Capítulo 3: O Eco das Primeiras Notas

As horas seguintes passaram como em um sonho confuso. Eldrin permaneceu em sua cabana, a pena azul pousada sobre sua mesa, os olhos fixos nela como se aguardasse que se transformasse em palavras ou respostas. Mas não o fez. Apenas pulsava levemente, como um coração distante.

Lá fora, o vilarejo de Lorthen seguia com sua rotina monótona. O som dos martelos dos ferreiros, o tilintar de baldes nos poços, e até o mugido das vacas pareciam mais abafados. Eldrin notava cada nuance. Havia algo fora de lugar, como se o mundo estivesse respirando mais devagar.

O jovem pegou o medalhão no pescoço. Desde o encontro com Aeryx, o Guardião do Azul, ele se tornara parte dele. Seu peso, antes sutil, agora parecia pressionar-lhe a alma. As palavras do dragão ecoavam em sua mente: "Você é mais. Sempre foi."

— Mas o que isso significa? — ele murmurou para o vazio.

Foi então que a pena emitiu um brilho mais forte.

Eldrin ergueu-se abruptamente. A pena flutuou por um segundo e caiu de pé sobre a mesa, como se fosse cravada ali por uma mão invisível. Ele se aproximou, hesitante. Assim que seus dedos tocaram a haste da pena, um calor suave envolveu sua mão. A visão ao seu redor desapareceu, como se alguém tivesse apagado a realidade com um sopro.

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Ele estava em outro lugar.

Não havia chão sob seus pés, apenas uma superfície aquosa como vidro líquido. Um céu sem estrelas se estendia sobre ele, negro e profundo, e flocos de luz dourada caíam lentamente, como neve de canções perdidas.

À sua frente, uma figura flutuava — uma mulher de cabelos prateados e olhos de âmbar. Seu corpo era etéreo, feito de som e luz. Ao seu redor, fragmentos de instrumentos flutuavam: flautas, harpas, tambores, todos quebrados, mas emitindo notas suaves no ar.

— Bem-vindo, Portador — disse ela com uma voz que soava como mil vozes em uma.

Eldrin sentiu os joelhos fraquejarem, mas não caiu. O próprio espaço o sustentava.

— Quem é você?

— Fui Meluira, uma das Últimas Cantoras. Habitei Eldareth quando os Filhos da Canção ainda caminhavam entre os ventos e as estrelas. A Canção me guarda como memória. E agora... guarda você também.

Eldrin engoliu em seco.

— Por que estou aqui?

— Para aprender o que não pode ser ensinado por palavras. Para ouvir o que está além do ouvido.

Ela se aproximou. Uma harpa flutuante se ergueu entre os dois, feita de cristal e teias de luz. Meluira passou os dedos pelas cordas, e uma melodia suave preencheu o espaço — uma canção que fez o tempo desacelerar, que trouxe imagens à mente de Eldrin: ele, criança, ouvindo o sussurro do vento; as pedras cantando sob seus pés na floresta; os sorrisos tristes dos anciãos de Lorthen.

— Toda melodia é memória — disse ela. — Toda harmonia é destino. Mas é o dissonante que transforma. Você não está preso à Canção. Você é parte dela.

Eldrin estendeu a mão e tocou a harpa. Assim que seus dedos encontraram as cordas, uma onda o envolveu — não de som, mas de conhecimento. As notas se tornaram símbolos, e os símbolos, sensações. Ele entendeu, mesmo sem entender completamente.

Havia mais do que apenas tocar. Havia invocar.

A harpa explodiu em luz.

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Eldrin acordou de súbito, caindo de costas no chão da cabana. A pena azul queimava em sua mão como brasa, mas ele não a soltou. O quarto girava. Suor escorria por sua testa, e sua respiração vinha rápida, mas algo havia mudado.

Ele sentia a música.

Não apenas ouvia. Sentia-a nas paredes, no vento, nos próprios ossos. Cada som tinha uma vibração única, como um traço de identidade. E mais do que isso... ele podia manipulá-los.

Eldrin correu até uma prateleira e pegou seu pequeno instrumento de cordas — o lirian, uma versão rústica da harpa — e deslizou os dedos pelas cordas.

As notas dançaram no ar, mas ao invés de se dissiparem, giraram em espirais. Uma delas se solidificou, tornando-se um fio de luz. Ele tocou novamente, e agora a vibração da nota parecia mover o ar em volta da sala.

Ele havia despertado.

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Mas nem todos dormiam.

No subterrâneo do mundo, onde a luz não alcançava e o som era devorado por paredes vivas, os Caçadores se reuniam. Estavam cercados por espelhos negros, e no centro de seu círculo, um trono feito de ossos de instrumentos.

Sobre ele, um ser envolto em mantos de trevas. Sua pele era cinza, como pedra esquecida, e seus olhos dois vórtices de negrume.

— O Guardião canta novamente — sibilou ele. — E o Portador foi escolhido.

Uma figura se adiantou do círculo, envolta em névoa e sombras.

— Deseja que eu o traga?

— Não. Ainda não. A canção precisa crescer... para que possamos quebrá-la com força. Que ele reúna os fragmentos. Que pense que possui o controle. No final, ele nos trará até Aeryx. E então...

O chão tremeu.

— ...o silêncio será eterno.

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Em Lorthen, Eldrin não conseguia mais ficar parado. Pegou uma bolsa, jogou nela algumas mudas de roupa, seu velho caderno de anotações, a pena azul, e o medalhão que agora parecia mais quente a cada dia.

Sabia que precisava sair. O vilarejo era pequeno demais para conter o que estava prestes a acontecer. E, mais do que isso, não podia permitir que aquelas pessoas inocentes fossem envolvidas no que quer que estivesse por vir.

Antes de partir, foi até a praça central. Lá, o velho Alor, um ancião que passava os dias esculpindo flautas de madeira, sentava-se como sempre.

— Vai a algum lugar, garoto? — perguntou ele, sem levantar os olhos da madeira.

Eldrin hesitou, depois respondeu:

— Buscar as partes perdidas da Canção. A harpa que encontrei... era apenas o início.

Alor parou por um instante, e pela primeira vez em anos, olhou Eldrin nos olhos. Havia um brilho estranho ali. Não surpresa. Mas reconhecimento.

— Sabia que esse dia chegaria — disse ele, com um suspiro. — Há muitos anos, ouvi os ecos da Harpa do Fim. Meu pai foi um dos últimos a conhecer os Filhos da Canção antes que sumissem. Disse que um dia o portador nasceria de novo... e que teria olhos que viam além do som.

Alor tirou uma flauta pequena do bolso e entregou a Eldrin.

— Foi a primeira que esculpi. Nunca consegui afiná-la direito... mas talvez ela funcione melhor nas suas mãos.

Eldrin aceitou, emocionado.

— Obrigado.

— Lembre-se, rapaz. As notas certas, nas mãos erradas, ainda podem matar. E as notas erradas, nas mãos certas... podem salvar um mundo.

Eldrin assentiu, apertando o medalhão contra o peito.

Deu as costas ao vilarejo e partiu, seguindo o eco que chamava por ele. Uma melodia distante, que o guiava pelas montanhas. Cada passo uma nota. Cada curva da trilha, um compasso.

A Canção estava apenas começando.

E em algum lugar... o Dragão Azul se movia.

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