O som abafado dos tênis contra o asfalto ecoava pelos corredores abandonados do Colégio Torres.
Era noite. O lugar parecia outro, com sombras que se alongavam como dedos de alguma criatura faminta.
Noah caminhava rápido, seguindo Lucas e outros dois membros dos Espinhos — Caio e Bruno.
A missão era simples: invadir o depósito da escola e roubar as provas finais.
Nada tão chocante para os padrões da gangue.
Mas Noah não conseguia ignorar o frio em seu estômago.
Algo naquela noite parecia... errado.
Enquanto avançavam pelos fundos do prédio, Noah observava.
Caio era explosivo, do tipo que resolvia tudo com socos.
Bruno era mais calculista, mas tinha olhos de traidor — sempre procurando vantagens para si.
Lucas, no entanto, era o pior: sorria com uma calma que escondia algo muito mais sombrio.
Chegaram ao portão lateral, trancado com uma corrente enferrujada.
Bruno puxou um alicate da mochila.
— Dois minutos e estamos dentro. — garantiu, confiante.
Enquanto ele cortava a corrente, Noah se virou para Lucas:
— Me explica uma coisa...
— Fala. — disse Lucas, acendendo um cigarro.
Noah hesitou, então perguntou:
— Por que eu? Tanta gente querendo entrar pros Espinhos... por que me aceitar assim?
Lucas soltou a fumaça lentamente antes de responder:
— Porque você não tem nada a perder.
A frase ficou no ar como uma sentença.
Antes que Noah pudesse replicar, o portão rangeu, abrindo caminho.
Bruno sorriu satisfeito.
— Vamos logo.
Eles se enfiaram no depósito. O cheiro de mofo e papel velho era quase insuportável.
As caixas com provas estavam empilhadas ao fundo.
Caio e Bruno foram direto até elas, rasgando lacres, procurando as provas de matemática.
Lucas encostou-se na parede, vigiando a entrada.
Noah ficou parado, inquieto. Algo dentro dele gritava para ir embora.
Foi então que ouviu.
Um estalo.
Depois, passos apressados.
— Merda! — rosnou Lucas. — Alguém nos viu!
O pânico tomou conta.
Caio derrubou uma pilha de caixas tentando correr. Bruno empurrou Noah brutalmente para abrir caminho.
Num piscar de olhos, estavam todos correndo pelos corredores escuros da escola, tentando encontrar uma saída.
Mas era tarde.
Dois seguranças armados apareceram no final do corredor, lanternas em punho.
— Parem aí! — gritaram.
Noah sentiu o coração disparar. Lucas puxou-o para uma porta lateral, forçando-a até arrebentar a fechadura.
Escaparam para o pátio.
Mas enquanto corriam, Bruno tropeçou e caiu.
Um dos seguranças alcançou-o, agarrando-o pelo casaco.
Noah parou. Por instinto.
Poderia ajudá-lo.
Olhou para Lucas.
Esperava algum sinal.
Alguma ordem.
Lucas apenas deu de ombros e disse:
— Deixa ele. Quem é fraco não merece estar entre nós.
Frio. Impiedoso. Sem hesitação.
Noah ficou paralisado por meio segundo. Depois virou-se e correu, seguindo Lucas e Caio para fora dos muros da escola.
Pulou a cerca rasgada e desapareceu na escuridão.
Atrás dele, ouviu Bruno gritando enquanto era dominado.
E o pior: ouvia-se o som do segurança chamando a polícia pelo rádio.
Bruno seria expulso. Preso. Marcado para sempre.
E eles o haviam deixado para trás como um lixo qualquer.
Na manhã seguinte, a escola inteira falava do "assalto" ao depósito.
O diretor andava pelos corredores, interrogando alunos, ameaçando suspensões.
Bruno não apareceu.
E todos sabiam o motivo.
Noah sentou-se no fundo da sala, a cabeça baixa, o estômago embrulhado de culpa.
Lucas entrou pouco depois, andando como se nada tivesse acontecido.
Passou pela fileira de mesas, deu um tapinha no ombro de Noah e sussurrou:
— Bem-vindo ao verdadeiro mundo, parceiro.
Noah fechou os punhos com tanta força que as unhas cortaram sua pele.
Mas não disse nada.
Ainda não.
Porque agora ele sabia:
Dentro dos Espinhos, não existiam amigos.
Apenas aliados temporários.
Pessoas que seriam descartadas na primeira oportunidade.
Alguns dias depois, Lucas convocou uma reunião secreta num galpão abandonado, perto da linha de trem.
Noah foi, embora tudo dentro dele gritasse para fugir.
Encontrou cerca de vinte membros reunidos, formando um semicírculo sujo em torno de Lucas.
O líder parecia diferente naquela noite. Mais sério. Mais... perigoso.
— O tempo dos Espinhos como simples gangue acabou. — disse Lucas, encarando cada rosto. — Nós vamos dominar esta cidade. Mas primeiro, precisamos limpar nossa própria casa.
Alguns murmuraram, confusos.
Lucas ergueu a mão e apontou para dois garotos no fundo da sala.
— Gabriel e Neto. — disse, a voz cortante. — Foram vistos conversando com Rafael Torres. Inimigos declarados.
O murmúrio virou um silêncio pesado.
Os dois garotos se encolheram, trocando olhares nervosos.
Lucas sorriu.
— Vocês sabem o que isso significa.
Sem aviso, Caio e outros avançaram sobre os dois.
Começaram a espancá-los brutalmente.
Noah assistiu, petrificado.
Sabia que, se tentasse impedir, seria o próximo.
Sentiu o gosto amargo da covardia na garganta.
Quando terminou, os dois garotos mal conseguiam se mover.
Foram arrastados para fora do galpão e jogados no mato como trapos velhos.
Lucas virou-se para o grupo e disse:
— Lição número um: não existe perdão entre nós.
Se alguém trai, morre.
Os Espinhos gritaram em coro, como se fosse algo glorioso.
Noah apenas baixou a cabeça.
Porque naquele momento, percebeu:
Ele não tinha se juntado a um grupo.
Tinha se juntado a uma seita.
E para sair...
Talvez não houvesse saída.
Em casa, mais tarde, Noah escreveu em seu caderno:
"Regra nº 5: Nem todo inimigo está fora dos muros. Às vezes, eles usam a mesma camisa que você."
Fechou o caderno com força, sentindo as mãos tremerem.
Ele precisava de um plano.
Urgente.
Porque, cedo ou tarde, seria a próxima vítima.
E não pretendia morrer calado.
Nem ser apenas mais uma cicatriz esquecida naquele concreto maldito.
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Atualizado até capítulo 24
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