Sangue da Meia-Noite

Sangue da Meia-Noite

Capítulo 1 — A Chegada a Valebris

A estrada era uma cicatriz na pele da floresta. Estreita, sinuosa, mal asfaltada. O vento assobiava entre as árvores, fazendo com que os galhos se curvassem em reverência ao carro solitário que avançava por entre a névoa. Helena apertava o volante com força, os dedos pálidos e tensos, como se a qualquer momento pudesse cair no abismo que parecia espreitar dos dois lados da estrada. A chuva batia no para-brisa em um ritmo quase ritualístico, como se a própria natureza sussurrasse que ela não era bem-vinda ali.

Valebris. A cidade esquecida no interior das montanhas, onde os invernos eram longos demais e o silêncio, profundo demais. Um lugar que há muito havia deixado de constar em mapas ou roteiros turísticos. O tipo de cidade que só aparece nas últimas páginas dos jornais, quando algo ruim acontece.

Foi exatamente por isso que Helena voltou.

A carta havia chegado três semanas após o desaparecimento de sua irmã, Isadora. Escrita à mão, em papel amarelado, as palavras pareciam ter sido grafadas com urgência — e medo.

"Helena, se você está lendo isto, é porque algo aconteceu comigo. Preciso que vá até Valebris. Encontre a Casa Vellmont. Lá você entenderá tudo. Mas cuidado: não confie em ninguém. Nem mesmo em mim."

Desde o momento em que leu aquelas palavras, Helena soube que a vida que conhecia havia terminado.

A entrada da cidade era marcada por um velho portão de ferro, parcialmente encoberto por trepadeiras e ferrugem. Um letreiro com letras góticas quase ilegíveis ainda sustentava o nome "Valebris", como um epitáfio. Ao cruzá-lo, a sensação foi imediata: algo a observava. Não alguém — algo. Algo antigo, enterrado sob camadas de história, terra e sangue.

As casas de pedra alinhadas nas ruas estreitas pareciam sussurrar segredos uns aos outros. As luzes, quando acesas, eram fracas. Os poucos rostos que Helena vislumbrou pelas janelas desviaram o olhar rapidamente, como se reconhecessem algo nela — ou temessem o que ela traria.

O carro subiu a colina lentamente, até que a Casa Vellmont surgiu, imponente, como um castelo assombrado. Era uma construção alta, de pedra negra, com torres pontiagudas, janelas estreitas e vitrais manchados pelo tempo. O portão rangeu ao ser empurrado. As plantas do jardim haviam crescido de forma selvagem, engolindo caminhos e bancos. A natureza reclamava seu domínio, mas a casa resistia, como se tivesse consciência própria.

Helena subiu os degraus da varanda e, com o coração martelando no peito, girou a maçaneta da porta.

Estava destrancada.

O interior da casa era silencioso, exceto pelo som do vento sussurrando através das frestas das janelas. Tudo estava coberto por poeira e lençóis. Móveis antigos, tapeçarias desbotadas, lustres opulentos. Um lugar suspenso no tempo. Mas havia algo mais... Um cheiro metálico no ar. Quase imperceptível, mas presente. Sangue?

Ela ligou a lanterna do celular e seguiu pelo corredor, os passos afundando no carpete empoeirado. Cada retrato nas paredes parecia observar seus movimentos. Um arrepio percorreu sua espinha.

— Tem alguém aí? — sua voz ecoou pelo casarão como um sussurro perdido. Nada respondeu.

Subiu a escada central com cautela, sentindo o peso da casa se intensificar a cada degrau. Ao alcançar o segundo andar, uma porta estava entreaberta, deixando escapar uma fresta de luz bruxuleante.

Ao empurrá-la, deparou-se com um quarto grande, iluminado por velas espalhadas por toda parte. E ali, diante da janela, estava ele.

Um homem alto, de costas, com cabelos escuros presos em um rabo de cavalo baixo. Vestia um casaco antigo, de corte nobre, e não se moveu ao notar sua presença. Helena sentiu o coração acelerar — e não por medo. Havia algo naquele homem que exalava uma aura magnética, perigosa e bela ao mesmo tempo.

— Você não devia estar aqui — disse ele, sem virar-se.

— E você? Quem é?

Ele virou-se lentamente, revelando um rosto pálido e perfeito. Olhos rubros e intensos a encararam com curiosidade — ou fome. Sua expressão era serena, quase triste.

— Adrian. Adrian Vellmont.

— Você... é um vampiro?

Ele esboçou um sorriso.

— E você, Helena, é uma irmã em busca de respostas.

Ela estremeceu. Não havia mencionado seu nome.

— Como sabe quem eu sou?

— Isadora me falou sobre você. Antes... antes de cruzar o limiar.

Helena engoliu em seco.

— Ela está viva?

— Não como antes. Está presa entre os mundos. Um feitiço antigo a impede de partir — e de voltar. Um castigo por desafiar os que caminham à noite.

— Quem a puniu?

Adrian hesitou.

— Os antigos. Um culto escondido nas entranhas de Valebris. Eles estão despertando algo que devia permanecer adormecido. E Isadora tentou impedi-los.

Helena sentiu o chão escapar sob seus pés. Sua irmã sempre fora impulsiva, mas corajosa. Enfrentar um culto de criaturas sobrenaturais parecia suicídio — e agora ela pagava o preço.

— Eu vim trazê-la de volta. Não importa o que custe.

Adrian a olhou por longos segundos. Seus olhos pareciam queimar com uma chama silenciosa.

— Cuidado com o que deseja. Alguns caminhos exigem sangue.

Antes que ela pudesse responder, um rugido rasgou a noite. Um som gutural, animalesco, vindo da floresta. Adrian se moveu como uma sombra.

— Eles nos encontraram — ele disse, sacando uma estaca de prata de dentro de um compartimento oculto na parede.

— Quem?

— Os convertidos. Servos dos antigos. Humanos que beberam do sangue errado e se tornaram bestas sem mente.

Helena foi até a janela. Na estrada que levava à casa, viu algo se movendo. Quatro patas. Olhos dourados. Garras negras. Um ser entre o homem e o monstro. Avançava com velocidade, rosnando.

Adrian desceu as escadas em silêncio absoluto. Helena o seguiu, ignorando o medo. A porta da frente se escancarou com a força do vento. A criatura saltou do mato, rugindo, e caiu diante deles.

Helena gritou. Mas Adrian foi mais rápido.

Movendo-se com a graça de um predador experiente, ele esquivou-se da investida da besta e cravou a estaca no peito dela. O monstro gritou, contorceu-se, e explodiu em cinzas.

— Isso foi... impossível — ela sussurrou.

— Para os fracos, talvez. — Ele virou-se para ela. — Mas você não é fraca, Helena. Eu posso sentir isso. Você carrega algo... antigo.

Ela franziu o cenho.

— O que quer dizer?

— Você tem sangue Vellmont. Uma linhagem antiga, esquecida. Mas seu corpo ainda lembra. Seu destino está entrelaçado ao nosso. Foi por isso que sua irmã veio até mim. Ela sabia que precisaria de você.

Helena recuou um passo.

— Isso é loucura.

— É o que chamamos de verdade. — Ele se aproximou. — E você não pode mais fugir dela.

Os olhos dele prenderam os dela por um momento. E então, o mundo pareceu sumir ao redor. Ela viu imagens... memórias? Uma igreja em chamas. Uma mulher de cabelos dourados gritando. Uma câmara subterrânea cheia de túmulos abertos. E uma voz sussurrando: "O sangue é a chave."

Helena cambaleou para trás, ofegante.

— O que foi isso?

— Fragmentos. Sua mente está despertando. Quando o sangue antigo começa a correr, ele quer ser lembrado.

Ela pressionou as têmporas, tentando organizar os pensamentos.

— Isso não pode ser real. Vampiros, monstros, linhagens esquecidas... Eu sou só uma mulher comum tentando salvar a irmã.

Adrian sorriu de lado.

— Não existe “comum” em Valebris.

A lua apareceu entre as nuvens, iluminando a mansão com uma luz fria e prateada. Helena sentia o peso do mundo nos ombros, mas também uma centelha dentro do peito — algo que não sentia havia muito tempo. Um propósito. Uma raiva antiga. Um chamado.

— Se minha irmã está presa entre os mundos, como eu a trago de volta?

Adrian hesitou.

— Há uma maneira. Mas é proibida. Um ritual antigo. Exige um pacto. E um sacrifício.

— Meu sacrifício?

— Talvez o seu. Talvez o meu.

Ela olhou para ele por longos segundos. Apesar de tudo, havia algo naquele vampiro que a fazia sentir... viva. E estranhamente segura.

— Por que está me ajudando?

Ele desviou o olhar.

— Porque há muito tempo, perdi alguém. E não tive coragem de lutar por ela. Com você, talvez eu possa corrigir esse erro.

O silêncio se instalou entre eles, pesado, cheio de significados não ditos. Lá fora, a floresta sussurrava segredos e perigos. Mas Helena não recuaria.

— Mostre-me o caminho, Adrian. Estou pronta.

Ele a encarou uma última vez, como se procurasse algo nos olhos dela — coragem, loucura, ou amor. Então assentiu.

— Então venha. A noite está apenas começando.

E assim, juntos, desapareceram na escuridão da Casa Vellmont.

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