Capítulo 5: A Face do Inimigo

A cidade nunca dormia. As ruas estavam sempre cheias de sons: carros passando, gritos ao longe, os latidos dos cães nas vielas e, acima de tudo, os silêncios que se arrastavam pela madrugada, como se a própria cidade tivesse segredos enterrados nas calçadas.

Noah, no entanto, não ouvia mais nada. Estava focado demais em seu plano. Cada passo que ele dava dentro dos Espinhos estava calculado. Ele não queria mais ser apenas um peão, ele queria ser o próprio tabuleiro.

Nos últimos dias, ele se aproximou de Lucas com mais frequência, buscando conquistar sua confiança, escutando seus desabafos, fingindo ser o aliado que ele sempre quis. Mas Lucas não era burro. Noah sentia os olhos dele sobre si, sempre com aquele olhar de quem analisava cada movimento.

Era como jogar xadrez contra alguém que também estava jogando com a mente.

Naquele dia, depois da escola, Noah foi chamado para uma reunião dos Espinhos. Um encontro que estava sendo aguardado há semanas. Lucas finalmente parecia querer revelar o próximo passo do grupo, e Noah sabia que aquele seria o momento ideal para plantar a dúvida em todos.

O local era o galpão velho onde tudo acontecia. A luz estava fraca, e o cheiro de poeira e concreto velho fazia o lugar parecer ainda mais sombrio. A gangue estava reunida, e Lucas estava à frente, como sempre. Mas algo estava diferente no ar. Todos estavam tensos, como se soubessem que algo grande estava prestes a acontecer.

— É hora de consolidarmos o nosso poder. — Lucas começou, com sua voz baixa, mas firme. — Não estamos mais apenas em uma gangue de rua. Estamos nos tornando algo maior. Algo imortal.

Os outros membros murmuraram, aplaudindo com a mesma devoção de sempre. Mas Noah sentiu um arrepio. O líder estava ficando cada vez mais obcecado. Ele sabia que aquela busca pelo poder tinha um preço, mas não imaginava que Lucas fosse tão consumido por isso.

Foi então que Lucas olhou diretamente para Noah, um sorriso disfarçado nos lábios.

— Noah... Você tem estado quieto ultimamente. Mas sei que está pronto para o próximo passo. Estou certo disso.

Noah manteve sua expressão impassível, mas por dentro, o sangue dele fervia. Esse era o momento em que ele precisaria jogar sua última carta. A última peça do quebra-cabeça. Ele apenas assentiu e respondeu com a mesma calma de sempre:

— Eu estou pronto.

Lucas sorriu ainda mais, satisfeito. — Bom. Porque temos uma missão agora. Algo que vai mostrar a todos o verdadeiro poder dos Espinhos.

Ele fez uma pausa, como se estivesse se preparando para algo grande. — Vamos atacar o território dos Black Vultures. É hora de tomar o controle total da cidade. Não vamos mais ficar à sombra de outros grupos.

Noah sentiu o chão tremer sob seus pés. Os Black Vultures eram conhecidos por serem implacáveis, mais organizados, mais inteligentes. Era uma guerra que não se ganhava com força bruta, mas com estratégia. E Lucas estava prestes a dar o passo mais insano possível.

O líder olhou para todos os membros, incluindo Noah, com um olhar de triunfo. — Preparem-se. Vamos esmagar os Black Vultures e mostrar quem manda aqui.

Noah sentiu o estômago embrulhar. Ele sabia que aquilo era um erro, uma ação desesperada de alguém que já estava consumido pelo poder. E se ele não fizesse nada, não haveria mais gangue. Não haveria mais nada.

O plano estava em andamento, e Noah precisaria agir rápido.

Após a reunião, ele se retirou para um canto do galpão, seu coração acelerado. O que fazer agora? Se ele alertasse os Black Vultures, se tornaria um traidor aos olhos dos Espinhos, mas se não fizesse nada, a morte seria certa para todos os envolvidos.

Foi então que ele teve uma ideia. Um plano arriscado, mas que poderia mudar tudo. Ele se aproximaria de Rafael Torres, líder dos Black Vultures, mas de uma forma diferente. Ele usaria a sua proximidade com Lucas como isca, e tentaria ganhar a confiança de Rafael. Ele sabia que os Black Vultures precisavam de um infiltrado, alguém de dentro dos Espinhos. E quem melhor do que ele para isso?

A jogada era arriscada. Mas Noah já estava longe de ser o mesmo garoto que entrou para os Espinhos. Ele havia se transformado em algo mais... algo calculista.

Naquela noite, Noah se encontrou com Thiago em um local isolado, longe dos olhos de qualquer um. Thiago o observou com um olhar desconfiado.

— Você está fazendo o que, Noah? A missão dos Espinhos vai acontecer em breve. Se você sair agora, vai nos colocar em risco.

Noah olhou para ele, o peso de suas decisões pesando sobre seus ombros. — Não posso permitir que essa loucura aconteça, Thiago. Lucas está se precipitando. Se os Espinhos atacarem os Black Vultures, vai ser o fim de todos nós. Eu preciso alertá-los.

Thiago parecia dividido. — E o que vai acontecer com você? Vai se tornar um traidor?

Noah olhou para ele com os olhos frios. — Não, Thiago. Vou salvar todo mundo. Vou fazer o que Lucas não consegue ver: vencer o inimigo sem lutar.

Ele não sabia como, mas sabia que a chave estava em Rafael Torres. Ele tinha que se infiltrar. E logo.

O encontro com Rafael aconteceu naquela noite, em um velho armazém à beira da cidade. A tensão estava no ar, mas Noah não se deixou abalar. Ele entrou na sala escura, onde Rafael estava aguardando, e viu os outros membros dos Black Vultures ao fundo.

Rafael, um homem de presença imponente, olhou para ele com um sorriso. — Então você é Noah. O infiltrado nos Espinhos.

Noah assentiu, sem hesitar. — Precisamos conversar. O tempo está se esgotando.

Rafael o observou com interesse, e Noah sentiu que havia muito mais em jogo do que ele imaginava.

— Estou ouvindo. — disse Rafael, dando um passo à frente.

E, com isso, Noah começou a tecer sua rede de mentiras. Ele sabia que, para derrubar Lucas, ele precisaria de aliados inesperados. E Rafael, por mais perigoso que fosse, era o aliado perfeito.

Enquanto isso, na sede dos Espinhos, Lucas sentia que estava em controle total, mas Noah sabia que aquele controle estava prestes a desmoronar.

E com ele, todos os sonhos de poder de Lucas, os Espinhos, e tudo o que Noah construíra até agora.

Mas, antes de tudo, Noah precisava fazer a última jogada.

E ele estava mais perto de fazer isso do que nunca.

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