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Cicatrizes de Concreto

Capítulo 1: O Primeiro Golpe Nunca é o Mais Forte

O Colégio Municipal Torres parecia, de fora, apenas mais uma escola pública qualquer. Um prédio cinzento, grades enferrujadas, quadra de esportes rachada pelo tempo. Mas dentro das salas, nos corredores apertados e no pátio coberto de pichações, a lei era outra: a lei do mais forte.

Noah Azevedo sabia disso. E era justamente por isso que mantinha a cabeça baixa, os olhos atentos e o corpo sempre na sombra dos outros. Pequeno, magro e com uma expressão indiferente, ele passava despercebido — e era exatamente assim que queria.

Ou, pelo menos, era o que tentava.

— Ei, cotoco! — Uma voz grave ecoou atrás dele.

Noah suspirou internamente antes de se virar. Reconheceu de imediato Diego "Pitbull", um dos brutamontes do segundo ano. Com quase um metro e noventa, cicatriz no queixo e olhar de cachorro raivoso, Diego adorava escolher alvos fáceis para se divertir.

Atrás dele, como sempre, vinham seus dois capangas: Felipe e Jader, dois idiotas que imitavam tudo que o líder fazia.

— Cê não escutou o Diego, não? — Jader rosnou, estalando os dedos.

Noah colocou a mochila no chão, devagar. Podia correr — mas sabia que isso só pioraria. Também podia pedir ajuda — mas, naquele lugar, ninguém ajudava ninguém.

Sem dizer nada, ele encarou Diego. Seus olhos cinzentos, frios como aço, não mostravam medo.

— Tá se achando o espertinho, é? — Diego bufou, empurrando Noah com força.

O garoto cambaleou, mas não caiu.

Por dentro, ele já analisava.

Distância entre eles: 1 metro. Número de inimigos: 3. Condição física: desvantagem. Estratégia: usar o ambiente.

— Vamos ver se aguenta — Diego disse, fechando o punho.

O soco veio rápido. Mas Noah foi mais rápido.

Abaixou-se no último segundo, agarrando a mão de Diego e torcendo o pulso com força. O brutamonte gritou de dor. Usando o impulso, Noah girou o corpo e deu uma joelhada seca na barriga do adversário.

Diego caiu de joelhos, ofegante.

Felipe e Jader avançaram. Noah chutou a mochila no caminho, fazendo Felipe tropeçar. Antes que Jader pudesse alcançá-lo, Noah deslizou para o lado e usou o peso do próprio corpo para empurrá-lo contra a parede.

Velocidade. Precisão. Economia de movimento.

Essas eram suas armas.

Quando Diego se levantou, furioso, Noah sabia que era hora de terminar. Pegou o estojo de metal da mochila e o lançou com toda força na testa do rival. O impacto foi seco e violento. Diego caiu para trás, grogue.

O pátio ficou em silêncio. Alguns alunos que assistiam escondidos atrás das colunas soltaram murmúrios surpresos.

Noah recolheu a mochila do chão, ajeitou o capuz sobre a cabeça e saiu andando como se nada tivesse acontecido.

Mas sabia que aquilo era só o começo.

Mais tarde, na sala de aula, a tensão era quase palpável. Noah sentou na última carteira, como sempre, mas podia sentir os olhares queimando suas costas.

A professora de História, Dona Marilda, tentava dar aula sobre a Revolução Industrial, mas ninguém prestava atenção. Todos só comentavam sobre a "surra" que Diego, o invencível, tinha levado.

Na hora do intervalo, o inevitável aconteceu.

— Ei, você. — Uma voz calma e firme chamou Noah no corredor.

Ele virou-se e viu um rapaz mais velho, encostado na parede. Tinha cabelos pretos desgrenhados, uniforme amassado e um sorriso irônico no rosto. Chamava-se Lucas Navarro — líder não oficial da escola.

Lucas comandava um grupo chamado "Os Espinhos". Não eram os mais fortes fisicamente, mas eram os mais perigosos: manipuladores, estratégicos, frios.

E agora, ele estava olhando direto para Noah.

— Gostei do que vi. — Lucas disse, andando até ele. — Rápido, preciso, sem frescura. Você tem talento.

Noah ficou em silêncio.

— Que tal se juntar a nós? — Lucas perguntou, o tom casual escondendo uma ameaça implícita. — Você sozinho não vai durar muito, garoto. Aqui, ou você tem aliados... ou você vira carne moída.

Noah o encarou por alguns segundos. Pensou nas opções.

Entrar para "Os Espinhos" significaria proteção, mas também obrigações. Missões sujas. Brigas que não eram dele.

Mas recusar... significava virar alvo.

— Vou pensar. — respondeu, finalmente.

Lucas sorriu de lado.

— Não demore muito.

E sumiu no meio dos corredores, como uma sombra.

Naquela noite, em casa, Noah sentou na cama do pequeno quarto que dividia com o irmão mais novo.

A mãe trabalhava dois empregos. O pai tinha desaparecido anos atrás. A sobrevivência era uma arte que ele aprendera cedo.

Pegou seu velho caderno preto e anotou:

"Regra nº 1: Nunca atacar primeiro.

Regra nº 2: Nunca confiar em ninguém.

Regra nº 3: Usar a cabeça antes dos punhos."

Fechou o caderno com força.

Sabia que no dia seguinte, Diego e seus amigos viriam atrás dele — e que Lucas estaria esperando uma resposta.

Mas Noah Azevedo não era um herói.

Ele era apenas mais um garoto fraco, tentando sobreviver num mundo de concreto, ferro e traição.

E às vezes, pensou com um sorriso frio, os mais fracos sabiam bater melhor do que qualquer um.

Capítulo 2: Toda Escolha Cobra um Preço

O sol ainda não havia nascido completamente quando Noah chegou à escola no dia seguinte.

O céu estava coberto por nuvens pesadas, o tipo de clima que fazia os alunos ficarem ainda mais irritados do que o normal.

Ele atravessou o portão principal com passos firmes, mochila nas costas, olhar frio.

Sentia. Cada célula do seu corpo sabia: o ataque viria hoje.

Não demorou.

Logo depois da primeira aula, quando o sinal do intervalo tocou, Felipe e Jader apareceram na porta da sala.

Mas dessa vez, não estavam sozinhos.

Havia pelo menos mais cinco caras com eles — rostos conhecidos da escola, todos metidos em brigas e confusões.

Diego, com um curativo grosseiro na testa, liderava o grupo, sorrindo de forma ameaçadora.

— Achou que ia sair impune, seu merdinha? — rosnou.

A professora, percebendo o clima pesado, fingiu não ver e saiu da sala, apressada.

Era assim no Colégio Torres: quando as brigas começavam, ninguém queria se meter.

Noah levantou-se devagar.

Olhou ao redor. Nenhum dos colegas faria nada. Alguns até pareciam animados, ansiosos pelo espetáculo.

Sete contra um. Sem armas. Sem saída.

Ou melhor... parecia que não havia saída.

Ele caminhou até o fundo da sala, atraindo os atacantes para longe da porta.

Ali o espaço era mais apertado — e isso podia ser uma vantagem.

— Vamos acabar logo com isso. — disse Diego.

Os outros avançaram ao mesmo tempo.

Noah abaixou-se no último segundo, desviando de um soco que teria quebrado seu maxilar.

Pegou uma cadeira e girou, acertando o joelho de Felipe, que caiu gritando.

Antes que Jader o agarrasse, Noah chutou a carteira à frente, prendendo o pé do adversário e desequilibrando-o.

Mas eram muitos.

Enquanto ele derrubava um, outros dois o agarraram pelas costas.

Socos acertaram suas costelas. Um golpe na cabeça o deixou atordoado.

Droga. Pensou. Dessa vez não vou sair ileso.

Foi então que ouviu um apito agudo.

— Chega!

Todos congelaram.

Lucas Navarro estava na porta da sala, braços cruzados, sorriso preguiçoso no rosto.

Atrás dele, outros três membros dos "Espinhos" — caras que todos temiam.

— Soltem ele. Agora. — Lucas ordenou, num tom tão calmo que parecia ainda mais ameaçador.

Relutantes, os atacantes recuaram. Diego olhou para Lucas com ódio, mas não ousou enfrentá-lo ali.

Lucas se aproximou de Noah, que ainda arfava de dor, e estendeu a mão.

— Eu avisei que você precisaria de aliados.

Noah o encarou. Seu orgulho queria recusar. Mas sua razão sabia: lutar sozinho naquele ambiente era suicídio.

Aceitou a mão.

Lucas sorriu satisfeito.

— Bem-vindo aos Espinhos, Noah Azevedo.

No pátio dos fundos, mais tarde, Noah recebeu as instruções.

Lucas falou em voz baixa, para que apenas os mais próximos ouvissem:

— Aqui dentro, sobrevivência é questão de matemática simples. Quem controla o medo, controla tudo.

Ele apontou para Diego e seus amigos, que se afastavam, humilhados:

— Hoje foi sorte. Amanhã, eles vão voltar. Pior.

Noah ficou em silêncio. O corpo doía, mas sua mente já estava trabalhando, encaixando as peças.

Lucas continuou:

— Você não entrou de graça. Quero ver o que você pode fazer.

Ele lançou um olhar furtivo para um grupo sentado próximo à cantina: quatro garotos, liderados por alguém chamado Rafael Torres — um dos poucos que ainda desafiavam a autoridade dos Espinhos.

— Quero que você mande um recado pra eles. — disse Lucas. — Nada pesado. Só o suficiente pra entenderem quem manda aqui.

Noah entendeu o que era esperado. Intimidação. Violência contida.

Um teste de lealdade.

E se recusasse?

Seria descartado como qualquer peão inútil.

À tarde, Noah caminhava em direção à quadra velha, onde Rafael e seus amigos costumavam jogar basquete.

A mochila balançava em suas costas.

O coração batia rápido — não de medo, mas de excitação estranha.

Era isso que ele era agora? Um cão de aluguel?

A dúvida queimava por dentro. Mas ele a empurrou para longe.

No mundo em que vivia, ou você era predador, ou era presa.

E ele estava cansado de ser caçado.

Encontrou Rafael encestando a bola com facilidade, o rosto relaxado. Um dos poucos que ainda mantinham alguma dignidade ali.

Noah sentiu uma ponta de respeito — mas enterrou o sentimento.

Aproximou-se.

— Rafael. — chamou.

O garoto virou-se, surpreso.

— E aí? Quem é você?

Antes que ele terminasse a frase, Noah deu um passo à frente e, num movimento seco, empurrou Rafael com força contra o alambrado da quadra.

Os amigos dele reagiram, mas Noah já estava preparado.

Tirou uma corrente da mochila — simples, de bicicleta — e girou no ar, acertando o braço de um deles.

Golpe rápido. Preciso. Sem hesitação.

Rafael se soltou do alambrado, olhos queimando de raiva.

— Tá maluco, seu merda?! — gritou.

Noah apenas disse:

— Não se metam nos assuntos dos Espinhos. Último aviso.

E saiu andando, deixando-os gritando e xingando.

Não precisava vencê-los.

Só precisava plantar o medo.

Naquela noite, em casa, Noah deitou-se na cama olhando para o teto mofado.

As costelas ainda doíam. O corte no supercílio ardia.

Mas o que doía mais era o vazio que crescia dentro dele.

Será que estava se tornando igual aos que mais odiava?

Ou será que, para sobreviver, precisava mesmo sujar as mãos?

Pegou o caderno preto novamente e escreveu:

"Regra nº 4: Em um mundo de monstros, ser humano é fraqueza."

Fechou os olhos, sentindo o peso da escolha que fizera.

Porque sabia: toda escolha cobra um preço.

E no Colégio Torres, ninguém saía ileso.

Nem mesmo os mais fortes.

Capítulo 3: Inimigos Sob a Mesma Bandeira

O som abafado dos tênis contra o asfalto ecoava pelos corredores abandonados do Colégio Torres.

Era noite. O lugar parecia outro, com sombras que se alongavam como dedos de alguma criatura faminta.

Noah caminhava rápido, seguindo Lucas e outros dois membros dos Espinhos — Caio e Bruno.

A missão era simples: invadir o depósito da escola e roubar as provas finais.

Nada tão chocante para os padrões da gangue.

Mas Noah não conseguia ignorar o frio em seu estômago.

Algo naquela noite parecia... errado.

Enquanto avançavam pelos fundos do prédio, Noah observava.

Caio era explosivo, do tipo que resolvia tudo com socos.

Bruno era mais calculista, mas tinha olhos de traidor — sempre procurando vantagens para si.

Lucas, no entanto, era o pior: sorria com uma calma que escondia algo muito mais sombrio.

Chegaram ao portão lateral, trancado com uma corrente enferrujada.

Bruno puxou um alicate da mochila.

— Dois minutos e estamos dentro. — garantiu, confiante.

Enquanto ele cortava a corrente, Noah se virou para Lucas:

— Me explica uma coisa...

— Fala. — disse Lucas, acendendo um cigarro.

Noah hesitou, então perguntou:

— Por que eu? Tanta gente querendo entrar pros Espinhos... por que me aceitar assim?

Lucas soltou a fumaça lentamente antes de responder:

— Porque você não tem nada a perder.

A frase ficou no ar como uma sentença.

Antes que Noah pudesse replicar, o portão rangeu, abrindo caminho.

Bruno sorriu satisfeito.

— Vamos logo.

Eles se enfiaram no depósito. O cheiro de mofo e papel velho era quase insuportável.

As caixas com provas estavam empilhadas ao fundo.

Caio e Bruno foram direto até elas, rasgando lacres, procurando as provas de matemática.

Lucas encostou-se na parede, vigiando a entrada.

Noah ficou parado, inquieto. Algo dentro dele gritava para ir embora.

Foi então que ouviu.

Um estalo.

Depois, passos apressados.

— Merda! — rosnou Lucas. — Alguém nos viu!

O pânico tomou conta.

Caio derrubou uma pilha de caixas tentando correr. Bruno empurrou Noah brutalmente para abrir caminho.

Num piscar de olhos, estavam todos correndo pelos corredores escuros da escola, tentando encontrar uma saída.

Mas era tarde.

Dois seguranças armados apareceram no final do corredor, lanternas em punho.

— Parem aí! — gritaram.

Noah sentiu o coração disparar. Lucas puxou-o para uma porta lateral, forçando-a até arrebentar a fechadura.

Escaparam para o pátio.

Mas enquanto corriam, Bruno tropeçou e caiu.

Um dos seguranças alcançou-o, agarrando-o pelo casaco.

Noah parou. Por instinto.

Poderia ajudá-lo.

Olhou para Lucas.

Esperava algum sinal.

Alguma ordem.

Lucas apenas deu de ombros e disse:

— Deixa ele. Quem é fraco não merece estar entre nós.

Frio. Impiedoso. Sem hesitação.

Noah ficou paralisado por meio segundo. Depois virou-se e correu, seguindo Lucas e Caio para fora dos muros da escola.

Pulou a cerca rasgada e desapareceu na escuridão.

Atrás dele, ouviu Bruno gritando enquanto era dominado.

E o pior: ouvia-se o som do segurança chamando a polícia pelo rádio.

Bruno seria expulso. Preso. Marcado para sempre.

E eles o haviam deixado para trás como um lixo qualquer.

Na manhã seguinte, a escola inteira falava do "assalto" ao depósito.

O diretor andava pelos corredores, interrogando alunos, ameaçando suspensões.

Bruno não apareceu.

E todos sabiam o motivo.

Noah sentou-se no fundo da sala, a cabeça baixa, o estômago embrulhado de culpa.

Lucas entrou pouco depois, andando como se nada tivesse acontecido.

Passou pela fileira de mesas, deu um tapinha no ombro de Noah e sussurrou:

— Bem-vindo ao verdadeiro mundo, parceiro.

Noah fechou os punhos com tanta força que as unhas cortaram sua pele.

Mas não disse nada.

Ainda não.

Porque agora ele sabia:

Dentro dos Espinhos, não existiam amigos.

Apenas aliados temporários.

Pessoas que seriam descartadas na primeira oportunidade.

Alguns dias depois, Lucas convocou uma reunião secreta num galpão abandonado, perto da linha de trem.

Noah foi, embora tudo dentro dele gritasse para fugir.

Encontrou cerca de vinte membros reunidos, formando um semicírculo sujo em torno de Lucas.

O líder parecia diferente naquela noite. Mais sério. Mais... perigoso.

— O tempo dos Espinhos como simples gangue acabou. — disse Lucas, encarando cada rosto. — Nós vamos dominar esta cidade. Mas primeiro, precisamos limpar nossa própria casa.

Alguns murmuraram, confusos.

Lucas ergueu a mão e apontou para dois garotos no fundo da sala.

— Gabriel e Neto. — disse, a voz cortante. — Foram vistos conversando com Rafael Torres. Inimigos declarados.

O murmúrio virou um silêncio pesado.

Os dois garotos se encolheram, trocando olhares nervosos.

Lucas sorriu.

— Vocês sabem o que isso significa.

Sem aviso, Caio e outros avançaram sobre os dois.

Começaram a espancá-los brutalmente.

Noah assistiu, petrificado.

Sabia que, se tentasse impedir, seria o próximo.

Sentiu o gosto amargo da covardia na garganta.

Quando terminou, os dois garotos mal conseguiam se mover.

Foram arrastados para fora do galpão e jogados no mato como trapos velhos.

Lucas virou-se para o grupo e disse:

— Lição número um: não existe perdão entre nós.

Se alguém trai, morre.

Os Espinhos gritaram em coro, como se fosse algo glorioso.

Noah apenas baixou a cabeça.

Porque naquele momento, percebeu:

Ele não tinha se juntado a um grupo.

Tinha se juntado a uma seita.

E para sair...

Talvez não houvesse saída.

Em casa, mais tarde, Noah escreveu em seu caderno:

"Regra nº 5: Nem todo inimigo está fora dos muros. Às vezes, eles usam a mesma camisa que você."

Fechou o caderno com força, sentindo as mãos tremerem.

Ele precisava de um plano.

Urgente.

Porque, cedo ou tarde, seria a próxima vítima.

E não pretendia morrer calado.

Nem ser apenas mais uma cicatriz esquecida naquele concreto maldito.

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