Canções do Dragão Azul

Canções do Dragão Azul

Capítulo 1: Onde a Canção Começa

A névoa pairava sobre as colinas como véus de um lamento antigo. O vilarejo de Lorthen dormia sob o peso de sua própria insignificância, perdido entre montanhas e lendas que ninguém mais levava a sério. Era um lugar onde os dias passavam lentos como o curso de um rio velho, e as noites traziam apenas o frio e o silêncio — ou quase.

Eldrin caminhava descalço pela relva úmida, sua harpa pendurada às costas, presa por tiras de couro envelhecido. Seus dedos, mesmo envoltos em luvas sem pontas, estavam frios, mas ele não parecia notar. A cada passo, os galhos quebrados e o musgo sussurravam sob seus pés. Ele seguia o chamado que apenas ele ouvia, um eco longínquo que se entrelaçava com o vento como uma melodia esquecida.

Desde criança, Eldrin escutava sons que ninguém mais ouvia — tons suaves entre os ruídos da natureza, acordes ocultos no crepitar das folhas, harmonias sussurradas pelas pedras antigas. Chamavam-no de “o estranho” no vilarejo, diziam que era “tocado pela bruma” ou “filho das fadas”. Mas nenhuma dessas palavras importava. A música chamava, e ele obedecia.

Naquela madrugada, seus passos o levaram para além da trilha de caça, até os limites das ruínas de Eldareth — uma cidade antiga, agora engolida pela floresta. Os anciãos diziam que ali fora o lar dos Filhos da Canção, seres de voz encantada e olhos prateados, desaparecidos há séculos. Alguns contavam que os dragões haviam dançado ao som de suas melodias. Outros sussurravam que foi ali que o último Dragão Azul caiu em silêncio eterno, traído pela própria canção.

Eldrin parou diante de um arco partido coberto de trepadeiras. As pedras, cinzentas e gastas, ainda guardavam marcas de símbolos antigos — uma língua que ele não conhecia, mas que pulsava sob seus olhos como notas de uma partitura invisível.

Ele entrou.

O interior das ruínas estava mergulhado em sombras. Troncos derrubados e raízes grossas formavam túneis naturais entre as estruturas desmoronadas. Eldrin avançou devagar, guiado apenas pela intuição e pelo som que ninguém mais ouvia: uma melodia suave, quase imperceptível, que o envolvia como um véu de sonho. Era uma canção triste, com notas longas e flutuantes, como se o tempo estivesse chorando.

E então ele viu: no centro de um salão afundado, envolto por colunas caídas e trepadeiras douradas, jazia um pedestal de pedra negra. Sobre ele, repousava uma harpa. Mas não era uma harpa comum.

Feita de ossos reluzentes e fios de prata, seu corpo era curvado como a espinha de uma criatura ancestral. As cordas pareciam vibrar mesmo em silêncio, e o ar ao redor dela ondulava, como se fosse feito de bruma viva. Eldrin se aproximou, extasiado. Havia algo naquela harpa que ressoava com algo dentro dele — algo profundo, antigo... e perigoso.

Ao tocar a primeira corda, o mundo mudou.

O chão tremeu levemente, como se as raízes da floresta tivessem acordado. O ar se preencheu com um tom grave, profundo, que se espalhou como uma onda invisível. Eldrin sentiu uma força passar por seus braços, subir por sua espinha, tomar seus pensamentos. Ele não sabia o que fazia, mas seus dedos continuavam a tocar, puxando notas que não aprendera, compondo uma música que jamais ouvira, e ainda assim... conhecia.

A canção do Dragão Azul.

Ele o viu.

Não com os olhos, mas com a alma. Um gigantesco dragão de escamas cintilantes como safiras despertava em algum lugar distante — sob montanhas, ou talvez no fundo do mar, ou entre os próprios céus. Seus olhos, feitos de luz líquida, se abriram lentamente, e sua respiração era como trovões ecoando em silêncio.

Mas o que Eldrin viu depois o fez estremecer: olhos vermelhos entre as sombras, lâminas erguidas, bocas cantando contra ele. Algo — ou alguém — o observava. E não com benevolência.

Eldrin recuou, soltando a harpa. O som cessou. O salão ficou em silêncio. Sua respiração vinha em soluços curtos, e suas mãos tremiam. Ele virou-se para fugir, mas tropeçou em algo que não estava ali antes: um medalhão.

Era de prata escura, em forma de uma asa entrelaçada a uma nota musical. No centro, uma pedra azul pulsava com fraca luz. Ao tocá-lo, Eldrin ouviu uma voz em sua mente:

— A canção foi iniciada, Filho do Som. O selo foi quebrado. O Guardião despertará... e também os Caçadores.

A harpa se desfez em pó.

Eldrin gritou.

_______________________________________________

Dias depois, as pessoas de Lorthen notaram que as aves estavam silenciosas. Os cães uivavam à noite, e os anciãos tremiam com pesadelos que não sabiam explicar.

Na praça central, a fonte secou pela primeira vez em gerações. As crianças, mesmo as mais ousadas, se recusavam a brincar perto da antiga estátua dos fundadores, onde agora crescia uma hera escura, desconhecida, de folhas que sussurravam quando o vento passava.

Eldrin não voltou para casa naquela noite. Nem na noite seguinte. Sua pequena cabana na encosta, onde a brisa costumava trazer o som suave de suas canções, ficou em silêncio. O velho Maestro Orien, seu único amigo verdadeiro, foi o único a bater em sua porta. Quando a encontrou entreaberta e vazia, soube, no fundo do coração, que algo havia mudado.

Enquanto isso, no alto das montanhas, um vento antigo soprava entre as pedras. Os Ecos de Eldareth haviam retornado.

E com eles, a guerra entre Som e Silêncio.

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Comments

Eldrin Vyr

Eldrin Vyr

e vc tem que divulgar sua obra

2025-06-03

1

Eldrin Vyr

Eldrin Vyr

a historia é boa porem se vc postasse uma capiturlo por dia dava mais audiencia

2025-06-03

2

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