Cicatrizes de Concreto
O Colégio Municipal Torres parecia, de fora, apenas mais uma escola pública qualquer. Um prédio cinzento, grades enferrujadas, quadra de esportes rachada pelo tempo. Mas dentro das salas, nos corredores apertados e no pátio coberto de pichações, a lei era outra: a lei do mais forte.
Noah Azevedo sabia disso. E era justamente por isso que mantinha a cabeça baixa, os olhos atentos e o corpo sempre na sombra dos outros. Pequeno, magro e com uma expressão indiferente, ele passava despercebido — e era exatamente assim que queria.
Ou, pelo menos, era o que tentava.
— Ei, cotoco! — Uma voz grave ecoou atrás dele.
Noah suspirou internamente antes de se virar. Reconheceu de imediato Diego "Pitbull", um dos brutamontes do segundo ano. Com quase um metro e noventa, cicatriz no queixo e olhar de cachorro raivoso, Diego adorava escolher alvos fáceis para se divertir.
Atrás dele, como sempre, vinham seus dois capangas: Felipe e Jader, dois idiotas que imitavam tudo que o líder fazia.
— Cê não escutou o Diego, não? — Jader rosnou, estalando os dedos.
Noah colocou a mochila no chão, devagar. Podia correr — mas sabia que isso só pioraria. Também podia pedir ajuda — mas, naquele lugar, ninguém ajudava ninguém.
Sem dizer nada, ele encarou Diego. Seus olhos cinzentos, frios como aço, não mostravam medo.
— Tá se achando o espertinho, é? — Diego bufou, empurrando Noah com força.
O garoto cambaleou, mas não caiu.
Por dentro, ele já analisava.
Distância entre eles: 1 metro. Número de inimigos: 3. Condição física: desvantagem. Estratégia: usar o ambiente.
— Vamos ver se aguenta — Diego disse, fechando o punho.
O soco veio rápido. Mas Noah foi mais rápido.
Abaixou-se no último segundo, agarrando a mão de Diego e torcendo o pulso com força. O brutamonte gritou de dor. Usando o impulso, Noah girou o corpo e deu uma joelhada seca na barriga do adversário.
Diego caiu de joelhos, ofegante.
Felipe e Jader avançaram. Noah chutou a mochila no caminho, fazendo Felipe tropeçar. Antes que Jader pudesse alcançá-lo, Noah deslizou para o lado e usou o peso do próprio corpo para empurrá-lo contra a parede.
Velocidade. Precisão. Economia de movimento.
Essas eram suas armas.
Quando Diego se levantou, furioso, Noah sabia que era hora de terminar. Pegou o estojo de metal da mochila e o lançou com toda força na testa do rival. O impacto foi seco e violento. Diego caiu para trás, grogue.
O pátio ficou em silêncio. Alguns alunos que assistiam escondidos atrás das colunas soltaram murmúrios surpresos.
Noah recolheu a mochila do chão, ajeitou o capuz sobre a cabeça e saiu andando como se nada tivesse acontecido.
Mas sabia que aquilo era só o começo.
Mais tarde, na sala de aula, a tensão era quase palpável. Noah sentou na última carteira, como sempre, mas podia sentir os olhares queimando suas costas.
A professora de História, Dona Marilda, tentava dar aula sobre a Revolução Industrial, mas ninguém prestava atenção. Todos só comentavam sobre a "surra" que Diego, o invencível, tinha levado.
Na hora do intervalo, o inevitável aconteceu.
— Ei, você. — Uma voz calma e firme chamou Noah no corredor.
Ele virou-se e viu um rapaz mais velho, encostado na parede. Tinha cabelos pretos desgrenhados, uniforme amassado e um sorriso irônico no rosto. Chamava-se Lucas Navarro — líder não oficial da escola.
Lucas comandava um grupo chamado "Os Espinhos". Não eram os mais fortes fisicamente, mas eram os mais perigosos: manipuladores, estratégicos, frios.
E agora, ele estava olhando direto para Noah.
— Gostei do que vi. — Lucas disse, andando até ele. — Rápido, preciso, sem frescura. Você tem talento.
Noah ficou em silêncio.
— Que tal se juntar a nós? — Lucas perguntou, o tom casual escondendo uma ameaça implícita. — Você sozinho não vai durar muito, garoto. Aqui, ou você tem aliados... ou você vira carne moída.
Noah o encarou por alguns segundos. Pensou nas opções.
Entrar para "Os Espinhos" significaria proteção, mas também obrigações. Missões sujas. Brigas que não eram dele.
Mas recusar... significava virar alvo.
— Vou pensar. — respondeu, finalmente.
Lucas sorriu de lado.
— Não demore muito.
E sumiu no meio dos corredores, como uma sombra.
Naquela noite, em casa, Noah sentou na cama do pequeno quarto que dividia com o irmão mais novo.
A mãe trabalhava dois empregos. O pai tinha desaparecido anos atrás. A sobrevivência era uma arte que ele aprendera cedo.
Pegou seu velho caderno preto e anotou:
"Regra nº 1: Nunca atacar primeiro.
Regra nº 2: Nunca confiar em ninguém.
Regra nº 3: Usar a cabeça antes dos punhos."
Fechou o caderno com força.
Sabia que no dia seguinte, Diego e seus amigos viriam atrás dele — e que Lucas estaria esperando uma resposta.
Mas Noah Azevedo não era um herói.
Ele era apenas mais um garoto fraco, tentando sobreviver num mundo de concreto, ferro e traição.
E às vezes, pensou com um sorriso frio, os mais fracos sabiam bater melhor do que qualquer um.
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Atualizado até capítulo 24
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