Os caminhos antigos de Eldareth eram traiçoeiros, serpenteando entre vales esquecidos e ruínas cobertas pelo musgo do tempo. Eldrin caminhava por trilhas estreitas, florestas silenciosas e penhascos onde o vento assobiava canções perdidas. Seu destino era incerto, guiado apenas pelo brilho sutil da pena azul em sua mochila e por uma melodia que sussurrava nos limites de sua consciência — um chamado feito de harmonia e mistério.
Dois dias haviam se passado desde que deixou Lorthen. A cada noite, os sonhos tornavam-se mais intensos. Em um deles, viu uma torre caída coberta por vinhas douradas, com sinos que tocavam sem vento. Em outro, viu um espelho d’água que mostrava o reflexo de Aeryx, o Dragão Azul, olhando-o fixamente, como se o estudasse de longe.
Na aurora do terceiro dia, Eldrin alcançou a orla de uma cadeia de montanhas conhecidas como os Pilares de Veyr. Ali, segundo lendas antigas, jaziam as ruínas de um templo dedicado à Primeira Canção. Um lugar esquecido por quase todos, exceto pelos estudiosos da música arcaica e pelos lunáticos das tavernas.
Ao pé das montanhas, Eldrin encontrou abrigo numa gruta rasa. Preparou uma fogueira modesta e tirou da mochila seu lirian, o instrumento de cordas que agora parecia conter mais poder do que ele podia compreender. Tocou uma nota suave, e as chamas diante dele dançaram como se celebrassem a música. Uma nota dissonante, e a chama oscilou, quase apagando.
“Não é só tocar... é sentir o que se quer que o mundo sinta”, ele pensou.
Mas o que ele queria?
Liberdade? Respostas? Ou apenas uma maneira de entender o que havia dentro de si?
Enquanto refletia, o ar na gruta tornou-se mais frio. Um vento gelado percorreu os túneis e, com ele, veio uma voz baixa e rouca.
— Não deveria estar aqui, filho da Harmonia.
Eldrin ergueu-se num pulo. Na entrada da gruta, uma figura envolta em trapos negros o observava. A pele da criatura era cinza-pálida, com veias negras pulsando em padrões estranhos. Os olhos, completamente brancos, fixaram-se nele como lâminas.
— Quem é você? — perguntou Eldrin, a voz mais firme do que esperava.
— Um Sussurro. Um que ouviu a Canção ser rasgada... e sobreviveu ao silêncio.
Eldrin não recuou. Pegou seu lirian e deslizou os dedos pelas cordas. O som encheu a caverna, vibrando com notas defensivas, quase como um escudo.
O Sussurro recuou um passo, mas sorriu.
— Já aprendeu a proteger-se... mas será o bastante?
— O que você quer?
— Avisar. O caminho que você segue não termina com luz. A Canção pode salvar... mas também condenar. A Canção foi dividida porque era perigosa demais para ser inteira. Se você reuní-la...
Eldrin interrompeu:
— Eu não quero poder. Quero entendimento.
O Sussurro inclinou a cabeça.
— Então busque a Torre Afundada. No coração dela, há ecos de uma nota esquecida. Ela pode guiar ou devorar. Mas é o próximo verso da sua melodia.
Sem mais palavras, a criatura desvaneceu-se na névoa da gruta, como se fosse feita dela.
Eldrin sentou-se, o coração acelerado. Seus dedos tremiam, mas não de medo — de antecipação.
A Torre Afundada. A próxima nota.
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No dia seguinte, Eldrin escalou os primeiros picos dos Pilares de Veyr. Durante horas, subiu entre penhascos e escarpas, guiado por marcas antigas entalhadas na pedra — símbolos de claves musicais, notas escondidas entre musgos, inscrições em línguas arcanas. Era como se o caminho estivesse sendo revelado só a ele.
Ao final da tarde, chegou a uma planície elevada, onde uma cratera profunda abria-se como uma ferida na terra. Lá no fundo, envolta por névoa azul, erguia-se a Torre Afundada, inclinada e rachada, como se tivesse sido arrancada do céu.
Eldrin desceu com cuidado, e ao chegar ao sopé da torre, viu as portas cobertas por símbolos que brilhavam levemente. Assim que tocou um deles, uma onda de som — não barulho, mas música pura — o envolveu. Era como estar dentro de uma harpa gigante, onde cada passo era uma nota vibrante.
A porta se abriu.
Dentro, a torre era um espiral de escadas e corredores, todos cobertos de inscrições musicais. Não havia luz natural, mas cristais suspensos no ar emitiam um brilho azulado, pulsando com a mesma cadência do coração de Eldrin.
No segundo andar, encontrou um espelho de pedra. Quando se aproximou, sua imagem não o refletiu — mostrou uma mulher de cabelos escuros, olhos dourados e expressão serena. Ela segurava uma flauta prateada, e atrás dela, o céu era roxo, como em um mundo que Eldrin jamais vira.
— Quem é você? — ele sussurrou.
A mulher olhou para ele através do espelho, como se pudesse ouvi-lo.
— Sou tua melodia esquecida — disse ela. — Sou a nota que você não ousou tocar.
O espelho quebrou.
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Mais adiante, no topo da torre, Eldrin encontrou um pedestal onde uma esfera flutuava. Dentro dela, girava uma harpa em miniatura, envolta em uma tempestade de sons invisíveis. Quando ele se aproximou, a esfera rachou, e uma voz preencheu a sala:
— O Fragmento da Primeira Harmonia é teu. Mas com ele vêm as Vozes.
A esfera explodiu em fragmentos de luz, que giraram ao redor de Eldrin e entraram em seu peito.
Um som nasceu — não de fora, mas dentro dele.
Uma nova nota.
Pura. Antiga. Quase... divina.
E então, as paredes da torre tremeram.
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Do lado de fora, sombras deslizavam entre as rochas. Os Caçadores do Silêncio, alertados pela ativação do Fragmento, reuniam-se. Suas capas flutuavam sem vento. Seus olhos, opacos e famintos, buscavam o portador.
Um deles ergueu a mão. Uma lança de som dissonante formou-se no ar.
— O Portador despertou a Segunda Voz — disse ele. — É hora de colher o caos.
Eles avançaram.
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Eldrin desceu a torre com o Fragmento pulsando dentro de si. As melodias à sua volta agora eram vivas, conscientes. Cada passo reverberava em sua alma como uma nota de uma sinfonia em andamento.
Mas ao sair da torre, viu as sombras esperando.
Um dos Caçadores ergueu a lança e a arremessou. Eldrin instintivamente tocou seu lirian. Uma nota aguda saiu do instrumento, encontrando a lança no ar. O som explodiu como trovão.
O combate começara.
Dois Caçadores avançaram, emitindo gritos silenciosos. Eldrin correu, desviando, tocando acordes rápidos que formavam escudos temporários, projéteis de harmonia e rajadas de luz sonora. Mas eram muitos.
Foi quando uma rajada de vento o lançou longe. Ele rolou pela terra, o lirian quase escapando de suas mãos.
— Você é um erro — disse o líder dos Caçadores. — A Canção deve ser extinta. O Silêncio é o fim natural de todas as coisas.
Eldrin, com sangue nos lábios, olhou para ele.
— Então prepare-se para ouvir... até o fim.
Ergueu o lirian. Uma melodia nasceu. Não perfeita, não completa, mas poderosa. A terra tremeu. A própria torre vibrou.
Os Caçadores recuaram.
E então, do céu, um rugido.
Aeryx.
O Dragão Azul mergulhou das nuvens como uma estrela em queda, espalhando os Caçadores com uma explosão de som e luz. Suas asas criaram ondas musicais que desintegraram o silêncio ao redor.
Eldrin caiu de joelhos. Aeryx pousou, majestoso, envolto em brilho.
— Você ouviu. Você sentiu. Agora, você cantou.
Aeryx se aproximou e tocou Eldrin com a ponta de sua garra.
— Um Fragmento despertou. Mas há outros... e o tempo está se desfazendo.
Eldrin ergueu os olhos, exausto, mas determinado.
— Então vamos acordá-los.
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Atualizado até capítulo 25
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