para si que talvez tivesse perdido — não uma mulher, mas a chance de ser alguém melhor ao lado dela.

Quando o carro de Gustavo atravessou o portão da cidade, o céu deixava uma luz limpa sobre o asfalto. Ashiley apoiou a testa no vidro frio. Não havia euforia. Havia foco. E a certeza incômoda de que, a cada escolha, a cela ficava mais confortável — e a chave, paradoxalmente, mais leve no bolso.

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Comments

Cintia Maria Lemos Tavares

Cintia Maria Lemos Tavares

Que história confusa ela é uma lunática que não se ama ele um confuso guiado pela mãe e nos pobres leitoras ainda não sabe se ele tinha um caso com a mal amada ou era uma relação de funcionária

2025-09-12

0

Kelly Santos

Kelly Santos

eu estou parando de ler, mas não estou julgando, apenas não estou conseguindo entender nada até agora tem muito controversos da história que deixa dúvidas a quem está lendo

2025-09-12

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Kelly Santos

Kelly Santos

eu estou parando de ler, mas não estou julgando, apenas não estou conseguindo entender nada até agora tem muito controversos da história que deixa dúvidas a quem está lendo

2025-09-12

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Capítulos
1 Capítulo 1 – A Mentira Que Matou o Que Restava
2 Capítulo 2 – O Anel e o Acaso Cruel
3 Capítulo 3 – O Reencontro e o Vazio Deixado Para Trás
4 Capítulo 4 – Entre Taças e Promessas
5 Capítulo 5 – A Fazenda, o Ciúme e o Silêncio
6 Capítulo 6: Anel e ruído
7 Capítulo 7: Agenda e ensaio
8 Capítulo 8: Atelier e cerco
9 Capítulo 9: Imagem e cláusulas
10 Capítulo 10: Jantar e diplomacia
11 Capítulo 11: Pós‑jantar e ensaio de silêncio
12 Capítulo 12: Preparativos e quase‑vazamento
13 Capítulo 13: A cerimônia e o compasso
14 Capítulo 14: Rescaldo e portaria
15 Capítulo 15: Convivência e interferências
16 Capítulo 16: Museu e órbitas
17 Capítulo 17: Quarta‑feira livre
18 CCapítulo 18: Cláusula 14.2
19 Capítulo 19: Sobrenome e bolsas
20 Capítulo 20: Carta e efeito cascata
21 Capítulo 21: Cláusula antiga, regra nova
22 Capítulo 22: Lisboa
23 Capítulo 23: Retorno, rumor e proximidade
24 Capítulo 24: Manhã dentro do quadro
25 Capítulo 25: Noite de vozes
26 Capítulo 26: Segunda-feira com ruído
27 Capítulo 27: Visita no saguão
28 Capítulo 28: O Conselho
29 Capítulo 29: Sombras e confissões
30 Capítulo 30: Pressão e rendição
31 Capítulo 31: O retorno da sombra
32 Capítulo 32: Consequências e entrega
33 Capítulo 33: Coluna e mãe
34 Capítulo 34: Luz de casa
35 Capítulo 35: Lista do sim
36 Capítulo 36: Véspera
37 Capítulo 37 – Reuniões, Ameaças Veladas e Territórios Marcados
38 Capítulo 38: Ressaca boa
39 Capítulo 39: Rotina de nós
40 Capítulo 40: Capela e luz
41 Capítulo 41: Primeira semana
42 Capítulo 42: Conselho e respiro
43 Capítulo 43: Cinco minutos de ar
44 Capítulo 44: Casa aberta
45 Capítulo 45 – O CEO e Sua Declaração Pública
46 Capítulo 46 – A Noite da Promessa
47 Capítulo 47 – Um Novo Começo
48 Capítulo 48 – O Dia em Que o Mundo Pareceu Parar
49 Capítulo 49 – Propostas, Orgulho e Velhas Feridas
50 Capítulo 50 – Confiança, Decisões e Primeiros Passos no Poder
51 Capítulo 51 – O Jogo Começou
52 Capítulo 52 – Um Reverso de Papéis
53 Capítulo 53 – Entre Mimos, Limites e Novas Realidades
54 Capítulo 54 – Batidas de um Novo Começo
55 Capítulo 55 – Sintomas, Surpresas e Primeiras Mudanças
56 Capítulo 56 – A Escolha de Ashiley: Primeiro Passo no Mundo Corporativo
57 Capítulo 57 – A Última Tentativa de Pietro
58 Capítulo 58 – A Revelação: O Sexo do Bebê
59 Capítulo 59 – Preparativos Finais e Reencontro Familiar
60 Capítulo 60 – O Epílogo: O Primeiro Choro
61 Capítulo Extra – Três Anos Depois
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Atualizado até capítulo 61

1
Capítulo 1 – A Mentira Que Matou o Que Restava
2
Capítulo 2 – O Anel e o Acaso Cruel
3
Capítulo 3 – O Reencontro e o Vazio Deixado Para Trás
4
Capítulo 4 – Entre Taças e Promessas
5
Capítulo 5 – A Fazenda, o Ciúme e o Silêncio
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Capítulo 6: Anel e ruído
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Capítulo 7: Agenda e ensaio
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Capítulo 9: Imagem e cláusulas
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12
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Capítulo 13: A cerimônia e o compasso
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Capítulo 14: Rescaldo e portaria
15
Capítulo 15: Convivência e interferências
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Capítulo 16: Museu e órbitas
17
Capítulo 17: Quarta‑feira livre
18
CCapítulo 18: Cláusula 14.2
19
Capítulo 19: Sobrenome e bolsas
20
Capítulo 20: Carta e efeito cascata
21
Capítulo 21: Cláusula antiga, regra nova
22
Capítulo 22: Lisboa
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Capítulo 23: Retorno, rumor e proximidade
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Capítulo 24: Manhã dentro do quadro
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27
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28
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Capítulo 31: O retorno da sombra
32
Capítulo 32: Consequências e entrega
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36
Capítulo 36: Véspera
37
Capítulo 37 – Reuniões, Ameaças Veladas e Territórios Marcados
38
Capítulo 38: Ressaca boa
39
Capítulo 39: Rotina de nós
40
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Capítulo 51 – O Jogo Começou
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57
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61
Capítulo Extra – Três Anos Depois

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