Capítulo 2: O Guardião Silencioso

O vento cortava as encostas das montanhas como um lamento vivo, varrendo folhas e sombras com igual indiferença. No coração da floresta esquecida, Eldrin despertou.

O chão de pedra ainda estava úmido sob seu corpo. Seu rosto estava virado para o céu encoberto, onde galhos retorcidos pareciam mãos tentando agarrar as nuvens. Um zumbido persistente reverberava dentro de seu crânio — não como um som, mas como um eco vibrante que não cessava. Ele se sentou com dificuldade, os músculos pesados como se tivesse caminhado dias sem descanso.

A harpa... havia desaparecido. Mas o medalhão permanecia. Preso firmemente ao seu pescoço por uma corrente que não estava ali antes. A pedra azul no centro pulsava com fraca luz, ritmada ao batimento de seu coração.

Eldrin levou a mão até ela. Assim que a tocou, uma leve corrente de ar percorreu sua espinha. A sensação não era de frio, mas de presença. De algo — alguém — o observando. Uma voz, distante, flutuou até ele, suave como fumaça:

— A Canção foi despertada... e o Guardião ouvirá.

Eldrin cambaleou ao se levantar. Estava em um lugar diferente do salão onde havia encontrado a harpa. As colunas em ruínas, as trepadeiras douradas e o pedestal tinham sumido. Em seu lugar, erguiam-se árvores antigas com troncos largos o bastante para esconder pequenas casas. Musgo cobria o chão como um tapete vivo. Era uma clareira estranhamente simétrica, circular, como se desenhada pela mão de um artista milenar.

No centro, um espelho de água cristalina refletia o céu cinzento, apesar de nenhuma fonte visível alimentá-lo.

Eldrin aproximou-se. Ao olhar para dentro da água, não viu seu próprio reflexo — mas outro.

Um rosto de escamas. Olhos de um azul intenso como safiras vivas. Um focinho longo, respirando lentamente. E então o dragão falou, sem mover os lábios:

— Você ouviu minha canção.

Eldrin recuou. Não havia som. A voz surgia em sua mente como um acorde que preenchia todos os cantos de sua consciência.

— Quem... quem é você?

— Sou aquele que dormia. Aquele que caiu com o último acorde. Sou Aeryx, o Guardião do Azul. E você, Eldrin, é o novo Portador.

O jovem tremia, mas não desviava o olhar. A imagem do dragão permanecia firme na superfície da água, mesmo com o vento balançando as árvores ao redor.

— Eu... eu só toquei a harpa... — disse Eldrin, hesitante.

— Não há apenas um som no mundo, Portador. Existem canções que criam, outras que selam... e algumas que libertam. Você libertou a Canção Perdida. Agora, os Caçadores virão.

A frase pareceu ressoar ao seu redor, como um trovão distante. Eldrin apertou o medalhão contra o peito.

— Eu não entendo. Não sou ninguém. Não passo de um músico de vilarejo!

— Você é mais. Sempre foi. A Canção escolhe. Assim como escolheu meus criadores. E agora, escolheu você.

— Por quê?

O espelho de água escureceu por um momento, e quando clareou novamente, Eldrin viu imagens: a cidade de Eldareth em sua glória ancestral, com torres altas como árvores encantadas, criaturas aladas voando entre os telhados, música fluindo das paredes como rios de luz. No centro, uma harpa gigante — feita da mesma ossatura reluzente daquela que ele havia tocado — emitia uma canção que fazia as próprias estrelas vibrarem.

Mas a cena mudou.

Homens com olhos negros como carvão. Capas feitas de névoa. Vozes que não cantavam, mas sugavam os sons ao redor. Um exército de silêncio.

— Eles eram os Filhos do Vazio. Inimigos do Som. Acreditavam que a harmonia era uma prisão, e o silêncio, a verdadeira liberdade. Eles destruíram a Canção Original. E agora... despertam novamente.

Eldrin caiu de joelhos.

— Eu não sou guerreiro. Não posso lutar contra isso.

— Você não lutará com espadas. Mas com notas. Com harmonias. A Canção ainda vive em você, e por meio dela... renascerá.

O reflexo desapareceu. O lago ficou opaco. O medalhão em seu peito aqueceu por um momento e depois esfriou.

Eldrin sentia-se vazio e sobrecarregado ao mesmo tempo. A mente cheia de perguntas. O coração cheio de medo. Mas o que mais o inquietava era o sentimento de inevitabilidade. Como se aquela jornada não tivesse começado agora... mas muito antes de seu nascimento.

_______________________________________________

Enquanto Eldrin tentava encontrar o caminho de volta, alguém o observava.

Entre as sombras das árvores, uma figura se movia silenciosamente. Usava um manto cinzento que parecia se fundir com a neblina. Seu rosto era oculto por um capuz, mas seus olhos — vermelhos como brasas apagadas — brilhavam com malícia.

— O Guardião desperta — sussurrou para si mesmo. — E o Canto recomeça.

A figura ergueu a mão e soprou um pó escuro que se espalhou como fumaça viva, desaparecendo entre os troncos. Em resposta, sons distorcidos começaram a ecoar pela floresta: gritos distantes, notas invertidas, como se a própria música estivesse sendo engolida.

O Silêncio avançava.

_______________________________________________

Quando Eldrin enfim emergiu da floresta, o céu já escurecia. Os contornos de Lorthen se erguiam à distância — familiar e, ao mesmo tempo, estranho. Ele nunca tinha reparado no quão silencioso era o vilarejo até aquele momento.

Caminhou até sua cabana com passos pesados. Encontrou a porta aberta, como se uma tempestade a tivesse arrombado. Lá dentro, tudo estava em seu lugar... exceto a harpa.

Sua velha harpa — a simples, de madeira clara, que ele usava desde criança — havia sido partida ao meio. E em seu lugar, sobre a cadeira onde sempre se sentava para compor, havia uma pena azul brilhante.

Eldrin a pegou com cuidado. Era quente ao toque, como se recém saída do corpo de uma criatura viva. Ao segurá-la, ouviu uma nota — uma única nota, pura e cristalina — ecoando dentro de sua mente.

Aeryx estava com ele. A Canção não havia terminado.

Era apenas o prelúdio.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!